Webinar celebra Encontro em Jundiaí e potência do trabalho em rede da Urban95

As políticas públicas pela primeira infância celebradas no 1º Encontro Cidades das Crianças em Jundiaí (SP) têm um denominador comum: são possíveis porque foram criadas por uma rede integrada e articulada, com atores de diferentes secretarias da cidade em constante diálogo com parceiros como a Rede Urban95.

Para ampliar as possibilidades de troca que surgiram durante o evento, que aconteceu em março e reuniu 18 cidades da Rede Urban95, aconteceu o webinar Reverberações de um Encontro Fantástico, no dia 14 de abril. O encontro, organizado pelo CECIP, reuniu as 27 cidades da rede.

Dando a palavra aos participantes, tanto os que estiveram e os que não estiveram em Jundiaí, o webinar instigou os presentes a pensar em como este trabalho em Rede pode inspirar ações para a primeira infância nas cidades Urban95. O evento também sublinhou a importância de encontros presenciais, e já anunciou que em setembro de 2023 acontecerá o 2º Encontro Urban95, em São Paulo (SP). Mais informações, em breve!

Confira o webinar na íntegra:

Segurança e cultura de paz nas escolas – Referências para gestores

Em apoio às equipes de educação e todos os servidores das cidades Urban95 neste momento de insegurança, com ameaças e ataques violentos a escolas e disseminação de fake news, disponibilizamos um documento que pode indicar caminhos e oferecer canais de denúncia e acolhida.

Não há soluções fáceis ou solitárias para este cenário. Comunidade escolar, autoridades locais, sociedade, organizações da sociedade civil e governo precisam trabalhar juntos para criar ações de curto, médio e longo prazo. A Urban95 se solidariza e reafirma seu compromisso com a cultura de paz, o desemparedamento e o fortalecimento de vínculos entre comunidade, território e escola como caminhos que nos ajudarão a atravessar este momento delicado.

Segurança e cultura de paz nas escolas – Referências para gestores.

 

5 estratégias para aproximar homens cuidadores dos serviços de saúde

Historicamente, homens frequentam pouco os equipamentos de atenção primária de saúde, que são porta de entrada e eixo integrador dos serviços para a primeira infância e seus cuidadores. Por fatores sociais e culturais, muitos homens ainda têm dificuldade em mostrar vulnerabilidade, procurar ajuda médica ou exercer o papel de cuidador. Na outra ponta, os serviços enfrentam o desafio de se comunicar com este público reticente e criar conteúdos de comunicação atrativos sobre saúde preventiva e valorização da paternidade.  

Boa Vista (RR) apostou na capacitação sobre masculinidades e paternidades dos profissionais de saúde para diminuir a distância entre serviços e o público masculino. Luciano Ramos, especialista na temática de paternidades do Instituto Promundo, foi convidado em novembro de 2022 para ministrar a formação e trazer estratégias propostas em políticas públicas já consolidadas, como a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH) e o Pré-natal do Parceiro.

“Segundo a pesquisa Situação da Paternidade no Brasil, 80% dos homens têm o desejo de serem pais presentes, e estão decididos a fazer tudo o que for importante para a criança. Se existe essa predisposição e existem políticas públicas para favorecer esta participação, quem está operando os equipamentos de saúde precisa criar um meio de campo possível”, comenta Luciano. 

A paternidade é a porta de entrada para saúde dos cuidadores homens e os equipamentos de saúde precisam ter ferramentas para engajar este público reticente / Crédito: Shutterstock

Confira dicas compartilhadas pelo especialista para aumentar a participação masculina nos equipamentos de saúde, e sua presença nos cuidados com a primeira infância.  

1) Busca ativa para engajar os homens no território 

Campos de futebol, igrejas e comércio local. Para Luciano, os agentes comunitários de saúde devem realizar uma busca ativa nestes e em outros espaços ao redor dos equipamentos de saúde para apresentar os serviços disponíveis para o público masculino. Outra estratégia recomendada é mapear as lideranças comunitárias locais. Presidentes de associações de moradores, líderes de comunidades religiosas ou comerciantes podem ser aliados na hora de divulgar uma campanha de saúde preventiva, por exemplo. 

A busca ativa dos homens no território é uma das etapas para engajar este público com os serviços de saúde. Na foto, trabalho do Instituto Promundo com populações indígenas do Amapá / Crédito: Instituto Promundo

2) Comunicação condizente com a realidade local

Para engajar o homem do território a participar de atividades nos equipamentos de saúde, é preciso dialogar com ele e oferecer atividades que se encaixem em suas jornadas diárias. “Não adianta fazer formações extensas sobre paternidades no meio do dia. O trabalhador não consegue acessá-las, e isso pode fazer com que ele se afaste deste equipamento de saúde de modo permanente”, adiciona Luciano. Como exemplo de formação, Luciano traz uma atividade realizada no Promundo em uma comunidade do Rio de Janeiro: a estratégia foi criar rodas de masculinidades antes das partidas de futebol. As conversas tinham como ponto de partida o próprio esporte, e duravam apenas 20 minutos. 

Campanhas como a do Novembro Azul, que conscientiza sobre o câncer da próstata, são importantes, mas o especialista recomenda também uma comunicação contínua com este público, explorando outras temáticas, como saúde mental e o tema de paternidades ativas. 

3) Atendimentos em horários flexíveis

Segundo a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH), uma das questões apontadas pelos homens para a pouca frequência em serviços de saúde está ligada ao horário de atendimento, que coincide com a carga horária de trabalho. Está prevista em lei a possibilidade de que unidades de saúde ofereçam horários estendidos para a realização de atendimentos, não só os de saúde do homem, mas também os exames de pré-natal. 

“Existem municípios do Amapá, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Boa Vista, por exemplo, que estão atendendo homens depois das 22h. Este gesto significa muito para o homem, que se sair do trabalho e encontrar o posto fechado, dificilmente vai retornar”, adiciona Luciano. 

4) Acolher o pai durante o pré-natal

A política pública Pré-natal do parceiro prevê a inclusão de homens em todas as ações voltadas para o planejamento reprodutivo e, ao mesmo tempo, incentiva os homens a acessar o sistema de saúde de forma preventiva e a cuidar mais da própria saúde. Mas para que a implementação desta política seja bem sucedida, é necessário que o equipamento acolha bem este pai e o convide a participar de todas as etapas. Gestos como colocar mais uma cadeira na hora do atendimento, ou perguntar ao pai como ele está se sentindo durante a gestação, fazem a diferença. 

Na primeira consulta de pré-natal, caso o pai não esteja presente, o profissional de saúde precisa estender este convite a este homem pai – salvo em casos de relações violentas. Quando presente, este pai precisa ser orientado a fazer os exames necessários, tanto os de rotina, como diabetes, de sangue, colesterol, como também de HIV e outras doenças. O profissional precisa também verificar o cartão de vacina do homem pai para acompanhar a cobertura vacinal. Por fim, é recomendado inclui-lo em grupos de paternidades ofertados pela Unidade de Saúde. 

“Se este homem participa ativamente do pré-natal, ele começa a se relacionar fortemente com a criança. Se pararmos para pensar que no Brasil há um grande número de crianças que são registradas sem pai, trabalhar preventivamente com estes homens, já no pré-natal, garante o vínculo com a criança e diminui as chances de abandono.”

Garantir a presença do homem em todas as etapas da gestação, como no pré-natal e depois no puerpério, ajuda a fortalecer os vínculos entre cuidadores e bebê / Crédito: Prefeitura de Boa Vista

5) Momentos formativos sobre masculinidades e paternidades para profissionais de saúde
Formações sobre as temáticas de paternidades e masculinidades ajudam a desconstruir mitos com relação à masculinidade hegemônica e preparam os profissionais de saúde para buscar os homens do território, receber bem os pais durante exames como o pré-natal e também a desenvolver campanhas de comunicação que atinjam este público. Luciano recomenda que estas formações sejam feitas para toda a equipe, desde os gestores até o profissional que está na ponta, como o agente comunitário de saúde. 

O Instituto Promundo disponibiliza materiais sobre paternidades para apoiar o preparo de momentos formativos. A Urban95 também preparou uma lista de políticas, cursos e conteúdos para inspirar ações de paternidade ativa nas cidades. 

Álbum Nossa História é ferramenta de apoio a políticas de fortalecimento de vínculo entre cuidadores e bebês

O Álbum Nossa História* convida cuidadores a relatar sentimentos, acontecimentos e curiosidades sobre os primeiros 1000 dias do bebê – aqueles que vão da gestação aos 2 anos de vida. Com espaço para desenhar ou colar fotos de momentos especiais, dicas e informações úteis sobre esta fase, a publicação é uma ferramenta criativa para ser utilizada pelas equipes da assistência social, especialmente em programas de fortalecimento de vínculo, e outras equipes que trabalham diretamente com gestantes e cuidadores da primeiríssima infância.

A primeira cidade a utilizar o material foi Cascavel (PR), que tem qualificado seus serviços a partir da perspectiva da primeira infância e queria uma ferramenta que abordasse com as famílias a importância deste período, com atenção especial ao fortalecimento de vínculos entre famílias e bebês em situação de vulnerabilidade. Por isso, nesta primeira fase, o Álbum está sendo utilizado pelas equipes dos Centros de Referência em Assistência Social (CRAS) e Centros de Convivência Intergeracional (CCI).

“Logo que recebemos o Álbum, percebemos que seria um instrumental na hora de desenvolver ações com bebês, famílias e cuidadores”, relata Adriana Rossini, coordenadora pedagógica do CCI Eureca I, em Cascavel. “Muitas famílias em situação de vulnerabilidade não têm oportunidade de falar sobre a gravidez, e o álbum traz atividades simples e ricas para trabalhar com as famílias, mostrando por exemplo como conversar com o bebê na hora do banho ou dando dicas sobre amamentação, aumentando a conexão com a criança.”

Cuidadora que frequenta o CCI Eureca I folheia a publicação/ Crédito: Adriana Rossini.

Além de fomentar a conexão entre cuidadores e bebê por meio da construção da história e da identidade da nova família, o álbum abre janelas de diálogo entre técnicos e cuidadores. “Muitas vezes as famílias chegam com receio ao equipamento, achando que serão fiscalizadas ou que não estão fazendo os suficiente. O álbum possibilita criar momentos de acolhida, onde cuidadores podem falar sobre angústias, os desafios e as alegrias desse período”, explica Monica Vidiz, consultora Urban95/CECIP e coordenadora de conteúdo da publicação.

Foi justamente o que aconteceu no CRAS VI de Novembro. No primeiro encontro com um grupo de gestantes, que inclui mães adolescentes e em outras situações de vulnerabilidade, as perguntas do álbum serviram como roteiro de conversa, o que ajudou a aprimorar os atendimentos e a incentivar as famílias a participar dos encontros.

Diferentes formas de utilização

O álbum pode ter uma distribuição qualificada por parte dos serviços durante o acompanhamento de gestação, para que as famílias possam utilizá-lo de forma autônoma. A outra possibilidade – como a utilizada em Cascavel – é o álbum como ferramenta de trabalho para profissionais da saúde e da assistência, podendo ser usado em atividades em grupos, atendimentos individuais e visitas domiciliares, qualificando e colaborando com a elaboração de políticas públicas.

“Preencher o álbum tem muito valor, porque ajuda a colocar em palavras os sentimentos da cuidadora e da rede de apoio durante os primeiros 1000 dias, incentiva que as pessoas conversem. No futuro, quando a criança estiver entendendo sua identidade e seu lugar no mundo, ela pode recorrer ao álbum para conhecer como ela era quando mais nova e como se insere nesta família”, conta Monica.

A previsão é de que, nos próximos meses, todos os CRAS e CCIs de Cascavel estejam usando o álbum e troquem entre si as experiências de uso da ferramenta. A prefeitura também está licitando a impressão de álbuns para distribuição às famílias que frequentam os serviços da assistência social.

CCI Morumbi utilizou atividades propostas pelo álbum do bebê para recepcionar um novo grupo de cuidadoras / Crédito: CCI Morumbi

Um grupo de pessoas está sentada nos tatamas do CCI Morumbi. Em destaque, dois bebês sobem uma escadaria Pikler. Atrás, estão mulheres e alguns bebês.

*O álbum foi produzido pelo CECIP Centro de Criação de Imagem Popular para a iniciativa Urban95, em parceria com a Pistache Editorial e a Descobrir Brincando, para integrar os serviços de primeira infância da prefeitura de Cascavel (PR), cidade que faz parte da Rede Urban95. O conteúdo pode ser utilizado por outras cidades e está disponível para download em formato de PDF e de impressão para gráfica

Cidades compartilham estratégias para implementar a agenda intersetorial da Primeira Infância

Implementar, monitorar e garantir a continuidade de políticas públicas de primeira infância depende do engajamento de servidores e gestores de diferentes áreas da gestão municipal. Para apoiar as equipes técnicas no desafio de expandir o compromisso com a temática, o primeiro webinar de 2023 da Rede Urban95 teve como tema Boas Práticas para Capilarizar a Agenda da Primeira Infância nos municípios. O encontro, organizado pelo CECIP, aconteceu no dia 1 de março para gestores e equipes técnicas das 25 cidades da Rede.

Recife (PE) e Sobral (CE) foram as cidades convidadas a compartilhar suas estratégias com a rede. Em uma conversa mediada pela especialista em comunicação Paula Perim, Recife apresentou os modelos de governança que garantem a implementação e monitoramento de políticas públicas de primeira infância na cidade, enquanto Sobral trouxe a experiência das Cirandas de Formação.

Confira quatros estratégias apresentadas no webinar que aumentam o engajamento de servidores e da gestão no seu município:

1) Momentos formativos constantes e intersetoriais

As Cirandas de Formação são um bom exemplo de ação de capacitação, pois estimulam que diferentes secretarias se envolvam na execução dos encontros e tragam olhares múltiplos para a primeira infância. Os eventos organizados periodicamente contam com apresentações culturais e participação de especialistas em temáticas relevantes a quem trabalha com este público, como educação não violenta e direito à cidade.

2) GTs, secretarias ou comitês dedicados à primeira infância

Ter organismos ou cargos com a responsabilidade de implementar e monitorar ações de primeira infância no município, de forma intersetorial, é um dos caminhos apontados pelas cidades. Recife criou uma Secretaria Executiva, responsável pela execução das políticas, e também Comitês Gestores e Executivos Intersetoriais, onde grupos formados por representantes de cada uma das secretarias monitoram as ações previstas no Plano Municipal pela Primeira Infância (PMPI).

3) Orçamento para a primeira infância

Para garantir a execução das ações voltadas a este público e sua rede de apoio, Recife previu um recurso exclusivo dentro do Plano Plurianual Municipal (PPA). Existem outras possibilidades para assegurar este recurso, como o Orçamento Criança, metodologia que prevê a criação de um fundo separado voltado para a agenda, ou ainda prever um recurso alocado em cada uma das secretarias do município. O que o Marco Legal da Primeira Infância prevê é que tanto a União quanto os municípios identifiquem em seus orçamentos os recursos investidos na primeira infância (Art. 11 § 2º).

4) Comunicação interna e externa sobre a primeira infância

Paula Perim, especialista de comunicação e ex-diretora de comunicação e sensibilização da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal (FMCSV), recomendou aos municípios que invistam em ações de comunicação interna para aumentar o engajamento dos servidores, compartilhando notícias sobre projetos em andamento e também conteúdos sobre o tema. Outra sugestão estratégica é engajar a imprensa local, chamando-a para eventos, audiências e inaugurações de projetos.

Confira o webinar na íntegra:

Bebetecas como espaços de desenvolvimento integral para bebês e seus cuidadores

Bebetecas são espaços de leitura especializados na primeira infância – com ênfase a crianças de 0 a 3 anos – que garantem um lugar para brincar livre e para o contato com os livros. Esses espaços auxiliam no desenvolvimento integral e saudável da criança, estimulando a criação e a criatividade, fortalecendo vínculos entre cuidadores e bebês e ofertando um território de descanso, observação e cuidado para estes adultos.

“A bebeteca é um espaço ao mesmo tempo seguro e desafiador”, elucida Ana Maria Bastos, fundadora da Descobrir Brincando, iniciativa parceira da Urban95 que sensibiliza e instrumentaliza profissionais que utilizam bebetecas em seu cotidiano. “É um espaço onde a criança pode e deve exercer a liberdade do movimento. Tudo está acessível e pensado para o desenvolvimento motor, intelectual, emocional da criança”.

Geralmente localizadas em equipamentos e espaços físicos que já tenham alguma interação com o público da primeira infância – como escolas e creches, mas também serviços de assistência social e centros culturais – bebetecas podem assumir formatos diversos a depender do território ou equipamento onde se encontram. Confira algumas especificidades que caracterizam as bebetecas:

– Abordagem Pikler na metodologia e no mobiliário: Criado pela pediatra austríaca Emmi Pikler, a abordagem reúne práticas e metodologias que favorecem o desenvolvimento integral da criança por meio da autonomia e do brincar livre, tendo o mediador e o cuidador como parceiros nesta jornada. Os mobiliários e brinquedos pikler são desenhados para que a criança explore o mundo ao seu redor com segurança e independência, proporcionando equilíbrio, escaladas, oportunidades para ficar de pé e manusear objetos.

Para o cuidador, é preciso oferecer espaços de fruição, com almofadas, tapetes e pisos macios, com ampla oportunidade de observação da criança, como detalha Ana: “É importante ter a presença e o olhar deste adulto. Imagine que a criança se afasta do cuidador para brincar de empilhar. Ao conseguir fazer o empilhamento, ela procura o olhar deste adulto. É uma troca que acontece sem palavras, que faz com que a criança se sinta confiante, cheia de afeto, com possibilidade e poder de explorar o mundo”

– Livros: Livros de diferentes formatos e gêneros precisam estar em mobiliários acessíveis para serem manuseados pelas crianças. Os adultos devem  acessá-los com facilidade, seja para ler com as crianças ou sozinhos e mediar as atividades.

“O bebê pequeno manuseia e explora o livro, o maior entrega o livro para o cuidador fazer uma leitura. O mediador, figura essencial na bebeteca, oferece uma roda de leitura e apresenta um repertório diverso para os presentes. Assim, o livro começa a fazer parte da rotina da família”, relata Ana.

Uma roda de mulheres está sentada num piso de madeira dentro de uma bebeteca. Alguns bebês estão sentados no chão brincando com objetos. Atrás, mobiliários pikler.

Bebetecas precisam dispor de mobiliários apropriados tanto para crianças como para cuidadores. Na foto, bebeteca em Recife / Crédito: Agência Recife para Inovação e Estratégia (Aries)

– Mediadores capacitados: A bebeteca é um espaço de mediação de afetos e aprendizados. Portanto, é necessário um corpo de profissionais formados na mediação de encontros por meio do objeto livro, e que também possa facilitar atividades que enriqueçam o vínculo entre cuidadores e bebês.

“O mediador garante combinados, números de pessoas que estarão ali e o que pode e não pode não ser feito no espaço. Munido de um olhar generoso e que acredita no potencial da criança, o mediador muitas vezes ajuda o cuidador a enxergar o que bebê já aprendeu e ainda pode aprender”, conclui Ana.

Confira como Cascavel e Recife, duas cidades Urban95, têm construído suas bebetecas em diálogo com os diferentes espaços que ocupam.

Cascavel – PR: Nos últimos meses, com o apoio da Rede Urban95, a cidade tem investido na requalificação dos equipamentos da Assistência Social a partir do olhar da primeira infância. A recém inaugurada bebeteca no Centro de Referência em Assistência Social (CRAS) Morumbi faz parte dessa iniciativa, e seus servidores passaram por formações junto à equipe da Descobrir Brincando e do CECIP para proporcionar atividades lúdicas e de brincar livre para famílias em situação de alta vulnerabilidade.

A bebeteca tem um espaço de leitura para bebês e cuidadores. Para formar um acervo diverso conectado com o território e com o equipamento, os mediadores do CRAS receberam formação do Balaio de Livros, projeto do CECIP que forma mediadores de leitura em equipamentos públicos, qualificando e fortalecendo práticas desenvolvidas nos espaços com literatura.

“Costuma-se pensar que os bebês devem ter à sua disposição somente livros de pano ou de plástico. Mas para desenvolver um comportamento leitor, eles têm que aprender a manusear todo tipo de livro. Isso faz parte da formação leitora e motora”, revela Rafaela Pacola, integrante do projeto Balaio de Livros . “Estes livros têm que trazer diversidade, com histórias de famílias negras, indígenas, imigrantes, configurações não tradicionais. Também diversidade de projeto gráfico: livros maiores, menores, quadrados, retangulares, diferentes tipos de ilustração. E, por fim, gêneros literários diversos: poesia, mitos, folclore, fábulas”.

Em Cascavel (PR), mediadoras formadas ajudam a fortalecer o vínculo entre bebês e cuidadores / Crédito: Paulo Edison

Recife – PE: Os Centros Comunitários da Paz (COMPAZ) são equipamentos localizados em territórios vulneráveis e que têm a cultura e a literatura como aliadas na diminuição de índices de violência. Desde março de 2022, bebetecas foram instaladas dentro de três COMPAZ, e seus arte-educadores passaram por uma formação de seis meses com a Descobrir Brincando.

“O mediador disponibiliza brinquedos e oferece atividades para cada faixa etária, desenvolvidas a partir do acompanhamento destes encontros com as famílias”, explica Deborah Echeverria, gerente de planejamento e articulação da Rede de Bibliotecas pela Paz da Prefeitura do Recife. “Este arte-educador não interfere muito: deixa a criança no espaço, exposta aos mobiliários, livros e brinquedos, incentivando a participação e a observação do cuidador.”

O espaço de cuidado e acolhimento integrado ao território favoreceu a criação de redes de apoio entre cuidadores. As bebetecas agora contam com encontros semanais de grupos de mães, que trocam experiências e recebem apoio dos profissionais do equipamento.

Livros e mobiliário pikler fazem parte das bebetecas de Recife, que são integradas aos Compaz da cidade / Crédito: Agência Recife para Inovação e Estratégia: Aries

Webinar Rede Urban95 em 2022: Celebrando ações para a primeira infância

Representantes das 24 cidades da Rede Urban95 apresentaram suas ações para a primeira infância  no webinar Rede Urban95 em 2022: Celebrando ações para a primeira infância. O último encontro on-line de 2022 aconteceu no dia 9 de novembro e proporcionou momentos de partilha de experiências entre os municípios.

Claudia Vidigal, representante da Fundação Bernard van Leer no Brasil, abriu o encontro celebrando o trabalho da Rede ao longo do ano: “Cidades se articularam e fizeram trocas de maneira orgânica: prefeitos visitaram outras cidades, secretários dialogaram entre si e parceiros técnicos aprenderam uns com os outros”.

No encontro, organizado pelo CECIP, as cidades foram divididas em quatro salas, onde representantes de cada município compartilharam as ações, aprendizados, desafios e como pretendem transformar os projetos em políticas públicas duradouras. Entre as ações citadas pelas cidades, destacam-se campanhas de mudança de comportamento, aprimoramento de serviços de proteção básica e requalificação de espaços urbanos. Ao final do webinar, foi anunciado o encontro presencial Urban95 Brasil de 2023, que será em Jundiaí (SP).

“Em 2023, seguiremos juntos e firmes! O movimento que está acontecendo no Brasil é de muita inspiração para a Fundação Bernard van Leer e para outros países, e isso é fruto direto do comprometimento da gestão e da equipe de cada cidade”, finalizou Thaís Sanches, coordenadora de programas na Fundação Bernard van Leer.

Confira as apresentações das 24 cidades Urban95.

Confira o webinar na íntegra:

20:02 –  Sala 1 (Pelotas, Canoas, Aracaju, Brasileia, Uruçuca e Alfenas)
1:05:26 – Sala 2 (Fortaleza, Niterói, Recife, São Paulo, Sobral e Campinas)
1:59:44 – Sala 3 (Boa Vista, Crato, Cascavel, Benevides, Ilhéus e Paragominas)
2:37:51 – Sala 4 (Jundiaí, Caruaru, Alcinópolis, São José, Teresina e Mogi das Cruzes)
3:21:15 – Encerramento

 

Cidades Urban95 inserem a cultura nas políticas de primeira infância

A cultura é essencial para o desenvolvimento integral da criança. O acesso a diversas manifestações culturais e expressões estéticas auxilia na aprendizagem e também media as relações da criança, produtora ela mesma de cultura, com a relação da criança com o outros e com o mundo ao seu redor e o mundo ao seu redor.

“O gosto pela cultura não é natural, é algo que precisa ser desenvolvido e, como a própria origem da palavra diz, cultivado. A cultura é uma potente ferramenta de transformação humana, e nos torna mais humanos. E se cultivamos a cultura desde a primeira infância, até mesmo durante a gestação, ela se tornará um hábito para toda a vida”, explica Marcelo Peroni, Secretário de Cultura de Jundiaí (SP).

Embora previsto em marcos legais importantes como o artigo 227 da Constituição, o Plano Nacional Primeira Infância, e o Plano Nacional de Cultura, o acesso à cultura como um direito para crianças e cuidadores ainda é um desafio.  Cidades da Rede Urban95 buscam mudar este quadro garantindo esses direitos em suas políticas públicas. Uma das estratégias é a construção de Planos Municipais pela Primeira Infância (PMPI) que colocam as ações culturais como metas, incluindo-as em orçamentos e reforçando a transversalidade do tema em todas as áreas de atuação.

A seguir, reunimos algumas experiências empreendidas pelas cidades da Rede que podem inspirar gestores e equipes técnicas a pensar políticas que unem cultura e primeira infância em seus territórios.

Crato (CE) e a valorização da cultura regional na primeira infância: A cidade do interior do Ceará é conhecida como a Capital da Cultura do Cariri, por suas ricas manifestações culturais como a literatura de cordel. Para Pedro Lucas Jovino, mobilizador de jovens na Secretaria de Assistência, este apreço pela cultura está presente desde a primeira infância:

“As nossas crianças entram no circuito cultural muito cedo: o primeiro contato se dá no berço, com cantigas populares que pais, avós e mães aprenderam de seus antepassados. A cultura está presente nas comidas, como o caldo de cana e a rapadura, que fazem parte do universo da criança. Temos o hábito de chamar a criança para participar de manifestações culturais desde cedo, como bandas populares e festas de reisados.”

Para transformar essa vocação em uma política pública, a gestão municipal incluiu no seu Plano Municipal pela Primeira Infância (PMPI) a cultura como área prioritária. “É um trabalho de mudança de cultura e de comportamento, para sensibilizar setores diferentes da sociedade, do legislativo, e tratar a questão da cultura como fundamental para o desenvolvimento infantil”, complementa Pedro.

Embora este vocação esteja presente no cotidiano da população, ainda é um desafio sensibilizar gestores e equipes técnicas das diversas secretarias sobre a importância da cultura no desenvolvimento infantil. “É um trabalho de comportamento”, Pedro adiciona. Por isso, a cultura foi considerada uma área prioritária dentro do Plano Municipal pela Primeira Infância (PMPI): dentro do eixo de educação, é meta produzir materiais didáticos que valorizem expressões de cultura local; no eixo de cultura, é meta do município mapear 100% das manifestações culturais locais para entender como aproximá-las das atividades para a primeira infância; também está nas metas a produção de um cartilha da memória cultura das brincadeiras de Crato.

Crato está inserida na região do Cariri, território de múltiplas tradições culturais. Na foto, criança participa da Festa dos Reis / Crédito: Mostra Cultural do Cariri

Linha orçamentária própria para ações de cultura e primeira infância em Jundiaí (SP): A primeira infância é prioridade no orçamento público da cidade. O fomento à cultura concentra boa parte do seus recursos em projetos e ações para a primeira infância. “As atividades formativas, por exemplo, antes eram pensadas para públicos alvos mais generalizados. Hoje, há ações desenvolvidas especificamente para crianças”, detalha Marcelo Peroni.

O secretário complementa que atrelar as ações culturais a um orçamento próprio garante uma obrigatoriedade de desenvolver projetos culturais para a primeira infância. Exemplos dessas atividades culturais incluem apresentações teatrais e musicais e oficinas de artes, muitas das quais acontecem na Fábrica das Infâncias Japy, espaço cultural voltado para crianças.

O município ainda conta com um Observatório da Primeira Infância, que monitora as ações de cultura e de outras áreas voltadas para esta faixa etária.

A Fábrica das Infâncias Japy, em Jundiaí (SP), é um espaço com atividades culturais para crianças / Crédito: Prefeitura de Jundiaí

O espaço público de Uruçuca (BA) como centro de atividades culturais: O desenvolvimento de ações para a primeira infância no município é executado pela Diretoria de Cultura. Isso significa que todos os projetos voltados para bebês e crianças pequenas são atravessados pela perspectiva da cultura e sua importância na formação da criança.

Uma das ações mais emblemáticas da pasta são as Ruas Brincantes, um evento que ocupa espaços públicos com ações culturais. “Nesta iniciativa, a criança tem à sua disposição um espaço público adequado para o brincar, onde ela é a protagonista. Ali ela tem acesso a oficinas, brincadeiras, pintura e a arte. Sempre levamos um elemento da cultura local. Na última edição, o evento contou com capoeira e artes circenses”, detalha Livia Barbosa, diretora de cultura da cidade.

No evento Ruas Brincantes, atividades culturais sempre fazem parte da programação / Crédito: Prefeitura de Uruçuca

Laboratórios de formação em cultura em Recife (PE): O Plano Municipal pela Primeira Infância (PMPI) da cidade tem o Direito à Educação e Cultura como um dos seus cinco eixos estratégicos. A valorização das manifestações de cultura local estão inseridas em todas as ações previstas pelo PMPI, como “Promover e apoiar eventos, bem como artistas locais cujos trabalhos resgatem as memórias das diferentes etnias e culturas, ampliando o repertório cultural desde a primeira infância.”

Os Laboratórios de Formação de Primeira Infância seguem esta vocação, explica Luciana Lima, secretária executiva da Primeira Infância na Secretaria de Educação: “Os nossos laboratórios, que formam profissionais cuidadores da primeira infância, têm atividades formativas em teatro, musicalização e cordel, entendendo estas ferramentas como essenciais nas práticas com a primeira infância. O próprio espaço dos laboratórios tem na sua configuração e mobiliário elementos da cultura popular, resgatando as expressões artísticas pernambucanas”.

Laboratórios da Primeira Infância de Recife (PE) têm brinquedos da cultura popular brasileira, como petecas / Crédito: Roberta Lira (Secretária de Educação de Recife)

Mogi das Cruzes (SP) e a descentralização do acesso à cultura: Em agosto de 2022, aconteceu o Primeiro Festival de Arte da Primeira Infância em Mogi das Cruzes (SP). O evento ocupou centros educacionais e culturais espalhados por toda cidade, e é um exemplo de como a gestão cultural deseja descentralizar as ações para a primeira infância.

“Trabalhamos com dois grandes eixos: descentralização, identidade e memória. Todas as ações da nossa Secretaria de Cultura visam à circulação e à difusão da arte em todos os territórios de Mogi, mas também à identificação da primeira infância com a cultura, com a identidade e o patrimônio”, explica Kelen Chacon, secretária de cultura. “Por isso, utilizamos todos os equipamentos de educação, as praças públicas, os parques, os espaços de esporte e lazer, para desenvolver atividades descentralizadas.”

No Festival Arte na Primeira Infância, atividades culturais aconteceram em escolas e equipamentos de todas as regiões de Mogi / Crédito: Pedro Chavedar

Políticas, cursos e conteúdos para inspirar ações sobre paternidades ativas nas cidades

Aproximadamente 80% dos homens se tornarão pais biológicos ao longo da vida. Cinco milhões de estudantes brasileiras/os permanecem sem o nome do pai na certidão de nascimento e no documento de identidade. Apenas 41% dos homens estavam na sala de parto no momento do nascimento de seu filho.

Esses são alguns dados trazidos pelo relatório A Situação da Paternidade no Brasil (2019), realizado pelo Instituto Promundo, que buscou entender o panorama atual no Brasil e as políticas públicas e iniciativas da sociedade civil para mudar o quadro. O objetivo é garantir a presença dos homens no papel de cuidado na vida das crianças.

A conclusão é que, para incentivar mudanças culturais e de comportamento sobre paternidades ativas, é necessário um esforço intersetorial: políticas públicas duradouras que garantam a participação masculina em assuntos relacionados à primeira infância e  um trabalho de mudança de comportamento que envolva ações formativas e de comunicação.

Algumas ações e políticas já estão em curso, e podem servir de inspiração para a implementação de propostas semelhantes nas cidades. Confira abaixo uma seleção delas:

Política Nacional de Atenção Integral da Saúde do Homem (PNAISH)

Operando no Sistema Único de Saúde (SUS), a política facilita e amplia o acesso da população masculina, na faixa etária de 20 a 59 anos, às ações e aos serviços de assistência integral à saúde. A política está estruturada em cinco eixos: acesso e acolhimento; saúde sexual e reprodutiva; paternidade e cuidado; agravos e condições públicas na saúde masculina e prevenção de violências e acidentes.

A paternidade é considerada a porta de entrada para que o homem acesse os serviços de saúde. Incentivando a participação masculina em discussões sobre direitos e planejamento reprodutivo, durante toda a gestação, parto e puerpério, é possível ampliar o acesso aos serviços básicos de saúde desta população, historicamente mais suscetível a doenças e hábitos perigosos, e também mais resistente a procurar à atenção básica. O Pré-Natal do Parceiro é uma das principais estratégias desenvolvidas pelo Programa.

Pré-natal do Parceiro

Política que funciona dentro do âmbito do PNAISH, o Pré-natal do Parceiro prevê a inclusão de homens em todas as ações voltadas para o planejamento reprodutivo, e ao mesmo tempo, incentiva homens a acessar o sistema de saúde de forma preventiva e a cuidar mais da própria saúde. Para isso, o guia propõe um fluxograma de atendimento pela saúde, que incluiu o homem em todas as etapas dos direitos reprodutivos, abordando métodos contraceptivos, gestação, nascimento e jornada dos primeiros anos de vida da criança.

A comunicação tem papel fundamental no incentivo a este pré-natal. Unidades de saúde devem desenvolver campanhas, elaborar materiais educativos, seminários e capacitações voltadas à valorização da paternidade consciente e à organização dos serviços, a partir da sensibilização sobre o tema.

Licença-paternidade estendida

Garantida constitucionalmente, a licença-paternidade concede cinco dias de licença remunerada, a contar a partir do nascimento da criança. Com o Marco Legal da Primeira Infância (2016), houve a possibilidade de ampliação de 20 dias para servidores municipais e trabalhadores de empresas que participem do programa Empresa Cidadã, extensão que acontece mediante participação em um curso a distância sobre paternidades ativas. Vale ressaltar que alguns Estados ampliaram este tempo para até 30 dias, como é o caso do Rio Grande do Sul e do Ceará.

Campinas (SP), Mogi das Cruzes (SP) e São Paulo (SP) são cidades da Rede Urban95 que já ampliaram a licença. Para quem deseja implementar essa política para os servidores municipais, a equipe Urban95 preparou um passo a passo  sobre licença-paternidade estendida.

Apesar dessas mudanças, estamos atrás de muitos países. Na Espanha, por exemplo, desde 2021 os homens e as mulheres recebem as mesmas 16 semanas de licença remunerada.

Existem atualmente dois projetos de lei que prevêem a extensão da licença-paternidade no Brasil: a Proposta de Emenda de Constituição (PEC) nº 355 propõe uma licença de 180 dias compartilhada entre progenitores ou adotantes alternativamente, reservando à mulher a fruição exclusiva dos primeiros 30 dias. Já o Projeto de Lei (PL) nº 151 propõe a alteração dos Arts. 392, 392-A e 473 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para estabelecer que “a empregada gestante tem direito à licença maternidade de 180 (cento e oitenta) dias, sem prejuízo do emprego e do salário, podendo compartilhar até 60 dias do período com seu cônjuge ou companheiro; e que em caso de filho portador de deficiência ou com necessidade especial terá direito a licença maternidade em dobro e poderá se compartilhada por até a metade com o cônjuge ou companheiro de forma alternada.”

Lei do Acompanhante

A lei nº 11.108/2005 prevê que a gestante tenha direito a um acompanhante durante o trabalho de parto, o parto e pós-parto em redes públicas ou particulares de atendimento de saúde. Estimula-se que seja o pai e/ou companheiro a acompanhar, para fortalecer o vínculo com a criança neste momento tão importante.

Espaços de atendimento de saúde e seus atendentes precisam cumprir integralmente esta lei, garantindo um ambiente de acolhimento e segurança para a gestante e o acompanhamento que ela escolher.

Lei da Guarda Compartilhada

O pressuposto da lei nº 13.058/2014 é garantir que os pais separados assumirão conjuntamente tarefas e responsabilidades de criação dos filhos. A lei estabelece que o tempo de convívio do pai e da mãe deve ser dividido de forma equilibrada, tendo em vista os interesses de filho(s) ou filha(s). Em caso de não acordo sobre a guarda, ambos poderão exercer o poder familiar, a menos que um deles abra mão desse direito.

Programa Pai Presente

O direito à paternidade é garantido constitucionalmente. O programa Pai Presente, coordenado pela Corregedoria Nacional de Justiça e apoiado pelas defensorias públicas dos Estados, estimula o reconhecimento de paternidade de pessoas sem esse registro. A declaração de paternidade pode ser feita espontaneamente pelo pai ou solicitada por mãe e filho. Em ambos os casos, é preciso comparecer ao cartório de registro civil mais próximo do domicílio para dar início ao processo.

Mudanças de comportamento para paternidades ativas dependem de políticas públicas. Em Boa Vista (RR), o programa Família que Acolhe incentiva a participação paterna ao longo de toda a primeira infância / Crédito da Foto: Prefeitura de Boa Vista

Formações sobre paternidades ativas

Curso a distância “Promoção do envolvimento dos homens na paternidade e no cuidado”

Desenvolvido pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, em parceria com as organizações Instituto Promundo e Comunidade de Aprendizagens, o curso de 60 horas é voltado para gestores e profissionais de saúde. O objetivo é discutir questões relacionadas ao exercício da paternidade e do cuidado com o gênero, a sexualidade, a diversidade sexual, as masculinidades e a violência, como foco na área de saúde.

Curso a distância “Pai Presente”

Com 12 horas de duração, o curso online preenche o pré-requisito para a extensão da licença-paternidade de até 20 dias que pode ser concedida a servidores municipais. O curso forma pais ou futuros pais sobre como se envolver em todo o processo reprodutivo, pré-natal, parto, pós-parto e cuidados voltados à criança.

Curso à distância Paternidade Responsável

Desenvolvido pela Prefeitura de São Paulo em parceria com a Fundação Bernard van Leer, o curso de 8 horas de duração é voltado para servidores municipais que queiram ampliar sua licença-paternidade, mas está aberto a qualquer cidadão que queira ampliar seus conhecimentos sobre paternidades e primeira infância.

Para incentivar mudanças de comportamento de paternidades ativas, é preciso criar atividades formativas e ações de comunicação que dialoguem com a ponta. Na foto, pai participa de atividade em bebeteca em Cascavel (PR) / Crédito: Paulo Edison

Grupos e iniciativas da sociedade civil 

Instituto Promundo

Instituição com mais de 30 anos de atuação na defesa de paternidades ativas e nas temáticas de parentalidade, o Instituto Promundo conduz pesquisas sobre paternidades possíveis e trabalha junto a governos para desenvolver ações e programas que incentivem esta temática. Entre as iniciativas, está a produção do Primeiro Relatório sobre Paternidades Negras no Brasil, lançado em 2021. O instituto também lançou o Programa P, manual para profissionais do setor da saúde, da educação e trabalhadores comunitários com melhores práticas sobre a participação de homens no exercício da paternidade e do cuidado, sobre a saúde materno-infantil e sobre a inclusão da perspectiva de autocuidado masculino. .

Coletivo Pais Pretos Presentes

O grupo de apoio criado pelo educador Humberto Baltar para pais e mães negros incentiva trocas e acolhimento na experiência de criar crianças negras em um país histórica e estruturalmente racista como o Brasil. O grupo tem canais de adesão no Facebook, Instagram e Whatsapp.

4daddy

A plataforma produz conteúdos sobre masculinidades, parentalidades e economias do cuidado para incentivar mudanças de comportamento sobre paternidades ativas, além de oferecer formações sobre o tema.

Homem Paterno

O projeto Homem Paterno é mantido pelo naturólogo Thiago Koch. Por meio de um blog, ele discute temas relacionados a masculinidades e paternidades, além de oferecer cursos sobre gestação e puerpério a partir de uma perspectiva masculina.

Paizinho Vírgula

O produtor de conteúdos Thiago Queiroz utilizou múltiplas plataformas como podcasts, vídeos e textos para discutir de maneira lúdica e sensível temáticas relevantes às paternidades.

 

Centros de educação infantil de Caruaru (PE) aproximam crianças da natureza

Com o apoio da Rede Urban95, Caruaru (PE) tem requalificado seus espaços educativos a partir do conceito de desemparedamento: áreas verdes dentro e ao redor de centros de educação infantil proporcionam o encontro de crianças e cuidadores com a natureza, incentivando o brincar livre e a ocupação de espaços públicos.

As primeiras experiências de desemparedamento aconteceram em 2021, ano de ingresso da cidade na Rede Urban95. Sob a gestão da então prefeita Rachel Lyra, o programa Primeira Infância em Caruaru inaugurou parques naturalizados ao redor dos centros de educação infantil (CMEI) Profª Maria do Carmo Queiroz Cabral e Dom Antonio Soares de Costa. Localizados na região central, os parques foram construídos a partir da escuta e participação de crianças e da comunidade local.

“A ideia foi pensar os centros de educação como polos irradiadores de políticas públicas para a primeira infância”, detalha Swami Lima, secretário de Planejamento, Orçamento e Gestão da prefeitura. “A escolha é requalificar CMEIs próximas de praças e parques, prevendo seu uso não só para as crianças da escola, mas também para toda a comunidade ao redor.”

No meio de 2022, o programa Primeira Infância começou a descentralizar o projeto: cinco escolas em diversas regiões da cidade irão requalificar seus espaços, criando pátios naturalizados dentro da escola e parques naturalizados no seu entorno.

Criança brinca no parque naturalizado Estação Ferroviária, localizado na região central da cidade. Sua concepção partiu da escuta das crianças e da comunidade / Crédito: Escola de Notícias

Educação como ponto de partida

Em julho, o Estúdio +1, o Instituto Alana e a organização Ciranda da Vida realizaram atividades e formações sobre desemparedamento para as 31 CMEI da cidade. A atividade foi organizada intersetorialmente com os técnicos da Educação Infantil, e as equipes da Secretaria de Planejamento, Orçamento e Gestão (SEPLAG), e Secretaria de Governo (SEGOV).

“As atividades de desemparedamento com os educadores foram práticas, trazendo-os para os espaços abertos. Às vezes os professores não querem fazer atividades ao ar livre com as crianças por questões de segurança ou desconhecimento. A formação foi importante para mudar isto”, conta Luis Milan, arquiteto do Estúdio +1.

No início de agosto, teve início o processo de escuta na CMEI José Pinheiros: “Escutamos os professores para entender que atividades de desemparedar eles faziam e também as que não conseguiam fazer, ou por conta do espaço ou receios com relação ao contato das crianças com a natureza”, explica Marcella Rodrigues, arquiteta da Secretaria de Planejamento e Gestão. “Foi um processo muito potente, porque nós temos um olhar técnico, os educadores têm na prática, e eles nos ajudaram a pensar estratégias que favorecem e possibilitam um desemparedar mais frequente a partir do que já fazem.”

A escuta das crianças foi conduzida pelos educadores sensibilizados. Cassia de Melo, pedagoga e formadora da Secretaria de Educação, relata o processo: “As crianças falaram principalmente do desejo por brincadeiras, por brinquedos que proporcionassem escaladas e contato com a natureza. Elas também queriam muros coloridos, com imagens que representassem o cotidiano delas.”

Nos dias 8 e 9 de agosto, a comunidade escolar se dividiu em duas: enquanto alguns professores percorreram a cidade junto com parceiros técnicos em busca de materiais para a implementação do pátio naturalizado, outra parte da equipe, junto com as crianças, ajudou a fazer o reconhecimento e pintura do pátio. No dia 10, aconteceu sua implementação, com presença de Rodrigo Pinheiro, prefeito de Caruaru. A previsão é que até o final de outubro, um parque naturalizado seja inaugurado na parte externa da escola.

Pátio naturalizado dentro da CMEI José Pinheiro dos Santos / Crédito: Jorge Farias (Prefeitura de Caruaru)

Um território educador para a primeira infância 

Paralelo a este trabalho com a secretária de educação e seus atores, o programa da Primeira Infância tem estendido o processo formativo para outras secretarias. O parceiro técnico Allma Hub tem levado a campanha Brincar Livre para formar gestores, arquitetos e equipes técnicas das secretarias de saúde e meio ambiente. “A longo prazo, queremos levar o Brincar Livre como uma campanha para todos os equipamentos, requalificando os espaços públicos e serviços a partir da infância”, explica Swami.

O Estúdio +1 tem visitado equipamentos e feito processos de sensibilização com as secretarias sobre desemparedamento e a importância da ocupação de espaços públicos por crianças e cuidadores. Há previsão de criação de parques e pátios naturalizados próximos a postos de saúde e também em parques já existentes da cidade.

“Inspirados por este trabalho com a Secretaria de Educação, queremos levar o desemparedamento para outros equipamentos, criando conversas e projetos intersecretariais. No futuro, a ideia é que os territórios da cidade estejam interligados por esta noção de desemparedamento para a primeira infância”, conclui Luís.

Webinar Paternidades Ativas: Conhecendo o tema e desenhando políticas públicas

Elaborar políticas públicas que incluam e valorizem o papel do homem como cuidador traz uma série de benefícios para o desenvolvimento das crianças, além de diminuir a desigualdade de gênero e índices de violência doméstica. No dia 14 de setembro, o webinar Paternidades Ativas: Conhecendo o tema e desenhando políticas públicas abordou a temática, a partir de um panorama teórico e de exemplos práticos dentro e fora da Rede Urban95. Participaram do webinar gestores e equipes técnicas das 24 cidades da Rede.

Luciano Ramos, pesquisador e diretor adjunto do Instituto Promundo, foi o convidado do encontro produzido pelo CECIP. Luciano apresentou os desafios de trabalhar paternidades e masculinidades em um país estruturalmente racista e machista como o Brasil, bem como as novas e diversas formas de paternar que têm surgido:

“Há décadas estamos falando para os homens de uma paternidade hegemônica, ideal e inalcançável, calcada no machismo e no racismo. Precisamos falar sobre paternidades possíveis, e isso se faz com políticas públicas efetivas, que façam análises interseccionais e olhem para esses indivíduos a partir de vulnerabilidades e potências”.

Durante o webinar, o pesquisador Luciano Ramos sensibilizou gestores e equipes técnicas sobre o tema de paternidades diversas / Crédito da Foto: Prefeitura de Boa Vista

Como exemplo de boas práticas de paternar, Luciano compartilhou a vivência dos indígenas Wajãpi, no Amapá. Quando uma criança nasce, o pai e a mãe se retiram para um espaço recluso durante quatro meses. O pai indígena é igualmente responsável pelo cuidado e alimentação do bebê, enquanto o resto da aldeia cuida das tarefas e das crianças dos pais em isolamento, em um esforço comunitário para que este pai possa fortalecer o vínculo com a família.

Ainda no campo das boas práticas, o pesquisador sublinhou a importância de políticas públicas como a Política Nacional de Atenção Integral da Saúde do Homem (PNAISH) e a Pré-natal do Parceiro, que incluem o homem em todas as etapas da gestação e também dos cuidados com a primeira infância.

O webinar contou com mediação de Eduardo Chakora, diretor de projetos da ANDI – Comunicação e Direitos. Eduardo também trouxe para o debate boas práticas de paternidades ativas dentro da Rede Urban95. Destaque para as licenças-paternidade estendidas das cidades de Mogi das Cruzes (SP), Campinas (SP) e São Paulo (SP), e também Boa Vista (RR), que desenvolve a campanha Pacto pela Paternidade Boa, que estimula a presença paterna na vida da criança.

O webinar terminou com a participação de Nina Ribeiro, Rodrigo Sarti e Walter Simões, produtores do podcast Caminhos Possíveis, desenvolvido pelo Instituto da Infância (IFAN) com apoio da Fundação Bernard van Leer. A série de podcasts desmistifica ideias de paternidade, com convidados de diferentes áreas do conhecimento apresentando diversas formas de ser pai. Todos os episódios estão disponíveis na plataforma Spotify.

Confira o webinar na íntegra:

 

Políticas públicas orientadas por dados: Jundiaí (SP) implementa a plataforma Alertas Primeira Infância

A Unidade Básica de Saúde (UBS) São Camilo é o primeiro equipamento de Jundiaí (SP) a utilizar a plataforma Alertas Primeira Infância. Desenvolvida pelo Instituto de Tecnologias Geo-sociais (ITGS), a plataforma sistematiza dados gerados por serviços públicos e apoia a criação de políticas públicas assertivas para bebês, crianças pequenas e cuidadores.

“A plataforma Alertas Primeira Infância auxilia os municípios da rede a identificar situações de vulnerabilidade”, explica Pamela Lin, coordenadora do projeto Alertas Primeira Infância. “A plataforma integra dados de diversas áreas, como saúde, assistência e educação, apoiando o desenvolvimento de ações intersetoriais e envolvendo profissionais desde a gestão até o servidor da ponta.”

Dados cadastrais de crianças e gestantes dos municípios são integrados aos serviços por elas acessados, gerando alertas que indicam a eficácia e possíveis gargalos nas políticas públicas. As cidades podem escolher que tipo de alerta elas querem implementar, com base em demandas locais.

Caruaru (PE), Sobral (CE), Teresina (PI), Fortaleza (CE), Alcinópolis (MS) e Jundiaí (SP) são as cidades Urban95 que aderiram ao uso da plataforma.

Profissionais da UBS São Camilo utilizam a plataforma Alertas Primeira Infância / Crédito: Prefeitura de Jundiaí (SP)

Como Jundiaí utiliza o Alertas Primeira Infância 

Jundiaí é uma cidade que considera a primeira infância como elemento essencial ao desenvolvimento sustentável. Nesta definição política de plano de governo, que chamamos de Cidade das Crianças, estruturamos um modelo intersetorial, no esforço de agregar políticas para gerar resultados cada vez mais positivos e abrangentes para crianças e gestantes, detalha José Parimoschi, gestor da Unidade de Gestão de Governo e Finanças da cidade.

Um dos projetos prioritários da cidade é o prontuário eletrônico da primeira infância, que visa a garantir a atenção básica para crianças e gestantes. Ao utilizar a plataforma Alertas Primeira Infância, Jundiaí escolheu adotar sete alertas de risco, gerando uma base de dados ampla e que possibilite o desenvolvimento de políticas integradas: Crianças fora da escola; demanda pelo programa federal Criança Feliz; criança em atraso na consulta de puericultura; gestante em atraso de consulta de pré-natal; gestante que não realizou teste de HIV; gestante que não realizou teste de sífilis; e gestante que não realizou consulta odontológica.

A UBS São Camilo, localizada em uma área de alta vulnerabilidade social, encabeça o projeto. Em agosto, dois profissionais da UBS receberam treinamento para utilizar a plataforma e replicaram este conhecimento para outros servidores. Larissa Zanotto, gerente do equipamento, detalha como a plataforma tem sido utilizada:

“O Alertas Primeira Infância está funcionando como um instrumento que facilita a busca ativa já instituída na unidade. Assim, a equipe consegue identificar se uma gestante do território faltou em uma consulta, se uma criança faltou na puericultura. Conseguimos fazer a busca ativa e reagendar, para garantir que a linha de atenção não seja interrompida.”

A expectativa é que o Alertas Primeira Infância seja implementado em outros equipamentos da cidade. “A plataforma transforma a cidade em um grande laboratório de verificação dos impactos positivos das políticas. Quanto mais a gente se antecipa no caso da primeira infância, mais a gente tem um ganho de qualidade do desenvolvimento destas crianças”, conclui Parimoschi.

Página principal da plataforma Alertas Primeira Infância / Crédito: Prefeitura de Jundiaí

Paternidades e infâncias negras: entrevista com o educador Humberto Baltar

No mês de agosto, aconteceu o lançamento do podcast Caminhos Possíveis, uma série sobre as diversas paternidades brasileiras. Produzido pelo Instituto da Infância (IFAN) com o apoio da Fundação Bernard van Leer, o podcast traz especialistas em áreas como educação e psicanálise para discutir as diferentes experiências de paternar – e como elas são atravessadas por indicadores raciais, socioeconômicos e de gênero.

O educador Humberto Baltar foi um dos convidados do podcast, trazendo sua perspectiva sobre paternidades e infâncias. Humberto é idealizador do coletivo Pais Pretos Presentes, grupo de apoio para pais e mães negros que incentiva trocas e acolhimento na experiência de criar crianças negras em um país histórica e estruturalmente racista como o Brasil.

Humberto e Thainá Baltar com seu filho Apolo / Crédito: Facebook Pais Pretos Prentes

“Somos um país com mais de 54% da população negra, mas com poucos espaços para discutir o que significa ser um pai negro e criar uma criança negra. O coletivo Pais Pretos Presentes atua com estratégias de aquilombamento e letramento racial para criar outras referências de parentalidade”, explica Humberto. O conceito de aquilombamento remete a um grupo de afeto, acolhida e compartilhamento de conhecimentos, enquanto o letramento racial é a busca de emancipação de pessoas negras a partir de uma perspectiva de pensamento decolonial

A Urban95 convidou o educador para um papo sobre os desafios e potências de pensar paternidades negras e sua relação com a primeira infância. Confira!

Como surge o coletivo Pais Pretos Presentes?
Surgiu quando soube que seria pai. Minha esposa deu a notícia um dia antes do Dia dos Pais em 2018. Fiquei feliz, mas depois bateu uma angústia. Tinha dúvidas de como empoderar meu filho racialmente, e também sobre como ser um pai ativo e afetuoso. O meu foi um pai provedor, que me sustentou e me deu educação, mas nossa relação não tinha uma dimensão afetiva.

Perguntei no Facebook se alguém conhecia um pai preto presente. A pergunta viralizou, e os pais com quem eu me comuniquei compartilharam relatos fortes, que dizem muito sobre parentalidades e infâncias negras. Um pai compartilhou que seu filho de apenas quatro anos não queria ir para escola, porque outra criança disse não gostar de pessoas negras; outro pai, enlutado, se sentia invisibilizado e sem apoio para lidar com a morte precoce de sua filha. Foi então que surgiu a ideia de criarmos um grupo de apoio.

O projeto desde então ganhou uma proporção enorme, com canais no Instagram, Facebook, e também os grupos de Whatsapp. A principal mensagem deste coletivo é dizer que nenhum pai deve se sentir isolado, ou encarar sozinho os desafios da formação e da criação de um filho ou filha. Trabalhamos por uma paternidade mais inclusiva, amorosa, onde seja possível aprender com a experiência dos outros.

Como nós no Brasil discutimos as paternidades e as paternidades negras?
Primeiro é preciso ressaltar que temos tentado utilizar a expressão parentalidades, e não paternidades. Existem pessoas trans e não binárias que têm filhos, então não podemos fechar esta perspectiva de cuidado na cultura do masculino.

Respondendo à sua pergunta, temas como parentalidade ou disciplina positiva são pouco difundidos. O que é comum é a visão cultural de que, para ser homem e pai, o homem tem que corresponder aos três Ps: Protetor, provedor e procriador. Não se discute seu papel de cuidador, e nem outros modelos de paternidade e masculinidade. Isso não está pautado nas políticas públicas, e as discussões que acontecem são fruto de trabalho de formiguinha de coletivos e projetos independentes.

Quando adicionamos a questão racial, o debate é ainda mais reduzido. Quando penso em paternidades negras no Brasil, penso que ser um pai negro é conviver com a incerteza, com a impossibilidade de criar meu filho, de ver ele crescer ou de estar vivo para vê-lo crescer. Penso também que a criança negra é atravessada pelo racismo desde sua primeira infância, e que isto tem efeitos na sua autoestima, autoimagem e psique.

Não quero preparar meu filho para sofrer racismo, e sim para se respeitar, se empoderar e se amar. Para isto, é preciso buscar outras referências de parentalidade e infâncias que não as da cultura ocidental.

Estas referências têm a ver com o letramento racial? Você pode falar mais sobre elas?
Letramento racial é a busca de emancipação de pessoas negras a partir de uma perspectiva de pensamento decolonial. Buscamos na ancestralidade negra outras referências de família e de primeira infância.

Como as Áfricas enxergam a criança e a parentalidade? As Áfricas veem a criança como alguém que chega pronto ao mundo, com inclinações, dons, vocações, e que não precisa ser moldado. Com relação às novas configurações de família, no povo Dagara, que hoje habita o território da Burkina Faso, os papéis de gênero não são tão fixos: em geral, mulheres buscam os mantimentos e os homens ficam em casa, cuidando de seus bebês no sling.

Quando nos propomos a olhar para outras referências que não as ocidentais, sabemos que são possíveis outras parentalidades. A cultura africana é pluriversal, com milhares de idiomas e jeitos de se relacionar, e isso nos faz pensar que, no coletivo e no cotidiano, um pai hétero e cis pode estar trocando com um pai trans ou com um homem que não é pai mas quer paternar, porque paternar significa acolher e amar, e não necessariamente gerar um filho biológico.

No letramento racial, referências positivas de cultura e saberes africanos e afro-brasileiros ajudam a criar autoestima para as crianças negras. Na foto, encontro realizado pelo Coletivo Pais Pretos Presentes / Crédito: Pais Pretos Presentes

Quais as discussões sobre primeira infância que acontecem no coletivo Pais Pretos Presentes?
Muitas das discussões acontecem a partir de relatos das mães negras. Recebemos relatos de mulheres que sofreram violência obstétrica, ou que deram à luz sem uma rede de apoio. Quando existe um companheiro, muitas vezes não existe empatia com relação ao puerpério. Então tentamos sempre pegar estes pais pela mão, conversar com eles, oferecer apoio e letramento racial e emocional.

Com relação à atenção à criança pequena, sabemos os efeitos na autoestima, autoimagem e psique da criança negra. Então, resgatamos a autoestima por meio do letramento racial. Oferecemos referências de brincadeiras – como as bonecas Abayomi, referências literárias e de filmes. Mostramos as muitas Áfricas e suas riquezas para que estas crianças sintam orgulho de pertencer a este eixo civilizatório.

Ferramentas Urban95 para transformar cidades a partir da perspectiva das infâncias

Para apoiar as cidades da Rede Urban95, a Fundação Bernard van Leer e seus parceiros técnicos cocriam guias, publicações e jogos que facilitam a implementação da agenda da primeira infância nos municípios. No dia 10 de agosto, o webinar Ferramentas Urban95 para transformar cidades a partir da perspectiva das infâncias convidou gestores e equipes técnicas das 24 cidades a conhecer esta biblioteca de ferramentas e as possibilidades práticas de alguns destes instrumentos.

O encontro produzido pelo CECIP propôs uma dinâmica de salas temáticas, onde gestores e equipes técnicas puderam aprofundar conhecimentos sobre quatro ferramentas: na sala 1, foram apresentados a publicação Guias para Desenvolvimento de Bairros Amigáveis para a Primeira Infância (BAPIs) e O jogo como ferramenta: Boas práticas urbanísticas para a primeira infância; na sala 2, a publicação Parques Naturalizados; e na sala 3, a Jornada Whatsapp Pé de Infância

As dinâmicas das salas foram conduzidas por parceiros técnicos da Rede Urban95 que estiveram ativamente envolvidos na criação das ferramentas.

Os Guias para Desenvolvimento de Bairros Amigáveis para a Primeira Infância (BAPIs) foram apresentados na sala temática 1 / Crédito: Prefeitura de Boa Vista (RR)

Ferramentas responsivas aos diversos desafios da Rede

Pensando em instrumentalizar cidades com estratégias lúdicas e propositivas de engajamento, o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) e a Lila Coletiva apresentaram na sala temática 1 as ferramentas Guias para Desenvolvimento de Bairros Amigáveis para a Primeira Infância (BAPIs) e O jogo como ferramenta: Boas práticas urbanísticas para a primeira infância. 

O coordenador da iniciativa Primeira Infância Campineira (PIC), Thiago Ferrari, compartilhou a vontade de usar com mais frequência estas ferramentas: “O Jogo e os Guias são didáticos e visuais, úteis para pensar em projetos intersetoriais e envolver equipes diferentes no desenvolvimento de planos de ação para a primeira infância.”

Na sala temática 2, a publicação Parques Naturalizados, desenvolvida pelo programa Criança e Natureza do Instituto Alana, foi ponto de partida para discutir desafios e resultados da implementação destes espaços verdes. Andreza Ferreira, gerente da primeira infância da Prefeitura de Caruaru (PE), trouxe um relato sensível sobre a construção do parque naturalizado próximo à CMEI Dom Antônio Soares de Costa: “Uma professora nos contou que as crianças estão tendo oportunidade de se conectar com a natureza e brincar livremente. Ela viu uma melhora nas relações e nas resoluções de conflito.”

A sala temática 3 propôs uma imersão na temática de mudança de comportamento com a Jornada Whatsapp Pé de Infância. Esta estratégia de comunicação foi criada pela Allma Hub Criativo para apoiar equipes técnicas que estão em contato direto com cuidadores e comunidades de base, propondo pequenas missões para fortalecer vínculos entre cuidadores e crianças.

A publicação Parques Naturalizados, do Instituto Alana, ajuda cidades a criarem espaços verdes para o brincar livre. O livro foi apresentado na sala temática 2 / Crédito: Lara Lima.

Acesse todas as Ferramentas Urban95

Confira o webinar na íntegra:

Confira a sala temática 1:

Confira a sala temática 2:

Confira a sala temática 3:

Como as cidades Urban95 incluem a primeira infância dentro do Plano Diretor

O Plano Diretor é o instrumento que ordena as funções sociais e a propriedade urbana das cidades com mais de 20 mil habitantes. Os efeitos desta lei municipal prevista no Estatuto da Cidade afetam não só o ambiente urbano, mas também as escolhas cotidianas das pessoas que vivem nele, como o modo de deslocamento e o acesso aos equipamentos e espaços públicos.

Para garantir políticas públicas urbanísticas para a primeira infância, cidades da Rede Urban95 estão incluindo a perspectiva de crianças, bebês e cuidadores no Plano Diretor. Oportunizando a revisão do documento, que acontece a cada dez anos, gestões municipais desenvolvem diversas estratégias intersetoriais para ouvir estes públicos e redigir um plano participativo e inclusivo.

Jundiaí (SP) foi a primeira cidade Urban95 a fazer esta inclusão. Em 2018, quando teve início a revisão do Plano Diretor, a cidade já tinha um robusto histórico de políticas públicas voltadas para a primeira infância em áreas como saúde e educação, e também uma Política Municipal da Criança, criada em 2017 com o objetivo de melhorar a qualidade urbanística dos espaços públicos, criar rotas mais seguras e proporcionar mais contato com a natureza. O que o Plano Diretor fez foi reconhecer o papel do espaço urbano na formação e na proteção da criança, como explica Sylvia Barbosa Angelini, diretora de urbanismo da cidade:

“A criança que é atendida pela educação, saúde e assistência se desloca, brinca, vive na cidade. Este espaço urbano que ela percorre nunca é neutro: a cidade ajuda ou inibe o desenvolvimento pelo desta criança. Por isso é tão importante aproveitar as oportunidades para fazer do espaço urbano uma fonte de estímulo e aprendizagem. O Plano Diretor foi o primeiro documento a dizer que a criança é prioridade também no desenho da cidade.”

O capítulo X do Plano Diretor de Jundiaí, intitulado Da Política da Criança na Cidade, prevê a ampliação da oferta de praças, parques e espaços públicos mais lúdicos; incentiva a ocupação da cidade por crianças e também prevê a criação de instâncias de escuta permanente para crianças.

Muitas das diretrizes do Plano já se convertem em políticas: foi criado o programa Entre a Casa e a Escola, para qualificação dos caminhos das crianças; instituído Comitê das Crianças, com reuniões periódicas entre 24 crianças para a inclusão da perspectiva das infâncias no planejamento urbano; e também o projeto Ruas de Brincar, que transforma temporariamente zonas urbanas em espaços para circulação livre de crianças.

A perspectiva das crianças tem alterado os espaços públicos em Jundiaí (SP) / Crédito: Escola de Notícias

Canoas (RS) aproveita escutas do PMPI na revisão do Plano Diretor 

Aprovada em julho de 2022, a Lei 6559 acrescenta a Política de Primeira Infância dentro do Plano Diretor de Canoas (RS). A ação de reconhecer a importância desta primeira fase de vida no documento de planejamento urbano está ligada à inclusão da cidade dentro da Rede Urban95 e também à construção do Plano Municipal pela Primeira Infância (PMPI), com consultoria do CECIP.

Em fase de elaboração, o PMPI está sendo conduzido pelo Comitê Intersetorial Municipal da Primeira Infância, composto pelas secretarias de Educação, Cultura, Meio Ambiente, Mobilidade e Projetos. A escuta das crianças da rede municipal de ensino da cidade, em eventos chamados Plenarinhas, ajudou a desenhar tanto o PMPI quanto o Plano Diretor.

“Se uma cidade é acessível para a primeira infância, ela é acessível para todos, por isso, orientamos nosso planejamento urbano a partir da perspectiva de crianças de 0 a 6 anos, cuidadores e puérperas”, explica Jerusa Peixoto de Matos, arquiteta e urbanista na Secretaria de Projetos Estratégicos. “Para incluir a perspectiva das crianças no Plano Diretor, mapeamos todos os serviços de educação, assistência, saúde, lazer, recreação e cultura, e também os lugares de domicílio destas crianças, para entender seus deslocamentos e como estes trajetos podem ser melhorados.”

O capítulo IX do Plano Diretor de Canoas consiste em uma breve introdução ao PMPI e mais duas seções: em Qualificação urbanística, o Plano Diretor prevê a requalificação dos trajetos que as crianças percorrem para acessar serviços mapeados, em ações como ampliação de calçadas, criação de ciclovias e redução de espaço viário.

Já na seção sobre equipamentos comunitários, o Plano Diretor prevê que todo equipamento público frequentado pela primeira infância precisa oportunizar condições para o desenvolvimento pleno das crianças, garantindo acessibilidade, segurança, conforto térmico, conforto lumínico, conforto visual, ergonomia espaço para aleitamento materno e ludicidade.

Plenarinhas são escutas de crianças da rede municipal de Canoas (RS). Estas escutas estão ajudando na construção do Plano Municipal pela Primeira Infância (PMPI) e também na revisão do Plano Diretor da cidade / Crédito: Guilherme Pereira

Em Sobral (CE), revisão do Plano Diretor conta com a participação das crianças. 

Quando a gestão de Sobral (CE) começou a revisão do Plano Diretor em 2019, era imprescindível garantir espaços de escuta presenciais para crianças e comunidade. “Sobral é uma cidade do interior, então esta escuta presencial, com contato físico e olho no olho, é sempre muito importante”, explica Alana Figueirêdo Pontes, coordenadora de Planejamento Urbano da cidade.

A revisão ficou em pausa durante a pandemia, mas, em 2021, a gestão pôde retomar o processo, realizando uma série de audiências em diversos bairros da cidade. “Estas audiências, que nós chamamos de audiência territoriais, aconteceram nas escolas, porque estes equipamentos são referência para toda a população da cidade.”

A escuta das crianças, que contou com apoio metodológico do CECIP, também se deu nas escolas. “Capacitamos educadores e, com a ajuda deles, levamos atividades lúdicas para apresentar o Plano Diretor, dizendo que queríamos o apoio das crianças para reimaginar Sobral. Na escuta com a primeira infância, pedimos que elas desenhassem seus desejos: elas relataram os meios de transporte que usavam para ir até a escola, padarias e árvores que queriam em seus bairros, e o desejo por calçadas melhores para caminhar”.

Em Sobral (CE) crianças participaram ativamente da revisão do Plano Diretor, previsto para ser lançado ainda este ano. Elas também serão convidadas a monitorar as ações do PD / Crédito: Prefeitura de Sobral

Estes insumos foram incorporados em diretrizes, objetivos e ações do Plano Diretor, apresentando em uma grande audiência pública no início de 2022. O documento está agora em fase de revisão da minuta, e deve ser sancionado até o final do ano.

Mas o trabalho não irá parar por aí: Sobral planeja formar um Comitê de Crianças para acompanhar a implementação das ações previstas no Plano Diretor. “Crianças de diferentes escolas irão representar seus territórios e, de maneira bastante lúdica, se reunirão para monitorar as ações propostas no Plano e sugerir ações para a primeira infância na cidade”, conclui Alana.

 

Caixa de ferramentas visa apoiar municípios em ações de educação não violenta e de estímulo ao brincar ao ar livre

Em meio à rotina atribulada dos gestores e técnicos que atuam nos sistemas públicos em atenção à primeira infância, um momento de reflexão e prospecção para o futuro pensando no que é fundamental para o desenvolvimento pleno de nossas crianças. Essa foi a tônica do primeiro passo realizado pela Allma Hub Criativo com os municípios que fazem parte da Urban95 Brasil para a finalização de um novo material de apoio às políticas públicas já implementadas ou em fase de desenvolvimento.

Organização especialista em comportamento e parceira técnica da Rede, a Allma acaba de lançar uma caixa de ferramentas (toolkits) planejada e construída coletivamente com as cidades, após um cuidadoso processo de escuta e de testes presenciais em regiões de vulnerabilidade social.

“Criamos uma ficha técnica com quatro temas fundamentais para a primeira infância, com os quais a gente deveria trabalhar a mudança de comportamento: educação não violenta, brincar ao ar livre, vacinação e amamentação. Apresentamos as fichas para todos os municípios da Rede e, a partir das pautas próprias da gestão, eles escolheram dois temas prioritários: educação não violenta e brincar ao ar livre”, explica Ana Dugaich, fundadora da Allma e diretora de estratégias criativas.

O segundo passo, conta Ana, foi promover uma chuva de ideias com os gestores e alguns especialistas no assunto. Em todas as etapas, a criança sempre esteve no centro da roda: “Todos os secretários envolvidos disseram quais eram as barreiras, o comportamento que precisava ser mudado, as dificuldades, o que seria preciso transpor. E cada um listou o que sua secretaria poderia fazer para servir a esse propósito. Depois disso, saímos com uma lista de proposições e levamos para uma sistematização que concedia uma nota para as ideias com maior potencial”.

Um dos materiais produzidos para a campanha Brincar Livre / Allma Hub

A partir daí, um cuidadoso trabalho de campo foi realizado, com objetivo de aparar as arestas de cada ideia. Ana Dugaich conta que regiões como Cidade de Deus (zona oeste do Rio de Janeiro), Grajaú (zona sul de São Paulo) e Sobral (cidade do Ceará), fizeram parte dos testes práticos.

O trabalho resultou na criação de duas caixas de ferramentas – “brincar ao ar livre” e “educação não violenta”. Cada kit é composto por 10 ou 11 peças desenhadas especificamente para o tema e elaboradas a partir das atividades de escuta e articulação com os municípios. Para cada ação há um cardápio de medidas práticas para serem iniciadas, um passo a passo completo.

O próximo passo será a implementação. Sobral, no Ceará, será o primeiro a receber o material sobre educação não violenta. E Jundiaí, em São Paulo, sobre “brincar ao ar livre”. “Todo o processo foi coletivo. Agora, estamos prontas para começar as visitas às cidades, queremos seguir trabalhando juntos”, completa Ana Dugaich.

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Confira o vídeo de estreia da campanha Cria na Paz

Todos os vídeos da campanha Brincar livre

Confira o vídeo de estreia da campanha Brincar livre

 

Cultura como estratégia de fortalecimento de vínculo: conheça o projeto-piloto Lullaby em Jundiaí (SP)

Jundiaí (SP) foi a primeira cidade brasileira a receber o projeto-piloto Lullaby. A iniciativa, financiada pela Fundação Bernard van Leer e presente em mais de 40 países, promove a música como estratégia de fortalecimento de vínculo para famílias em situação de vulnerabilidade social. Cuidadores são convidados a gravar canções autorais para as crianças, contando com o apoio de músicos profissionais na elaboração de letras e melodias.

A coordenação do projeto foi compartilhada entre a Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social de Jundiaí (SEMADS) e o Instituto Alana. Nove famílias em situação de alta vulnerabilidade dos bairros São Camilo e Sorocaba foram identificadas e contatadas pelo programa Criança Feliz, que já atuava dentro destes territórios e serviu como ponte entre o Lullaby e as famílias participantes.

Enquanto em outros países a iniciativa trabalha com vínculos partidos e dificuldades de relacionamento, a proposta em Jundiaí (SP) focou-se no empoderamento de mulheres, como explica Raquel Franzim, diretora de educação e cultura no Instituto Alana e, no projeto, responsável pela articulação entre instituto e a cidade de Jundiaí:

“Independentemente da condição financeira das famílias, as mulheres estão geralmente atreladas à enorme responsabilidade que é criar e cuidar de uma criança. O Lullaby acredita que, ao trazer um momento de lazer e de criatividade para elas, melhoramos a qualidade de vínculo entre família e o bebê e trazemos benefícios ao desenvolvimento infantil.”

Sessões do projeto-piloto Lullaby criaram momentos de relaxamento e acolhimento para mães e bebês / Crédito: Comunicação de Jundiaí (SP)

Canções de ninar autorais 

Durante abril e maio de 2022, as famílias tiveram cinco encontros com a equipe da Banda Alana, formada pelas musicistas Adriana Biancolini, Silvanny Rodriguez e o compositor Matheus Crippa. Participantes tiveram contato com todo o processo de criação de uma canção, desde o desenvolvimento da letra, a instrumentalização da música, até sua gravação final.

Renata Romero Lizana, mãe de Adam, de dois anos, foi uma das mães que toparam a experiência: “A princípio eu fiquei resistente, porque nunca compus nada nem gosto do som da minha voz. Os profissionais do projeto, todos muito humanos e sensíveis, me mostraram que seria legal, e que este seria um presente para meu filho. Foi tudo muito emocionante!”

Para sensibilizar mães e cuidadores e inspirá-los durante esta jornada, a Banda Alana trouxe um repertório de canções de ninar que fazem parte da cultura popular brasileira. Cada mãe produziu sua canção de maneira autoral e distinta. “Eu estava com dificuldade de encontrar palavras para expressar o meu amor pelo Adam e colocar em uma canção. Então, o pessoal da banda sugeriu que eu começasse com uma carta para ele. A partir daí, ficou mais fácil fazer a música”, Renata recorda.

Todas as músicas compostas foram instrumentalizadas pela Banda Alana, que tratou-as com o mesmo rigor de uma gravação comercial. No dia 3 de junho, as famílias puderam apresentar suas canções ao vivo para as crianças, familiares e amigos na Fábrica de Infâncias Japy.

No dia 3 de junho, as famílias puderam apresentar suas canções ao vivo para as crianças, familiares e amigos na Fábrica de Infâncias Japy / Crédito: Comunicação da cidade de Jundiaí (SP)

Benefícios para mães e crianças 

O Instituto Alana está produzindo um relatório da experiência piloto, mas, segundo Raquel, já foi possível depreender alguns aprendizados: “Quando uma mãe é apoiada, quando se sente bem, ela consegue desempenhar melhor este papel tão desafiador da maternidade. Este não é um ponto trivial. Com a pandemia, as mulheres viveram uma sobrecarga maior de tarefas domésticas e criação dos filhos. Muitas delas apresentaram queixas sobre saúde mental, com quadros de ansiedade e depressão. E nessas mulheres participantes, conseguimos aferir melhora na saúde mental, o que impacta diretamente na ambiência do desenvolvimento infantil.”

Para Maria Brant, secretária da SEMADS, o piloto abre novas possibilidades para trabalhar mudança de comportamento e primeira infância, eixo central que o município desenvolve na Rede Urban95: “O Lullaby chega como uma proposta de teste, o que é importante para pensarmos mudança de comportamento. Ele possibilita o amadurecimento das ações tanto do Criança Feliz quanto do trabalho de assistência, consolidando a intersetorialidade entre cultura e assistência como forma de empoderar nossas mulheres!”.

Projeto Trilha Crescer Aprendendo leva ludicidade para espaços públicos de Crato e Sobral (CE)

Em julho, as cidades da Rede Urban95 Crato e Sobral (CE) receberam o projeto Trilha Crescer Aprendendo, iniciativa da United Way Brasil (UWB) com apoio da Fundação Bernard van Leer e da Lîla Coletiva. Mais de 300 pessoas dos dois municípios, entre crianças, famílias, profissionais de educação e comunidade, participaram da construção de espaços interativos para brincar próximos de equipamentos de educação infantil.

Os bairros que receberam as Trilhas foram escolhidos com base nos indicadores de vulnerabilidade, como violência, pobreza e falta de equipamentos públicos para as crianças. A trilha começou com a sensibilização e formação dos profissionais da educação infantil, que atuam diretamente com as crianças, passou pelo acolhimento e formação das famílias com filhos e filhas de 0 a 6 anos e chegou à comunidade, a partir de uma ampla mobilização comunitária.

Este movimento tem como ponto de partida a escuta, tanto das crianças como da escola e da comunidade, para atender às expectativas e necessidades da primeira infância local. As trilhas construídas são divididas em Estações: Jogos de Chão, Parede Interativa, Horta Educativa e Corpo e Movimento. Em cada uma delas, uma placa apresenta o espaço, sugere as atividades e orienta os adultos sobre como interagir com a criança para que ela explore diferentes possibilidades.

Crianças e famílias participaram ativamente da construção das trilhas. Na foto, construção da Trilha Crescer Aprendendo em Sobral (CE) / Crédito: ASCOM Sobral

Como a Trilha Crescer Aprendendo Funciona?

Imagine a sensação: a criança está caminhando pela rua e se depara com diferentes espaços interativos para brincar, cheios de cores e descobertas. Uma trilha com propostas para vivenciar com outras crianças e com os adultos que cuidam dela. A criança se diverte, desenvolve habilidades e estabelece vínculos mais sólidos com as pessoas e com o entorno. O mais bacana de tudo isso é que ela se sente parte, porque ajudou a construir esses espaços. Seus familiares estão cheios de orgulho, porque também contribuíram com essa construção, atendendo ao chamado de mobilização feito pela escola de seus filhos e filhas.

Os gestores e professores da educação, assim como os servidores de outras secretarias, passam por esses lugares e se sentem realizados. Eles também estiveram ali, apoiando a concretização das trilhas. A comunidade também participa ativamente desta construção, pintando calçadas e muros, plantando hortas, junto com crianças e suas famílias.

As estratégias do projeto Trilha Crescer Aprendendo são intencionalmente pensadas para fortalecer toda a rede de apoio à criança, criando uma ambiência saudável, dentro e fora dos lares, garantindo assim o pleno desenvolvimento infantil.

A UWB está sistematizando um passo a passo para que qualquer município possa implementar trilhas como estas. Em breve, o guia da Trilha Crescer Aprendendo, com todas as informações, estará disponível on-line para municípios e escolas participantes do Programa.

Em Crato (CE), crianças, comunidade e United Way desenharam conjuntamente intervenções que remetessem a saberes locais da cidade / Crédito: United Way

 

Passo a passo para criar intervenções urbanas em sua cidade

Cidades da Rede Urban95 têm adotado a estratégia de urbanismo tático para criar soluções rápidas e criativas para o espaço público. Se bem aceitas pela comunidade e bem sucedidas em aumentar a segurança viária e oportunizar espaços para fruição e lazer, estas intervenções pavimentam caminho para políticas públicas que garantem o direito à cidade, à mobilidade ativa e ao brincar.

Para auxiliar municípios com desejo de implementar intervenções urbanas temporárias, criamos um passo a passo junto com a arquiteta e urbanista Hannah Mendes. Ela foi uma das participantes do webinar Intervenções Urbanas: Soluções Inovadoras para a primeira infância, que aconteceu no dia 1 de julho e reuniu representantes das 24 cidades da Rede Urban95.

Hannah, gerente de projetos do Laboratório de Inovação de Fortaleza, trabalha há quatros anos na prefeitura de Fortaleza (CE), capital que utiliza intervenções urbanas temporárias para testar futuras transformações no espaço público. Fazendo parcerias com organizações como a WRI Brasil, a Global Designing Cities Initiative (GDCI) e a Urban95, a cidade implementou intervenções como projeto Cidade da Gente, para instituir zonas de trânsito calmo no bairro Cidade 2000 e no entorno do Centro Cultural  Dragão do Mar, e também a iniciativa Caminhos da Escola, que requalificou trajetos usados por crianças nas periferias da cidade.

Crianças aproveitam intervenção temporária no Caminhos da Escola / Crédito: Global Designing Cities –  Paulo Winz

Passo 1: Tomada de decisão com base em dados para selecionar o melhor espaço para a intervenção

Quando a equipe da gestão municipal se propõe a selecionar um território para implementação de uma intervenção urbana, o ideal é que esta escolha esteja amparada numa sólida base de dados, que consiga identificar territórios prioritários.

“Para implementar o projeto de segurança viária em Fortaleza, a gestão fez um esforço grande para aprimorar a coleta de dados de sinistros de trânsito. Identificamos que o centro era o lugar com mais sinistros (acidentes com vítimas feridas e fatais) e isto nos impulsionou a instituir uma zona de 30 quilômetros por hora. Os dados guiaram e facilitaram a implementação do projeto”, relata Hannah.

Se for desafiador para a cidade começar a trabalhar em uma área crítica, e existe um recurso municipal ou estadual para esta intervenção, Hannah recomenda a seleção de áreas que já tenham algum tipo de engajamento comunitário. Outra opção é trabalhar em áreas com características similares a outras que já receberam uma intervenção urbana de sucesso, porque as boas práticas e as lições aprendidas em contextos similares facilitam o início da concepção de uma intervenção.

Passo 2: Espaço selecionado! Como começar as articulações intersetoriais?

A maioria dos projetos de urbanismo tático interfere diretamente no leito carroçável e em calçadas. Por isso, o aliado mais importante é a autarquia ou secretaria responsável pelo trânsito da cidade. São estes profissionais que estarão em campo durante a implementação da intervenção temporária e que irão orientar a população durante seu funcionamento.

Nos projetos de Fortaleza (CE), esses servidores passaram por capacitação técnica de urbanismo tático, e estiveram envolvidos no projeto desde sua concepção. “Estas oficinas aconteceram de forma lúdica e criativa, com apoio de parceiros que já trabalhavam a questão de ruas amigáveis para crianças e pedestres. É importante sempre trazer boas práticas de intervenção urbana, principalmente se elas já aconteceram em territórios similares. Se aconteceram na mesma cidade, melhor ainda, porque é possível fazer conexões entre as pessoas”, detalha Hannah.

A depender do tipo de intervenção urbana, é importante envolver outras secretarias da cidade, como a de planejamento urbano e a de cultura. Esta última pode ajudar a desenvolver atividades culturais que ativem o espaço durante a intervenção.

Ter parceiros técnicos que apoiem na formulação destas intervenções é importante. Estes parceiros podem ser organizações de terceiro setor ou escritórios de arquitetura e paisagismo. Hannah usa a expressão campeões locais para designar parceiros que já implementaram projeto de urbanismo tático que deram muito certo na cidade.

A arquiteta propõe que, depois de acionar parceiros separadamente, que sejam feitas reuniões de integração, principalmente semanas antes da implementação da intervenção. “Assim, parceiros tiram dúvidas, se conhecem e articulam a melhor forma de conduzir a ação.”

Passo 3: Falando com a comunidade

Paralelamente à articulação intersetorial, a escuta da comunidade deve estruturar o projeto de intervenção urbana. Para envolvê-la ativamente em todas as etapas (concepção, planejamento e ativação), a sugestão é trabalhar momentos de escutas específicas para públicos diferentes.

No projeto Caminhos da Escola, a prefeitura trabalhou com a comunidade escolar, como relembra Hannah: “Escolas têm um papel social importante, principalmente em territórios vulneráveis. Nos aproximamos primeiro dos diretores e coordenadores, e eles ajudaram a articular o contato com pais e em sequência com as crianças. A escola funcionou também como um lugar de salvaguarda durante a execução da intervenção, onde podíamos descansar e discutir os próximos passos da ação.”

Quando as intervenções diminuem o espaço para carros ou alteram as calçadas, comerciantes costumam expressar preocupação sobre como estas mudanças vão afetar seus negócios: “Na intervenção permanente da Av. Desembargador Moreira, levamos para os comerciantes exemplos de intervenções similares e como elas melhoraram o fluxo de circulação de pessoas. Também colocamos este público em contato com um comerciante de outra intervenção, que ajudou a esclarecer dúvidas.”

Hannah sugere que, para além de audiências grandes, a escuta seja feita também em grupos menores, ativando cada equipamento e cada público do território. Isto dá mais trabalho e envolve mais articulação, mas também garante que todas as pessoas da comunidade sejam contempladas.

Os diferentes públicos da comunidade precisam ser ouvidos na hora de pensar intervenções urbanas. Na foto, intervenção urbana do projeto Cidade da Gente / Crédito: Rodrigo Capote

Passo 4: Participação infantil 

No projeto Caminhos da Escola, crianças de diferentes faixas etárias que frequentavam as escolas próximas foram escutadas sobre o que elas queriam para o trajeto.

Com as crianças de 3 e 4 anos, a escuta aconteceu durante uma oficina de desenho. O processo foi validado por organizações parceiras com experiência em participação infantil.

Para crianças com 8 a 10 anos, a ideia foi fazer uma oficina de influencers urbanos. Como se gravassem um vídeo para um canal de rede digital, as crianças apresentaram seus bairros e como elas fariam para melhorar as áreas. Por fim, para as crianças mais velhas, a escuta foi territorial. Crianças saíram caminhando ao redor da escola em posse de uma moldura verde ou vermelha, usando-as para indicar o que gostavam ou não no caminho.

Passo 5: Desenhando intervenções urbanas criativas 

Na hora de desenhar as intervenções urbanas, Hannah volta a mencionar os campeões locais: escritórios de arquitetura, organizações e coletivos parceiros podem ajudar a desenhar soluções inventivas, de baixo custo e que atendam às expectativas da comunidade, crianças e gestão.

“Normalmente os contratos da prefeitura que preveem brinquedos ou intervenções não têm nada diferente. Quando um parceiro chega junto, ele pode trazer propostas inovadoras e que lentamente podem ser incorporadas dentro da própria política do município”, adiciona Hannah.

Uma outra forma para descobrir soluções para o espaço urbano é planejar concursos locais. A chamada pública ajuda a mapear potenciais parceiros e a conhecer ideias inventivas para o espaço urbano.

O objetivo é que estratégias de urbanismo tático possam servir de testes para para intervenções temporárias, como no caso da Escola Maria Zélia Correia de Souza, que ganhou pintura nos muros, bancos e alargamento da calçada / Crédito: Global Designing Cities Initiative – Paulo Winz

Passo 6: Ativando espaços públicos e medindo o sucesso da intervenção urbana

Embora qualquer transformação no espaço público chame a atenção, Hannah recomenda fortemente que, durante a intervenção temporária, o espaço seja ativado com uma programação especial, que convide crianças e comunidade a fruir do lugar da intervenção. A articulação local construída no começo do processo pode ser muito útil. Centros culturais próximos podem realizar oficinas que geralmente ocorrem a portas fechadas nestes lugares; peças teatrais, apresentações musicais e exposições itinerantes podem atrair o público.

Antes, durante e depois da intervenção temporária, é importante medir quantitativa e qualitativamente como este espaço está sendo utilizado. “Toda a gestão já tem  a prática de contar pedestres, veículos, e outras formas de monitoramento qualitativo. O que ela pode fazer é criar novas perguntas: Neste micro parque, que tipo de atividade está acontecendo que não ocorria antes? Quantas pessoas estão utilizando este espaço público ou faixa de pedestres nova? Qual a velocidade do carro após a intervenção? ”, Hannah sugere. “É importante dizer que crianças utilizando o espaço é uma métrica valiosa para determinar o sucesso da intervenção.”

Passo 7: Minha intervenção urbanística foi um sucesso! Como transformá-la em política pública?

Com os indicadores medidos e registros feitos em vídeo e fotos, é hora de ativar os contatos construídos durante a articulação para tornar esta intervenção um projeto permanente. Este é um processo mais demorado e que demanda paciência e vontade política. “É mais fácil convencer a gestão ou um financiador da importância desta intervenção se ela estiver perto desde o começo do processo, e se tudo estiver documentado.”

Outra forma de garantir a transformação permanente é tecer parcerias com outros projetos –- da própria gestão ou editais nacionais e internacionais – que tenham fundos e ajudem a viabilizar este processo. “No Caminhos da Escola, fizemos parceria com um projeto da prefeitura chamado Meu Bairro Empreendedor, que estava trabalhando na mesma área que nós. Conseguimos então utilizar a verba para garantir a intervenção”, finaliza Hannah.

 

Cascavel (PR) escuta 9 mil crianças para desenhar políticas públicas para a primeira infância

Cascavel (PR) está construindo seu Plano Municipal pela Primeira Infância (PMPI), política pública que contempla o diagnóstico da Primeira Infância na Cidade, bem como os planos e metas para os próximos 10 anos em diferentes áreas. “O Governo Municipal de Cascavel tomou uma importante decisão em 2021, ter a política da primeira infância como prioridade”, explica Hudson Moreschi Júnior, Secretário de Assistência Social. “Por meio da elaboração do PMPI, iremos construir de maneira coletiva uma ferramenta de gestão e planejamento para implementar programas, ações e serviços de atendimento à crianças de 0 a 6 anos.”

Para inserir a perspectiva das crianças dentro desta política, as Secretarias de Educação e Assistência organizaram uma semana da escuta infantil, ouvindo crianças de 64 escolas, 55 Centros Municipais de Educação Infantil (CMEI) e 10 equipamentos de Assistência. “O Governo Municipal de Cascavel tomou uma importante decisão em 2021, ter a política da primeira infância como prioridade!

Do dia 27 ao dia 30 de junho, 9 mil crianças de 3 a 6 anos foram ouvidas. Elas caminharam pelas ruas ao redor dos equipamentos que frequentam, identificando o que gostam e não gostam nestes trajetos, e deram ideias sobre o querem para o futuro dos territórios. Seus desejos e falas foram registrados em desenhos, fotos e vídeos pelos 870 servidores que conduziram a escuta.

Crianças percorreram bairros próximos aos equipamentos que frequentam, identificando espaços familiares e também quais possíveis melhorias poderiam ocorrer no seu território. Todo o processo de escuta foi registrado em fotos e vídeos / Crédito: SEMED Cascavel

O primeiro passo da articulação desta escuta foi a capacitação sobre participação infantil para coordenadores de todos os equipamentos das redes de educação e assistência. A oficina presencial, coordenada pelas secretarias de Educação e Assistência, apresentou o PMPI e também as ações para a primeira infância que o município tem realizado desde sua inclusão na rede Urban95. Entre os materiais de referência, a cartilha Escuta como Participação Política, organizada pelo Centro de Criação de Imagem Popular CECIP, teve lugar de destaque.

“O tema da oficina foi o bairro da criança. Queríamos que os educadores instigassem as crianças a pensar o que existe nos bairros e o que elas sentem falta. Cada equipamento recebeu um material de base para desenvolver suas atividades, mas também tinha autonomia para conduzir a escuta”, detalha Wesley Santos, coordenador pedagógico dentro da Secretaria Municipal de Educação (SEMED) e articulador do PMPI na cidade.

“A recomendação foi que eles fizessem pesquisa de campo e passeios pelo território junto com as crianças,e que, na volta aos equipamentos, as crianças pudessem registrar em desenho o que sentiram com relação a esta atividade.”

Escuta territorial levou milhares de crianças pelos bairros de Cascavel

Os processos de escuta priorizaram as andanças no território – e fazê-la ao ar livre, no ritmo e a partir da percepção das crianças fez toda a diferença, como relata a diretora Karen Brustolin, do CMEI Darci Ângela Borges:

“Foi a primeira vez que olhamos para o nosso bairro de maneira qualificada. As crianças foram responsivas a tudo que havia no território: elas identificaram equipamentos de saúde e educação que frequentam, comentaram sobre a qualidade das calçadas, e também apontaram que o bairro tem muito comércio, mas que faltam espaços para brincar, como parques.”

Para a coordenadora Karina Satiro, do CMEI Profª Mirian Ana D. Boschetto, ao andar pelo bairro, crianças conseguiram falar sobre temas como mobilidade e pertencimento: “As crianças sabem-se parte da comunidade: sabem os mercados que frequentam, os trajetos que fazem para chegar até a escola. Notaram que as calçadas nem sempre são fáceis de subir, e que muitos espaços vazios poderiam ser reaproveitados com equipamentos públicos. Sentem falta de árvores e de lugares para relaxar.”

Bueiros expostos, calçadas quebradas e outros problemas do espaço público chamaram a atenção das crianças. Na foto, estudantes da Escola da Transparência. / Crédito: SEMED Cascavel

Já para as servidoras de assistência social, área que tem desenvolvido atividades para primeira infância e cuidadores em seus equipamentos com apoio da Rede Urban/CECIP, a participação das crianças reforça a importância de integração de serviços para famílias em vulnerabilidade. “Mesmo com eventuais dificuldades de expressão, as crianças conseguiram apontar o que querem para seus espaços. Elas querem cultura, livros, espaços para brincar, e isso nos faz pensar que precisamos de estratégias de assistência social alinhadas com educação, saúde urbanismo, todo mundo. Para mim, que estou há 22 anos na assistência social, foi um momento histórico”, compartilha Rosângela Benedita Gouveia, pedagoga e gestora de território leste dentro da Secretária de Assistência Social (SEASO).

Todos os servidores entrevistados foram unânimes no desejo de incorporar a participação das crianças como prática cotidiana para qualificar seus espaços e melhorar o atendimento.

Antes de percorrer os bairros, os equipamentos prepararam oficinas com maquetes e fotos dos territórios, para ajudar as crianças na identificação / Crédito: SEMED Cascavel

Sistematização por territórios da primeira infância em Cascavel 

Para responder ao desafio da sistematização da escuta em larga escala, a SEMED e o SEASO montaram um formulário online a ser respondido por cada equipamento que participou das ações da Semana da Escuta Infantil. Entre os pedidos de preenchimento, os servidores puderam avaliar a experiência de escuta, relatar oportunidades e desafios, além de anexar os registros.

Estes formulários geraram uma planilha que está sendo analisada para criar diagnósticos de cada um dos territórios de Cascavel. “A estratégia desta sistematização é organizar os dados por territórios. Quando escuto o relato de um Centro de Referência em Assistência Social (CRAS) e de uma escola de um determinado bairro, eu tenho um raio-x desta região, e consigo entender não só as demandas do equipamento, mas de todo o território, planejando assim políticas integradas”, explica Wesley.

Os dados por área serão tabulados a partir dos cinco eixos que estruturam o PMPI da cidade: Direito ao espaço urbano, Saúde da criança, Educação infantil, Esporte e lazer e Assistência social. Com este conteúdo sistematizado, será possível escrever um plano alinhado às necessidades da primeira infância da cidade.

“Ouvir a criança em seu desenvolvimento, sua visão de mundo, sua visão de escola, que tipo de sociedade que ela quer, é importantíssimo. Estes relatos gerarão muitos dados e encaminhamentos para traçarmos novas políticas públicas que atendam a primeira infância”, conclui Marcia Baldini, secretária de Educação.

 

*Se você quer saber mais sobre como Cascavel (PR) organizou a escuta de 9 mil crianças e está sistematizando este grande volume de dados, entre em contato com a comunicação da Urban95 (cecilia.garcia@cecip.org.br). Podemos fazer a ponte entre a sua gestão e a de Cascavel. 

**Para escrever esta matéria, nós escutamos 11 servidores públicos de Cascavel. Não foi possível colocar todos os depoimentos na pauta, mas as entrevistas serviram como insumo e inspiração para a construção deste texto. Agradecemos aos seguintes servidores: Vanessa Roseli F. Rocha, Karen Brustolin, Gabriela Rodrigues da Costa, Camila Aquino, Karina Satiro, Josiane R. Romanholi, Vanessa Albiero, Rosangela Benedita Gouveia, Sandra Maria Castilho Demski, Elizangela Zaniolo e Lucas Andrei Alves Teixeira. 

 

Intervenções Urbanas: Soluções inovadoras para a primeira infância.

Cidades da Rede Urban95 têm utilizado o urbanismo tático como estratégia para responder aos desafios de seus espaços públicos. Representantes de Fortaleza (CE), Niterói (RJ) e Jundiaí (SP) compartilharam suas experiências no webinar Intervenções Urbanas: Soluções Inovadoras para a primeira infância, que aconteceu no dia 1 de julho e reuniu representantes das 24 cidades da Rede Urban95. O webinar foi produzido pela equipe do CECIP em parceria com o Estúdio + 1 e contou com a mediação do arquiteto Tiago Brito, do Estúdio +1.

O urbanismo tático é uma prática que propõe intervenções rápidas, criativas, de baixo custo e alto engajamento comunitário para reinventar temporariamente espaços públicos, testando soluções urbanas que podem vir a se tornar permanentes. Ele também oferece boas oportunidades de engajamento comunitário. Em todos os projetos apresentados durante o webinar, a escuta e participação das crianças e dos adultos deram o tom para as intervenções temporárias como as permanentes.

Intervenção temporária Caminhos da Escola conclamou o leito carroçável para crianças e comunidade (Crédito: Global Designing Cities Initiative)

Urbanismo tático na prática: As experiências das cidades Urban95

Hannah Silva, urbanista da prefeitura de Fortaleza, apresentou projetos como o Caminhos da Escola, cujas intervenções temporárias no leito carroçável testaram a criação de travessias mais seguras e áreas livres para a convivência e a brincadeira. Utilizar as intervenções temporárias como uma primeira etapa para transformações perenes tem sido a tônica da política de urbanismo da cidade.

“O urbanismo tático não é um projeto finalizado e sim parte do processo”, define Hannah Silva, urbanista da prefeitura de Fortaleza. “As intervenções servem como forma de mostrar às pessoas que aquele projeto pode ser uma boa ideia, convencê-las com ludicidade e cor a terem um olhar mais simpático para o urbanismo. Depois, com a intervenção testada e aprovada pela comunidade, podemos pensar em uma intervenção permanente para aquele espaço.”

Intervenções urbanísticas ao redor do Centro Cultural Dragão do Mar, em Fortaleza (CE). Por apelo da população local, elas se tornaram permanentes (Crédito: Prefeitura de Fortaleza)

Niterói (RJ) apresentou o projeto Arte na Faixa. Criado como parte da campanha Maio Amarelo, a iniciativa convidou artistas locais a intervir em faixas de trânsito, trazendo destaque e ludicidade para estes pontos de travessia segura. Organizado pela empresa Niterói Transporte e Trânsito (NITTRANS) em parceria com a Urban95 e diversas secretarias da cidade, o Arte na Faixa é um exemplo de articulação intersetorial na lida com a legislação e com possíveis entraves burocráticos.

“A segurança viária é um assunto para todo mundo, porque todo mundo transita, a pé, bicicleta, de carro. A conversa tem que ser sempre transversal”, detalha Priscilla Lundstedt Rocha, coordenadora do Departamento de Educação para o Trânsito da NITTRANS. “No projeto Arte na Faixa, várias equipes da gestão municipal trabalharam conosco. A equipe de sinalização viária trabalhou na pintura das faixas e a de cultura no convite para os artistas e na aprovação do desenho das faixas. Todo mundo fez sua parte”.

A articulação intersetorial também tem sido fundamental em Jundiaí (SP), principalmente na lida com entraves burocráticos que podem surgir na hora de implementar uma intervenção inovadora. Marcelo Peroni, gestor de cultura da cidade, compartilha sua experiência: “Usamos por aqui estratégias como a escuta das crianças e as brechas na legislação para botar a mão na massa e criar. E tem que ter coragem! Propor uma ação: se ela der errado, usamos como teste para aprimorar nossa próxima intervenção, e se ela der certo, buscar parcerias para tornar este projeto permanente!”.

Assista ao webinar: Intervenções Urbanísticas: Soluções inovadoras para a primeira infância. 

 

Caruaru comemora a criação de dois parques naturalizados como iniciativas pilotos na cidade

Parques naturalizados são espaços públicos vinculados a escolas e voltados ao lazer e também ao desenvolvimento infantil. A Rede Urban95 Brasil, iniciativa dedicada à primeira infância da Fundação Bernard van Leer, lançou um vídeo para divulgar a criação de dois desses parques na cidade pernambucana de Caruaru.

As novas áreas foram criadas a partir de conceitos da Urban95 na Belmiro, na Via Ferroviária, região central da cidade, e no Monte Bom Jesus, e são considerados projetos-piloto na cidade. Eles foram viabilizados a partir de um recurso-semente oferecido pela fundação, explica Swami Lima, secretário de Planejamento, Orçamento e Gestão da prefeitura.

Crianças brincam no parque naturalizado Monte Bom Jesus, em Caruaru. Créditos: Lucio Omena/Prefeitura de Caruaru

Ursula Troncoso, consultora da Urban95, explica que a Rua Belmiro foi escolhida para dar visibilidade ao projeto, e que o parque no bairro de Monte Bom Jesus, em outra escala, funciona conectado com a comunidade e com as crianças da Escola Municipal Duque de Caxias.

João Paulo Cepa, secretário municipal de Educação e Esportes, frisa que a criação dos parques naturalizados é um trabalho aliado à educação: “São frutos de uma conexão e de uma escuta com a comunidade, buscando entender o que eles esperam da escola, para além das paredes, do muro, do que acontece na sala de aula.”

Escadas de madeira aproveitada da poda urbana são sugestões para os parques naturalizados. Créditos: Lucio Omena/Prefeitura de Caruaru

Maria Aparecida do Nascimento, gestora da escola, explica que os professores fizeram as crianças entenderem sua relação com a cidade e a natureza por meio de desenhos e maquetes onde reproduziram o caminho de casa para a escola. “A Urban trouxe uma alegria muito grande”, disse ela, garantindo que as crianças ficaram felizes de tirar o cinza e trocar pelas cores.

O projeto usou materiais que seriam descartados, como o resíduo da poda de árvores, explica Ytalo Farias, secretário de Serviços Públicos e Sustentabilidade. Confira o vídeo completo

“Foi uma maneira de fazer a árvore permanecer no espaço, marcando presença na comunidade, já que ela estava havia mais de 40 anos no local”, completa Aurílio Barbosa, paisagista, sócio-proprietário da Verd’Fica e envolvido no projeto.

A prefeita de Caruaru à época do lançamento dos parques, Rachel Lyra, explica que o objetivo é permitir que as crianças possam brincar e também se desenvolver em sua plenitude.

“Na nossa formação, não somos direcionados a olhar a criança”, relata Marcella Rodrigues, arquiteta e urbanista da prefeitura. Segundo ela, os conceitos oferecidos pela Urban95 e pelo Instituto Alana ressignificaram a visão, trazendo um novo olhar, que começa a sensibilizar e mostrar que tudo começa na infância. “Inclusive a relação entre a criança e o espaço da cidade”, diz.

Andreza Ferreira, gerente de primeira infância da prefeitura e também mãe e moradora, afirma que o parque naturalizado é importante para ajudar a criança a criar vínculos com o pai, a mãe e as outras crianças, principalmente depois do período da pandemia, interagindo com elementos da natureza.

‘Receitas’ do brincar conquistam crianças em Jundiaí (SP)

Na unidade básica de saúde da Vila Maringá,  na cidade de Jundiaí (SP), a menina Helena Bonifácio Tavares, de 6 anos, passou pela consulta com a Dra. Luisa Maria Macedo de Moraes. Durante o atendimento, a pediatra perguntou sobre queixas de dores, hábitos de sono, intestino, alimentação e também brincadeiras e atividades. “Primeiro fazemos a avaliação global e depois as prescrições necessárias para cada caso. Para a Helena a sugestão é de brincar para incentivar o desenvolvimento, mexer o corpo para não ficar sedentária, além de auxiliar no combate ao estresse e tédio que muitas crianças estão enfrentando nesse momento de pandemia”, afirmou a médica, que atende crianças há 30 anos. 

As recomendações da médica foram concretizadas em uma receita entregue à própria criança e com um formato bastante diferente do tradicional: um papel colorido, com design lúdico, desenhos e, no canto direito da página, o “receituário do brincar”, em que o médico preenche o check list entre opções como “brincar ao ar livre”, “andar a pé”, “ler em família” ou “explorar a natureza”.

Exemplo de receituário infantil em Jundiaí. Crédito: Gerusa Moura

“Há dois anos iniciamos uma aproximação com os médicos pediatras, estreitando o diálogo sobre a abordagem das infâncias da cidade, contando sobre as iniciativas já existentes, colocando-os por dentro dos indicadores da saúde e trazendo-os à consciência de que são os profissionais da mais alta confiança das famílias. Criamos uma relação em que eles pudessem relatar as dificuldades que as famílias estavam apresentando neste período da pandemia e eles foram também participando de nossas formações técnicas/científicas que sempre abordavam temáticas de práticas positivas no cuidado, onde também, por muitas vezes, abordamos a potência do brincar”, conta Gerusa Moura, dentista da rede de atenção básica de Jundiaí (atendimento a pacientes com necessidades especiais e bebês) e articuladora Municipal do Programa São Paulo pela Primeiríssima Infância.

Segundo ela, ano passado, na Semana do Brincar, os médicos começaram a prescrever e orientar brincadeiras durante as consultas de forma que essa orientação fosse encarada não apenas como algo corriqueiro, mas como algo importante para o desenvolvimento daquela criança. Mas faltava algo concreto, simbólico, que marcasse também para as famílias a preocupação com as experiências lúdicas das crianças: “Nossa diretora de Atenção Básica, Andréia Pinto, nos disse que seria muito bacana ter um receituário lúdico para ser usado nas consultas em pediatria e em outros atendimentos ao público infantil. Então, eu e a Gabriela Tripicchio, que é terapeuta ocupacional do nosso Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) e que também faz parte do comitê gestor do SPPI, criamos o design do receituário”. 

Prescrição especial é iniciativa que aproxima famílias da linguagem lúdica. Crédito: Gerusa Moura

A dentista relata que o modelo de receita foi criado com base em referências técnicas da Assistência Farmacêutica e da Saúde da Criança e do Adolescente de Jundiaí, respeitando as normas legais. “Nós nos inspiramos na linguagem pé de infância para a criação. E para a concepção da ideia nos inspiramos no artigo The Power of Play: A Pediatric Role in Enhancing Development in Young Children, publicado pela American Academy of Pediatrics. Outra referência importante foi o programa Criança e Natureza, do Instituto Alana”, detalha. 

O novo receituário está sendo utilizado em todas as unidades básicas e de atenção secundária à saúde de Jundiaí, com a possibilidade de se tornar permanente na rede municipal. Juntamente com a receita lúdica são oferecidos um e-book com brincadeiras na primeiríssima infância e outro e-book com brincadeiras para crianças com paralisia cerebral. Além disso, cidades próximas como Várzea Paulista já demonstraram interesse em replicar a iniciativa.

“Os médicos e outros profissionais teceram elogios à iniciativa como algo simples e bonito que dialoga com o trabalho deles.Mas o mais legal foi a devolutiva das crianças que sentem que aquele papel entregue na consulta é para elas. Elas querem segurar a receita, saem orgulhosas”, comemora Gerusa Moura.

Crise da pandemia causa “feminização da fome”

Dentre todos os indicadores alarmantes que o Brasil vem acumulando nos últimos tempos, nenhum é tão devastador quanto a manchete estampada nas notícias das últimas semanas: 33,1 milhões de brasileiros passam fome no Brasil, mais de 15% da população nacional. O contexto se torna ainda mais grave quando olhamos um pouco para trás e nos deparamos com a evolução galopante da tragédia: esse número praticamente dobrou em menos de dois anos.

As conclusões fazem parte do 2º Inquérito Nacional Sobre Segurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, divulgado pela Rede Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional). Mergulhando um pouco mais a fundo na questão, os pesquisadores alertam para um fenômeno que tem sido cada vez mais presente nas manchetes dos jornais: o da insegurança alimentar, ou seja, quando não há acesso pleno a alimentos de qualidade e quantidade adequados. De acordo com a mesma pesquisa, 58,7% da população sofre de insegurança alimentar em algum grau, o que significa um aumento de 7,2% em relação a 2020.

Neste contexto dramático, merece atenção um outro número que impacta diretamente a vida das nossas crianças e que compromete a sustentabilidade das famílias brasileiras: a “feminização da fome”. Este foi um conceito batizado por economistas para entender o alto impacto da pobreza no público feminino. Segundo dados da FGV Social, 47% das mulheres não têm dinheiro para comprar comida para suas famílias. Entre os homens, o número cai para 26%.

A situação da fome se agravou na pandemia, já que as mulheres (principalmente as mães que tiveram que dar conta integralmente dos cuidados com os filhos) foram as mais atingidas pelo desemprego e pela crise econômica que está longe de acabar. O relatório divulgado pela Rede Penssan também confirma a feminização da fome e o impacto imediato no público infantil. O expressivo aumento da insegurança alimentar dos domicílios com crianças de idade até 10 anos, de 9,4% para 18,1% em um ano, demonstra o aumento da vulnerabilidade de suas famílias no período da pandemia.

“Diante da impossibilidade do ensino presencial, a alimentação dessas crianças foi duplamente prejudicada, pois elas não puderam contar com a alimentação escolar com regularidade, ao mesmo tempo em que ficaram expostas à escassez de alimentos em seus domicílios. Essa condição é mais grave ao considerar o impacto no desenvolvimento infantil, dada a impossibilidade de acesso remoto às aulas, o que contribui para a estagnação social das famílias em situação de maior vulnerabilidade”, destaca o texto do relatório.

Estamos vivendo um dos processos eleitorais mais tensos da nossa história e, às vésperas do início oficial da campanha, indicadores como estes demandam prioridade total e absoluta dos candidatos aos cargos executivos e legislativos. O impacto da fome e dos diferentes níveis de insegurança alimentar durante a gestação e os primeiros anos de vida dos cidadãos brasileiros é inquestionável. É alarmante por si só, mas declarações de espanto e de piedade não bastarão.

Para contermos um retrocesso de quase três décadas serão necessárias propostas concretas para a implementação de políticas públicas emergenciais e de longo prazo, extrapolando o tenebroso cenário atual. É importante agir rápida e efetivamente, mas sem deixar de pensar na sustentabilidade das ações ao longo do tempo. Que não sejam mais permitidos retornos como esse, para que possamos vislumbrar um futuro menos nebuloso para nossas crianças.

Universidades e gestão pública: boas práticas atestam que a parceria pode gerar melhorias para crianças e suas famílias

Estão abertas as inscrições estão para o Prêmio Ciência Pela Primeira Infância, que vai identificar e reconhecer pesquisadores e pesquisadoras que tenham foco em temáticas da primeira infância. Saiba mais aqui.

Municípios com características também bastante diversas comemoram resultados positivos a partir de iniciativas bem-sucedidas entre a comunidade acadêmica e o setor público. Conheça algumas boas práticas que a Urban95 apoia nas diferentes regiões do país:

NINAPI (Núcleo de Investigação em Neuropsicologia, Afetividade, Aprendizagem e Primeira Infância) da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE)

Vinculado ao Departamento de Educação da UFRPE, o NINAPI se ancora no tripé pesquisa, ensino e extensão. Embora tenha se instituído como grupo de pesquisa formalmente no ano de 2015, o início das nossas pesquisas com essa temática teve início durante o início dos anos 2000, com os trabalhos de dissertação e tese, que sempre articularam as temáticas da afetividade, cognição e primeira infância. Foi em 2008 que as Neurociências começaram a fazer parte da história e passaram a constituir o DNA enquanto grupo de pesquisa. Além de pesquisas, promovem a formação de profissionais envolvidos com a primeira infância em diferentes contextos (escola, família e casas de acolhimento), bem como com a elaboração de materiais didáticos e produções científicas sobre a primeira infância, articulada também aos contextos de vulnerabilidade e educação inclusiva.

“O conhecimento construído pelos pesquisadores em seus estudos sobre a primeira infância pode contribuir de diversas maneiras, tanto para identificar que aspectos sobre a primeira infância precisam ser contemplados com mais urgência pelas políticas públicas, por exemplo, como também podem ajudar no monitoramento e avaliação dos impactos que tais políticas estão tendo na primeira infância em determinada região”, analisa Pompéia Villachan-Lyra, coordenadora geral do NIINAPI.

Segundo ela, são fundamentais iniciativas como o Prêmio Ciência pela Primeira Infância, já que o Brasil é um país de dimensões continentais e que ainda temos um cenário bem desigual no que diz respeito ao investimento de recursos em pesquisa: “Entendemos que esta pode ser mais uma iniciativa no sentido de criar e fortalecer uma rede de compartilhamento de conhecimentos entre as instituições de ensino e pesquisa e seus pesquisadores em primeira infância, permitindo que aqueles que elegem o desenvolvimento infantil como objeto de estudo possam divulgar os seus estudos que mostram diferentes recortes sobre as diferentes primeiras infâncias que temos em nosso país”.

 

Universidade José do Rosário Vellano (UNIFENAS) – Instituição Parceira da Primeira Infância

Em 2018,  a UNIFENAS fez adesão ao Programa Instituição Parceira da Primeira Infância, uma iniciativa da ANUP (Associação Nacional das Universidades Particulares). O programa é conduzido pela ANUP Social, braço de responsabilidade social e sustentabilidade da Associação, e que tem como objetivo oferecer apoio para que as Instituições de Ensino Superior fortaleçam as suas ações sociais, em especial em áreas que estejam relacionadas ao desenvolvimento humano e à preparação do indivíduo para a permanente aquisição de competências, conhecimentos e habilidades.

Rogério Ramos do Prado, professor e gestor na UNIFENAS, conta que na cidade de Alfenas (MG) iniciou-se de forma colaborativa e participativa a construção do Plano Municipal da Primeira Infância em 18 de maio de 2020. E que a comissão responsável pelo plano já contava com a participação do setor acadêmico. “Graças à parceria entre a UNIFENAS e o Município de Alfenas foi possível realizar diversas audiências públicas temáticas para a elaboração do Plano Municipal da Primeira Infância, que encontra-se em andamento. Entendo que os municípios precisam demandar as Instituições de Ensino Superior de sua cidade ou estado na busca de soluções para os principais problemas da Primeira Infância. As IES podem e devem elaborar diagnósticos, planos municipais estratégicos, programas e projetos de extensão, cursos de capacitação, podem envolver docentes e discentes nas diversas atividades de interesse da Primeira Infância”, avalia Prado. 

O professor relata ainda que, em Alfenas, graças às atividades de ensino, pesquisa e extensão da UNIFENAS, muitas ações são realizadas em favor da Primeira Infância no município: “Entendo que esta experiência de integração Universidade e Poder Público Municipal realizada em Alfenas, se devidamente divulgada e levada ao conhecimento de outros municípios, pode contribuir de forma significativa para inspirar ações acadêmicas em outras Universidades do nosso País”.

 

Observatório da Infância e da Adolescência (OIA) da Unicamp

O Observatório da Infância e Adolescência da Unicamp (OIA) surgiu a partir da elaboração do Plano Municipal para a primeira Infância de Campinas, conhecido como PIC.  O Plano possui 12 eixos temáticos e a perspectiva da existência de um observatório já aparece no primeiro eixo do plano: “A família e a comunidade da criança”.  Em 2018, o Núcleo de Políticas Públicas (NEPP) da Unicamp foi convidado para participar da construção dos eixos e das propostas do plano e elaborar o diagnóstico social da primeira infância para a cidade, documento que apoia o plano.

Dentre os membros do comitê intersetorial para elaboração do PIC, participaram pesquisadores da UNICAMP, que constituíram o embrião do Observatório. Assim, o Oia nasce a partir do PIC e hoje está ancorado no Nepp.  Atualmente o Observatório conta com a colaboração de profissionais tanto da universidade com professores, pesquisadores, estudantes de várias unidades, quanto do poder público e de representantes da sociedade civil envolvidos com os temas da infância e da adolescência. 

Stella Silva Telles, pesquisadora do Nepp e coordenadora do OIA, conta que o objetivo do Observatório é atuar em pesquisas e em atividades de extensão relacionadas às políticas públicas para a infância e a adolescência, estabelecendo-se como um espaço coletivo de diálogo interdisciplinar. As atividades do Oia concentram-se em estudos e pesquisas (como avaliações e monitoramento das políticas e diagnósticos intersetoriais), mas também na contribuição para a formação de profissionais, estudantes e interessados nos temas referentes à infância e à adolescência. 

“Trabalhar com a intersetorialidade das políticas é um ponto importante por acreditarmos ser este um fator estruturante para a efetivação da política pública de cuidado integral para o desenvolvimento das crianças e dos adolescentes. Por outro lado, a intersetorialidade é um desafio para as políticas sociais, pois os setores ainda dialogam pouco”, avalia.

A pesquisadora relata ainda que, atualmente, estão sendo desenvolvidos: a atualização do diagnóstico social da Primeira Infância de Campinas, um projeto que avalia melhorias na primeira infância derivadas de ações de intervenção comunitária para prevenção da obesidade infantil e um projeto com as escolas para reconhecimento da paternidade de estudantes de áreas vulneráveis. Para março de 2023 está prevista a realização do Simpósio Internacional de Acolhimento Familiar na forma presencial na Unicamp. 

Prêmio incentiva a pesquisa científica na área da primeira infância

A ciência pode contribuir no aperfeiçoamento das políticas públicas para a primeira infância no Brasil – e há exemplos consistentes e exitosos ao longo do país que podem ser estimuladores de novas iniciativas. Com essa convicção foi lançado o Prêmio Ciência Pela Primeira Infância, iniciativa do Núcleo Ciência Pela Infância (NCPI), sob coordenação técnica da ponteAponte. As inscrições estão abertas até 10 de julho e podem ser realizadas pela página premioncpi.com.br.

O objetivo do prêmio é identificar e reconhecer pesquisadores e pesquisadoras que tenham feito pesquisas com foco em temáticas da primeira infância, com o objetivo de ajudar a disseminar conhecimento científico que possa apoiar a formulação ou a qualificação de políticas públicas em primeira infância no país.

O Núcleo Ciência Pela Infância (NCPI) é uma coalizão que produz, disponibiliza e divulga conteúdo científico sobre o desenvolvimento da primeira infância de forma acessível, sob a perspectiva de que a ciência aplicada é a chave para o fortalecimento de políticas públicas, programas e práticas profissionais focadas na melhoria da qualidade de vida de crianças brasileiras em situação de vulnerabilidade. 

A seleção será feita a partir da inscrição de pesquisa relacionada a pelo menos um dos eixos temáticos:

O prêmio busca reconhecer pesquisadores que estejam envolvidos com esse tema em suas carreiras acadêmicas e que tenham interesse em disseminar suas pesquisas por meio de publicações, imprensa ou redes sociais, com o objetivo de sensibilizar gestores públicos.

A pesquisa precisa ter sido feita há no máximo 5 anos ou estar em andamento, com previsão de término de análise de dados até agosto de 2022. Ao final do processo seletivo, os 15 pesquisadores selecionados vão receber formação sobre disseminação do conhecimento científico sobre primeira infância aplicado às políticas públicas, utilizando linguagem acessível e de alto impacto, além da oportunidade de integrar e participar de encontros com uma rede plural de pesquisadores.

Serão também convidados para participação em evento de premiação promovido pelo NCPI, ganharão a chance de produzir publicações de 1 a 2 páginas ou de 6 a 8 páginas voltadas a gestores públicos e prêmio de R$ 3 mil para até 9 finalistas e de R$ 10 mil para até 6 vencedores, como forma de reconhecimento por seu esforço e dedicação ao processo.

Fizemos uma seleção de boas práticas ao redor do país que conciliam pesquisa científica e política pública voltadas à primeira infância. Conheça mais aqui!

Em Niterói, projeto aposta em elementos lúdicos para promover a segurança viária de pedestres

A arte pode ajudar a tornar o trânsito mais seguro para as crianças? A Prefeitura de Niterói (RJ) apostou que sim e, com esse propósito, criou a iniciativa Arte na Faixa, como parte das ações do programa Maio Amarelo.

Investindo em elementos lúdicos e interativos, o objetivo foi chamar a atenção da sociedade para o alto índice de mortes e feridos no trânsito e incentivar campanhas para diminuir o número de acidentes e preservar vidas. Isso principalmente no contexto da primeira infância, segunda faixa etária em número de mortes no trânsito no Brasil e no mundo. 

Arte na faixa trouxe elementos lúdicos para as ruas de Niterói. Crédito: Prefeitura de Niterói

A coordenadora do departamento de educação para o trânsito da Niterói Transporte e Trânsito (Nittrans), Priscilla Rocha, conta que a ideia era, com pinturas feitas por artistas locais, tornar as faixas mais chamativas para estimular as crianças a atravessar as ruas com segurança: “Sempre podemos escrever a história, inclusive a legislação de trânsito. Eu queria mostrar que é possível fazer com que as crianças se atentem para a faixa, a respeitem e ensinem os conceitos de segurança no trânsito para as famílias”.

Detalhe de uma pintura do projeto Arte na Faixa. Crédito: Prefeitura de Niterói

O Arte na Faixa, feito pela Nittrans com apoio da rede Urban95, consistia em intervenções artísticas pintadas nas faixas de pedestres em diversos pontos da cidade. Esta é mais uma etapa de estudos e testes que irão colaborar com as Rotas Caminháveis da infância. “Contemplar uma faixa de pedestres perto de quatro unidades escolares, que abrangem a primeira infância, é fundamental para ensinar educação para o trânsito”, disse Priscilla.

Diferentes artistas da cidade participaram das intervenções lúdicas. Crédito: Prefeitura de Niterói

Os artistas explicaram seus métodos ao pintar as faixas. Marcelo Melo utilizou uma tinta especial asfáltica, dando um efeito 3D e gerando a sensação de flutuar sob os pés de quem atravessa. O artista Iori Grafitti usou palavras como respeito, amor e cuidado, necessárias para a vida e para o trânsito.

E o resultado desse esforço foi imediato, comemora Priscilla Rocha: “Todos os retornos foram muito positivos. As crianças passaram a querer atravessar na faixa porque gostaram da interação, é um processo extremamente lúdico. Além disso, o impacto extrapolou o público infantil, foi benéfico para toda a comunidade. Conseguimos dar uma nova vida às faixas sem desrespeitar a legislação”.

Detalhe de pintura em faixa de pedestre de Niterói. Crédito: Prefeitura de Niterói

Mas, afinal, escola pra quê?

No chão da escola a disputa por um brinquedo, um pedido de desculpas após um puxão de cabelo, árvore que vira nave espacial, pedra que contém a fonte do poder contra o mal, lanches e fantasias compartilhadas. São experiências como essas, que acontecem todos os dias nos centros de educação de todo o país, que ampliam os repertórios e as visões de mundo que constituem a subjetividade da criança. É no contorno das relações lúdicas de interação que a aprendizagem acontece.

Em uma sociedade que vive em caixinhas cada vez mais segregadas — dos espaços aos grupos sociais, passando pelo acesso à direitos e hábitos culturais — poder conviver com a alteridade, constituir elos apesar das diferenças e potencializar o que há em comum é revolucionário. Afinal, a que serve a tecnologia se não for à nossa humanidade? A que serve a ciência se não for para fazer do mundo um lugar melhor para todas as pessoas?

Projeto Motoca na Praça, da EMEI Armando de Arruda Pereira, na praça da República, no centro de São Paulo. Crédito: Reinaldo Canato/UOL

O artigo 205 da Constituição Federal garante o papel compartilhado da família e do Estado frente à educação das crianças. No âmbito privado acontece a socialização primária, aquela que se dá na intimidade de cada família e apresenta uma certa estabilidade dos atores e papéis, com a função de transmitir os primeiros valores e princípios ao ser humano.

Na educação escolar o indivíduo ultrapassa a redoma de seu lar para experienciar a vida na esfera pública. É lá que temos a oportunidade de, em um espaço de segurança, aprender sobre a convivência na coletividade, respeito às individualidades e princípios como democracia e participação social.

Ao mesmo tempo, uma educação pública, de qualidade e para todos, é a melhor forma de promover a equidade e diminuir o fosso da desigualdade social. Não à toa, no Brasil é atribuído ao poder público um papel único na institucionalização dos direitos, pois é ele o único capaz de assegurara unidade no acesso, conteúdo e qualidade das políticas públicas ao longo do nosso extenso território. Uma série de legislações protegem os estudantes brasileiros e garantem esse como um direito fundamental da criança.

Crianças entregam flores na praça da República, centro de São Paulo. Crédito: Reinaldo Canato/UOL

Há décadas grupos de famílias questionam a obrigatoriedade da escolarização no país. Em 2019, surgiu a proposta de regulamentar a educação domiciliar no Brasil, o homeschooling, seguindo diversos Projetos de Lei apresentados na Câmara dos Deputados ao longo dos últimos 20 anos.

De acordo com a Associação Nacional da Educação Domiciliar, cerca de 7.500 famílias adotam o homeschooling no Brasil. Os motivos para tal escolha são diversos, como a
facilidade para famílias nômades, questões de segurança, restrições religiosas, uma
experiência traumática com a escola ou a insatisfação com o modelo massificado de
educação.

Durante a atual legislatura, o tema se tornou também prioridade política, envolvendo até mesmo a necessidade de um posicionamento do Supremo Tribunal Federal. Quando a pauta da educação domiciliar seguiu finalmente para a votação na Câmara dos Deputados, o Conselho Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação, a Rede Nacional Primeira Infância, UNICEF, UNESCO e mais de 400 entidades especializadas posicionaram-se contra a regulamentação, por a entenderem como uma ameaça aos direitos constitucionais das crianças como prioridade absoluta.

São nas escolas que grande parte dos abusos e casos de violência são denunciados
primeiro e também nestes espaços que as crianças contam com outras visões de
mundo diferente daquelas de suas famílias. Elas necessitam de contato cotidiano com seus pares para que se desenvolvam de forma saudável e de profissionais especializados, com formação adequada que nem sempre seus pais e mães têm, ou podem contratar alguém que tenha.

Enquanto a regularização da educação domiciliar tramita no Congresso, as crianças
brasileiras continuam à espera de uma melhoria no acesso e qualidade de educação. Em especial aquelas que estão em seus primeiros anos de vida e necessitam de cuidados específicos e muito preciosos para seu desenvolvimento até a vida adulta.

A última estatística da PNAD, realizada em 2019, indicava entre as crianças de 0 a 3 anos uma taxa de escolarização de 35,6%, número que subiu cinco pontos percentuais na comparação com 2016. Já a pré-escola, frequentada por crianças de 4 a 5 anos, alcança a taxa de 92,9%. O Plano Nacional de Educação estipulou como sua primeira meta a universalização da educação infantil na pré-escola até 2016, e 50% de cobertura para as creches até 2024, que pela linha de evolução não será atingida no prazo.

Em paralelo à tentativa de incluir a educação domiciliar entre as práticas dos brasileiros, o governo federal instituiu políticas controversas e problemáticas, como a Política Nacional de Educação Especial e a Política Nacional de Alfabetização. Também tentou-se criar um voucher condicionado ao Auxílio Brasil para o pagamento de creches particulares, mas o projeto não passou no Congresso. O acesso à creche permanece obrigação do poder público.

É preocupante a sequência de tentativas de terceirizar os deveres do Estado para as
famílias, de desmontar políticas validadas e construídas por muitas mãos. Especialmente no contexto de intolerância e desigualdades tão extremas como no Brasil, a escola garante, dentre muitas coisas, um caminho de formação, uma fonte de alimentação balanceada e proteção contra vários tipos de violência.

Esse artigo contou com a colaboração da pedagoga Isabella Gregory, que desde 2008 estuda metodologias de participação infantil no contexto escolar e os efeitos da tecnologia. Já trabalhou na Rede Nacional Primeira Infância e, desde 2015, compõe a equipe do CECIP – Centro de Criação de Imagem Popular. Gosta muito de planilhas e passeios sem rumo. É papa-goiaba orgulhosa (natural de Niterói-RJ) e mãe do Eric.

Projeto Rotas Caminháveis é referência em política pública voltada à primeira infância em Niterói, no Rio de Janeiro

É possível criar um caminho mais seguro e saudável para as crianças chegarem à escola? 

A Rede Urban95 acaba de lançar um vídeo para divulgar o projeto Rotas Caminháveis, realizado no Barreto, bairro da zona norte de Niterói, região metropolitana do Rio de Janeiro.

A iniciativa tem o objetivo de, a partir da perspectiva da primeira infância, melhorar o caminho até as escolas numa região residencial da cidade e carente de estruturas como ciclovias.

O Rotas Caminháveis foi realizado a partir de um recurso-semente fornecido pela Rede Urban95 Brasil, aproveitando o conhecimento e a metodologia aplicados aos 24 municípios que a compõem.

Kallena Lima, assessora de projetos do Escritório de Gestão de Projetos, afirma que a inovação é inserir a criança no planejamento ativo. Cidades que consideram a primeira infância se tornam mais acessíveis, seguras e agradáveis para todos.

Crianças ganham espaços seguros para explorar a cidade com as Rotas Caminháveis. Crédito: Escola de Notícias

Para Betina Araújo, diretora de Urbanismo da Secretaria Municipal de Urbanismo, o projeto “integra o olhar das crianças”. “Você literalmente olha o que seria a experiência da criança”, acrescenta Paula Cardoso Moreira, assessora arquiteta do Escritório de Gestão de Projetos. “Isso muda para caramba a perspectiva.”

O consultor da Urban95 e arquiteto do Estúdio +1 Tiago Brito afirma que, ao abordar os trajetos, o foco foi em segurança e qualidade do ar, com o objetivo de tornar as rotas mais seguras para os pequenos.

Helena Porto, arquiteta e urbanista da Coordenadoria Niterói de Bicicleta, diz que a região tem muita solicitação de ciclovias, pois muitos moradores usam a bicicleta para ir ao centro da cidade ou mesmo ao Rio de Janeiro.

Rotas Caminháveis em Niterói. Crédito: Escola de Notícias

Planos municipais pela primeira infância ganham espaço nas prefeituras da Rede Urban95

Com apoio do Instituto da Infância (Ifan) e da Rede Urban95 Brasil, oito cidades brasileiras já têm projetos de Planos Municipais pela Primeira Infância. O encontro virtual de conclusão do projeto terminou em 28 de maio, com membros e coordenadores dos Comitês Intersetoriais de Primeira Infância das cidades de Aracaju (SE), Brasiléia (AC), Caruaru (PE), Crato (CE), Fortaleza (CE), Jundiaí (SP), Niterói (RJ) e Pelotas (RS), que elaboraram ou atualizaram seus planos após um ano e cinco meses de trabalho.

Os técnicos das prefeituras, atuantes nas áreas de saúde, educação, assistência social, cultura e outras, formaram comitês, elaboraram diagnósticos da situação da primeira infância nos municípios, e participaram de oficinas de planejamento estratégico dos planos municipais, escuta de crianças e redação. Tudo isso com a expectativa de que os planos fossem aprovados nos Conselhos Municipais de Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCAs), nas Câmaras Municipais e, por fim, recebessem a homologação das prefeituras.

Até 30 de abril, do total de dez cidades atendidas – Campinas (SP) e Ilhéus (BA) também integraram a lista –, duas conseguiram cumprir os passos e já dispõem de planos validados por seus prefeitos: Crato e Fortaleza, no Ceará.

Oficina realizada em Crato para avançar no PMPI. Crédito: Instituto da Infância

Fortaleza já possuía PMPI desde 2015. Para Márcia Dias, vice-presidente da Funci (Fundação da Criança e da Família Cidadã), órgão que coordenou o processo de atualização do Plano fortalezense junto ao IFAN, em 2021, revisitar o documento foi uma experiência mais que positiva.

Além dos Planos de Primeira Infância, os esforços do Projeto resultaram na produção de oito Diagnósticos Municipais da Primeira Infância, que apontam o perfil da situação de vida da população de 0 a 6 anos dos municípios.

O Instituto da Infância também compartilhou os resultados com parceiros que atuam na implementação de diversas ações e programas da Rede Urban95 pelo Brasil: Allma Hub Criativo, Instituto Cidades Sustentáveis, Fundação Bernard van Leer e Estúdio+1.

A partir das discussões com técnicos das prefeituras foram elaborados diagnósticos nos municípios e oficinas de planejamento estratégico. Crédito: Instituto da Infância

A equipe técnica fez intercâmbio com as organizações para entender o que elas vinham realizando em cada município. O objetivo foi contemplar tais ações no escopo dos PMPIs.

Para Luzia Laffite, coordenadora-geral da iniciativa, essa absorção das ações da Urban95 atende à necessidade básica de garantir recursos por meio do PMPI. “A nossa preocupação era exatamente incluir os programas nos Planos porque, do contrário, a gente não tem orçamento para a continuidade deles, considerando que o Plano prevê toda uma questão orçamentária do município.”

Ainda em 2022, o Projeto Planos Primeira Infância irá lançar dois conteúdos: um podcast sobre a experiência da paternidade na primeira infância e uma websérie documental destinada a prefeitos e prefeitas para sensibilizá-los a elaborar, implementar e dar sustentabilidade aos seus Planos Municipais pela Primeira Infância, como preconizado no Marco Legal da Primeira Infância (Lei 13.257 de 2016).

Com nove episódios, o podcast “Caminhos” tem produção executiva da Acere e será lançado em agosto deste ano, no Dia dos Pais, na internet, em plataforma de streaming a ser definida. Já a websérie, com quatro episódios, tem produção do Estúdio VOA e será disponibilizada no canal de YouTube do IFAN até o fim deste mês de maio. 

Moradores de Jundiaí comemoram a transformação de espaços públicos degradados em parques naturalizados

As cidades que fazem parte da Rede Urban95 Brasil têm se destacado na transformação de espaços urbanos em áreas de lazer totalmente adaptadas para a primeira infância e suas famílias. Faz parte da filosofia do projeto aproximar as cidades e suas crianças da natureza, um dos grandes desafios enfrentados por gestores públicos, principalmente nos grandes centros.

Uma amostra dessa experiência está no vídeo  que acaba de ser divulgado e que retrata o Projeto Pé de Infância, realizado em um parque naturalizado em Jundiaí, em São Paulo, em parceria com a prefeitura local. O espaço está localizado no Mundo das Crianças, um parque da cidade que estimula o contato e a interação com a natureza, o brincar, a experiência com esportes, lazer, cultura e vivências de aprendizagens.

“O Pé de Infância convida adultos cuidadores, a gestão, e até quem não é um cuidador, a olhar pela ótica de uma criança com até 95cm de altura. Na nossa rotina, esse é um aspecto que passa despercebido, e não nos damos conta de como é a cidade vista através desses 95cm. Então, a partir do momento em que você se coloca no lugar dessa criança, seu olhar em relação à cidade muda, e é esse convite que queremos fazer”, explica Mariana Pedrosa, do Allma Hub, idealizador do Projeto Pé de Infância.

A Rede Urban95, iniciativa da Fundação Bernard van Leer, forneceu recursos-sementes para implementar e executar o projeto Pé de Infância na cidade, além dos conteúdos e conceitos sobre como reaproveitar terrenos e transformá-los em áreas de lazer e voltadas ao desenvolvimento das crianças. Segundo Marcelo Peroni, gestor de Cultura de Jundiaí, o Pé de Infância é um programa que tem como expectativa a mudança de comportamento e começa com intervenções urbanas, imagens, mensagens transmitidas pelas pessoas e principalmente para os cuidadores, para que eles comecem a observar o quão potente é essa fase da primeira infância.

Praças ganham pinturas coloridas e atraem famílias para uma ocupação mais lúdica da cidade. Crédito: Prefeitura de Jundiaí

“A importância de trabalhar a primeira infância no município é o olhar estratégico da construção de uma cidade que visa o seu futuro e não há como imaginar a construção de um bom futuro que não seja através dos investimentos sólidos nessa fase”, comenta Luiz Fernando Machado, prefeito de Jundiaí. Através de uma caixa de ferramentas que é entregue para os municípios, o projeto reforça a importância de brincar mais com as crianças, contar mais histórias e cantar mais para esses pequenos.

O projeto foi desenvolvido para valorizar o que é simples por meio de cada uma das atividades, seja em um ponto de ônibus, em uma praça pública ou em uma via, ou seja, valoriza o relacionamento lúdico com a criança, a partir de conteúdos fornecidos pela Rede Urban95, que o enriquecem, proporcionando desafios aos limites da primeira infância. “Brincar junto com o filho cria um vínculo e uma memória afetiva na vida deles. Estamos em um bairro que tem um espaço totalmente pensado para as crianças, com brinquedos apropriados para elas, então, não é só dentro do parque, mas sim na cidade como um todo”, fala Letizia Sales, moradora da cidade de Jundiaí.

Pé de Infância também apoiou intervenções nos pontos de ônibus da cidade. Crédito: Prefeitura de Jundiaí

Marcelo Peroni comenta que o parque Mundo das Crianças se conecta com os pequenos moradores por meio de mensagens transmitidas em toda a estrutura montada pela cidade. “A partir do momento em que viramos a chave e enxergamos o quanto a cidade melhora quando a gente olha para a primeira infância, abrimos o horizonte para ver o quanto a nossa cidade está sendo acolhedora quando é vista pela ótica das suas crianças”, finaliza.

Cidades da Rede Urban95 fazem curso de INSEAD sobre Ciência Comportamental com foco na Primeira Infância

As cidades de Teresina, Sobral, Niterói e Benevides, que fazem parte da Rede Urban95, e integrantes da equipe do governo do estado do Ceará, participarão do curso “Aplicando Ciência Comportamental para a Primeira Infância”, realizado pela rede e em uma parceria da INSEAD com a Fundação Bernard van Leer.

A semana de curso presencial começou nesta segunda-feira (30/5) e se estenderá até o dia 3 de junho, em São Paulo. O Programa ABC for EDC tem atividades teóricas e práticas para apoiar as cidades nas transformações que podem mudar ações e comportamentos voltados a este público. 

Equipes das cidades exploram livros e jogos infantis voltados à mudança de comportamento com a primeira infância.

Além das cidades que fazem parte da rede, há convidados de diversos países da América Latina. O encontro está sendo intenso e dinâmico, cada grupo escolhe um comportamento característico da Primeira Infância para criar intervenções para modificação desses comportamentos. Os participantes devem marcar presença durante todo o programa. 

Após o término do curso, cada cidade receberá apoio de uma consultoria especializada por um período de três meses para que possam desenvolver o projeto de forma assertiva e considerando as especificidades de cada cidade.

Atividade do Programa ABC for ECD.

“É muito importante entender de que forma essas intervenções podem modificar o olhar de uma criança em relação à sua cidade, ao espaço em que habita, consequentemente, modificando e moldando o comportamento desde a fase da Primeira Infância. Criar esses projetos é uma tarefa árdua e que exige muito estudo da região e sua comunidade. Por esse motivo, esse curso se mostra essencial para gestões que desejam desenvolver esse tipo de projeto”, comenta Claudia Vidigal, representante da Fundação Bernard van Leer no Brasil

As parceiras “Descobrir Brincando”, “CECIP”, “Sesame Street” e “Estúdio +1” também estarão presentes durante toda a programação da semana.

Uma escola de mães na capital de Roraima

Mães de primeira viagem, Glauciane e Yarithza compartilham todas as mudanças que um bebê traz para o cotidiano da família, mesmo antes de nascer. Melhorar a alimentação, preparar o enxoval, mas também informar a família expandida, conhecer os cuidados durante o puerpério e todo o aprendizado que envolve cuidar de um novo integrante na família. Em comum, ambas também frequentam a sede do Família que Acolhe (FQA), que funciona desde 2013 em Boa Vista, capital de Roraima. O programa de saúde integral hoje conta com pontos de acolhimento por toda a cidade, descentralizando o atendimento para se aproximar de um número cada vez maior de famílias.

Em encontros quinzenais, as gestantes e novas mães (além dos pais, avós e demais cuidadores) conhecem outras famílias da cidade com crianças de idade semelhante, participam de palestras sobre parentalidade positiva e cuidados com o bebê, contam com atendimento de médicos especializados e, até mesmo, recebem um kit enxoval quando se aproxima o nascimento. Com exceção das mães adolescentes, que podem ingressar no projeto em qualquer momento da gravidez, o FQA inicia o trabalho com gestantes de até 21 semanas, garantindo que o atendimento precoce seja integral e acompanhe todo o pré-natal.

O objetivo é que qualquer intervenção necessária aconteça no tempo certo, propiciando que os bebês usufruam de um desenvolvimento integral enquanto ainda estão na barriga e após o nascimento. Para acompanhar as necessidades em cada fase da gestação e dos primeiros anos de vida, uma caderneta do bebê é entregue a cada uma das participantes do programa, onde podem anotar os dados da criança e os dias de consultas e encontros em grupo, mas também personalizar com foto, informações de peso, altura e horário de nascimento.

Glauciane tem 26 anos e está gestante de quatro meses de seu primeiro bebê, que ainda desconhece o sexo. Frequenta o Família que Acolhe há alguns meses, desde que ficou sabendo da gestação planejada com o marido. Por lá aprendeu sobre a importância de melhorar seus hábitos alimentares, fazer exercícios físicos durante toda a gravidez e garantir a amamentação exclusiva pelos primeiros seis meses do bebê. Mas, para além dos cuidados médicos, é o sentimento de grupo que conquistou a nova mãe.

“É realmente uma família que acolhe. É um projeto incrível e uma verdadeira oportunidade estar aqui. Aprendi bastante e vou continuar vindo, daqui uns anos, por conta da criança. O cuidado de uma criança, para mim, é todo novo. Eu imagino trazendo ele também para os encontros, ou ela, porque aqui a gente tem vários cuidados com médico, pediatra e esse espaço lindo para as crianças brincarem”, conta em entrevista para a coluna, realizada na brinquedoteca do Família que Acolhe. Com piso emborrachado, as crianças podem ficar livres para explorar brinquedos de madeira, animais em pelúcia e outras atividades em uma sala exclusiva para a exploração delas.

Já Yarithza é mãe do pequeno Arthur, que com apenas dois meses já encheu sua jovem mãe de novos aprendizados. Com apenas 21 anos, ela já ensinou, até mesmo para sua experiente avó, que não existe leite materno fraco e que os recém-nascidos não precisam tomar água, nem chá. Com as descobertas de uma nova forma de maternar, ela compartilha as lições que recebeu no FQA também com a vizinha que acaba de ter um bebê, muitas vezes contradizendo as antigas gerações de mães da família.

Como começou a participar do projeto durante a pandemia, Yarithza contou com um acompanhamento online durante a gravidez, mas mantendo o cronograma de encontros e aprendendo dicas de cuidado com vídeos interativos compartilhados com seu grupo de mães. Nos encontros virtuais tirava dúvidas e escutava a experiência de outras mães e cuidadores, com continuidade no grupo de whatsapp que criaram.

“Sou mãe de primeira viagem e meu mundo sobre maternidade era muito pequeno, eu não sabia quase nada sobre o assunto. Aprendi muito sobre como ficar tranquila na gravidez e em relação ao puerpério. O meu planejamento era ter o nenê, mas fora isso eu não tinha nada planejado. Além de ter benefícios nas questões do futuro, de aleitamento, de creche, o convívio é uma experiência muito boa”, destaca a nova mãe.

A partir dos 12 meses o programa garante o fornecimento de leite para os bebês e, quando chega a idade escolar, acompanham a matrícula em creches municipais, tudo coordenado pelo cadastro único da prefeitura. Fruto do esforço de integração entre várias secretarias, o FQA é uma vitrine da Prefeitura de Boa Vista e já inspirou outras cidades do país. Seus benefícios são uma forma de atrair as novas famílias e garantir o seguimento nas reuniões em grupo.

“Eu tinha muita ausência de verdura, fibras, doces que eu não tinha muita ideia, e as reuniões ensinaram que eu não podia comer de forma exagerada. Eu comecei a me cuidar melhor por conta das reuniões, diabete gestacional, pré-eclâmpsia, hipertensão, são coisas que eu vim aprendendo no programa. Todas essas experiências eu consegui por conta das reuniões. A primeira mudança que eu achei foi o acolhimento. Aqui a gente consegue tanto conhecer as experiências de outras como falar das próprias experiências, e isso é muito bom, principalmente para quem não tem aquele acompanhamento de família. Eu aprendi aqui que a primeira infância é desde quando ele nasce, é tudo que ele aprende. São as primeiras coisinhas que ele vem fazendo, aquela primeira conexão, aquele primeiro laço”, completa Yaritzha.

Chamada de capital brasileira da primeira infância, Boa Vista tem um histórico de programas e intervenções urbanas com foco no desenvolvimento dos pequenos cidadãos, ainda nos primeiros anos de vida. O Família que Acolhe é uma destas referências e, prestes a completar 10 anos de atuação na cidade, dá exemplo de acolhimento e cuidado integral. A parentalidade construída coletivamente traz benefícios para as crianças, as famílias e toda a comunidade, sem diminuir o papel da gestão pública como indutor de processos e fornecedor da infraestrutura para tal.

Em vídeo, moradores de Fortaleza comemoram a transformação de espaços públicos degradados em parques naturalizados

Aproximar as cidades e suas crianças da natureza é um dos grandes desafios dos gestores públicos, principalmente nos grandes centros. Mas as histórias emocionantes que temos acompanhado nas cidades que fazem parte da Rede Urban95 Brasil mostram que é possível transformar espaços urbanos em áreas de lazer totalmente adaptadas à primeira infância e suas famílias. 

Uma amostra dessa experiência está no vídeo que acaba de ser lançado e que retrata o projeto-piloto de parques naturalizados lançados em Fortaleza, no Ceará, em parceria com a prefeitura local. São dois locais já em pleno funcionamento: o Micro Parque José Leon, na Cidade dos Funcionários, e o Micro Parque Seu Zequinha, na Barra do Ceará.

A Rede Urban95, iniciativa da Fundação Bernard van Leer, forneceu recursos-sementes para implantar os parques, além dos conteúdos e conceitos sobre como reaproveitar terrenos e transformá-los em áreas de lazer e voltadas ao desenvolvimento das crianças, explica Mariana Carvalho Gomes, gerente de projetos e planejadora urbana da Fundação de Ciência, Tecnologia e Inovação de Fortaleza (Citinova).

Segundo ela, a Barra do Ceará, na periferia oeste, é uma das regiões mais densas de Fortaleza, com baixo IDH (Índice de Desenvolvimento Urbano) e com comunidades vulneráveis. O parque criado na região, diz Mariana, parte do princípio que o contato com a natureza é importante para o desenvolvimento infantil, espaço de encontro para as crianças. 

“Tudo é uma oportunidade de brincar, a gente não faz as coisas todas montadinhas, prontinhas, e ele explora, e isso é bom para a criança”, explica Mariana.

O projeto foi desenvolvido a partir de conteúdos fornecidos pela Rede Urban95, que o enriqueceram, proporcionando desafios aos limites das crianças. “A gente não entrega só uma área verde, a gente entrega uma área verde com usos, espaços de estar, brinquedos, a população se apropria e aí sim ela é convidada a entrar na natureza e a partir daí construir outras coisas”, diz.

Luiz Alberto Sabóia, presidente da fundação, afirma que a intenção é criar 40 equipamentos semelhantes na cidade. Ele explica que é um equipamento singelo, mas com muita inovação. “É um conceito simples, mas que muda a vida de quem mora no entorno.” Segundo ele, o Micro Parque Seu Zequinha era um espaço de lixo, sem vida comunitária. O projeto manteve a topografia original do terreno, reflorestou com árvores nativas e frutíferas e recuperou o manancial hídrico. 

Maria Cleani Pereira da Silva, moradora da Barra do Ceará, afirma que o local tinha muito mato, numa área escura. “Não tinha vida. Agora as crianças podem interagir e aproveitar a natureza”, comemora.

Guilherme Blauth, consultor da Rede Urban95, explica que os parques naturalizados são áreas verdes baseadas em um urbanismo e um paisagismo com elementos naturais, de preferência com árvores locais. Parte dos mobiliários e 18 brinquedos foram feitos a partir de 5 toneladas de resíduos orgânicos reciclados.

Para José Elcio Batista, vice-prefeito de Fortaleza, o projeto traz benefícios de múltiplas ordens para a cidade, dando como exemplo a questão da segurança pública. “Quando você recupera áreas degradadas, e o cidadão passa a ocupar, a sensação de segurança tende a aumentar”, diz.

A moradora Francisca Liduina Carlos Damasceno afirma que antes do Seu Zequinha as crianças não tinham lazer, porque “a gente tinha medo de soltar na rua”. “Tá uma maravilha, tá tudo de bom, tá vindo gente de fora dizendo, ‘gente, como mudou, como tá lindo'”, comemora.

Assista na íntegra o vídeo sobre a experiência de Fortaleza com os parques naturalizados:

Prefeitura de Recife lança espaços para aproximar crianças da leitura

As primeiras experiências do ser humano com o mundo acontecem na infância e deixam a sua marca, ajudando a construir a identidade de cada um, desde os primeiros passos. Com o objetivo de estimular o crescimento e o desenvolvimento nos primeiros anos de vida, a Prefeitura de Recife, juntamente com a Agência de Recife para Inovação e Estratégia (ARIES), instalou cinco Espaços de Leitura em comunidades atendidas pelo Programa Mais Vida nos Morros, que aliam infância, natureza e leitura. O projeto foi realizado por meio da Secretaria Executiva de Inovação Urbana e apoio da Fundação Bernard van Leer.

Espaço de leitura recebe crianças em Recife. Créditos: Edson Holanda

Com os espaços, as comunidades poderão trabalhar o fortalecimento dos vínculos entre a criança e o adulto de referência, ajudando no aumento do vocabulário de palavras, desenvolvimento da imaginação e da oralidade, além de oferecer um local agradável, lúdico e com toques da natureza para despertar os sentidos dos pequenos leitores.

Uma das primeiras contempladas pela iniciativa é a comunidade de Brasília Teimosa. Além dela, os novos equipamentos estão localizados estrategicamente em áreas do Mais Vida nos Morros perto das escolas municipais, em praças nos bairros de: Campo Grande, Iputinga, Morro da Conceição e Tejipió, ou seja, cinco das seis RPAs que existem no Recife foram contempladas, reforçando o objetivo de levar educação e equipamentos de qualidade para todas as áreas da cidade.

Lançamento do novo espaço de leitura recebeu atividade de contação de histórias. Créditos: Edson Holanda

“A ideia do projeto é envolver toda a comunidade em torno dos espaços, além de auxiliar no desenvolvimento das crianças desde a infância, para que elas criem a sua própria identidade por meio das experiências vivenciadas desde os primeiros passos”, comenta Camila Lopes, gestora do Projeto Primeiro a Infância (ARIES).

Os espaços são lúdicos e encantam o olhar das crianças ao redor. Cada local tem um módulo no formato de livro com a finalidade de incentivar a leitura na primeira infância, meta principal do projeto. É nesse grande livro que pode ser encontrado o acervo de edições disponíveis e com fácil acesso assim que é aberto.

Livros ficam à disposição das crianças. Créditos: Edson Holanda

Em cada comunidade, a composição dos espaços varia contendo banco, jardineira e abrigo. Em alguns deles, as ilustrações realizadas para a arte urbana tiveram a participação das crianças e dos moradores. Todos os livros disponíveis nos Espaços de Leitura foram doados pela Secretaria Executiva para a Primeira Infância e pela ARIES.

Em Boa Vista, municípios participam do primeiro encontro de cidades em prol da Primeira Infância

Depois de quase dois anos de atuação coletiva, trabalho em parceria e muita troca de experiências virtuais, os municípios que compõem a Rede Urban95 Brasil participaram, na última terça (17) e quarta-feira (18), do 1º Encontro da Rede Urban95 Brasil. O evento foi sediado por Boa Vista, capital de Roraima, que é referência internacional na descentralização de políticas públicas para as primeiras etapas da jornada da infância nos territórios diversos da cidade.

Cláudia Vidigal, durante a cerimônia de abertura do evento. Crédito: Andrezza Mariot – PMBV

Prefeitos, vice-prefeitos, secretários e técnicos de 23 cidades que compõem a Rede trocaram experiências e conheceram programas e serviços que deram à Boa Vista o título de Capital da Primeira Infância. O evento teve apoio da prefeitura local, Centro de Criação de Imagem Popular (CECIP) e Instituto Cidades Sustentáveis (ICS) e foi realizado pela Fundação Bernard van Leer e AVSI Brasil. A abertura oficial aconteceu no Teatro Municipal de Boa Vista, na manhã de terça-feira.

“Não é por acaso que esse primeiro encontro aconteceu aqui em Boa Vista, cidade pioneira da Rede junto com Recife e São Paulo. Era muito importante para nós mostrar a diversidade das cidades brasileiras e, portanto, mostrar como essa cidade amazônica conseguiu implementar programas integrados, integrais e intersetoriais de primeira infância”, conta Cláudia Vidigal, representante da Fundação Bernard van Leer no Brasil.

As equipes das cidades visitaram ações e projetos de referência para a primeira infância, como o Programa Família que Acolhe. Crédito: Pedro Medeiros

A programação do primeiro encontro presencial da Rede incluiu espaços para troca de experiências e lições aprendidas no processo de priorização das crianças no planejamento urbano que têm acontecido nas 23 cidades. Os representantes da Rede foram convidados a conhecer serviços e políticas públicas de Boa Vista pensadas para a Primeira Infância, como o Programa Família que Acolhe (FQA), referência nacional em cuidado com gestantes e crianças pequenas.

Além da sede do FQA, as visitas também incluíram uma creche modelo, o SPA do Bebê, localizado em uma unidade básica de saúde do Família Que Acolhe, o parque aquático e interativo da Praça do Nova Cidade e o Centro de Ciência, Tecnologia e Inovação de Boa Vista, onde são trabalhados dados e indicadores sobre primeira infância na cidade.

Prefeito de Jundiaí durante visita à creche modelo de Boa Vista. Crédito: Pedro Medeiros – Escola de Notícias

As visitas técnicas incluíram as instalações do SPA do bebê, espaço de socialização de bebês e cuidadores, intervenções urbanísticas voltadas para a 1ª Infância e programas com uso de tecnologia e análise de dados para promover serviços mais bem distribuídos.

“Participar do 1º Encontro Urban95 Brasil foi uma das experiências mais fantásticas da minha vida, tanto pessoal quanto profissionalmente. Além de tudo, foi um encontro de amor, um amor verdadeiro pelo próximo e de querer o bem. Tive a oportunidade de apresentar o projeto Ruas brincantes nas salas temáticas. Um dos momentos mais significativos do encontro, onde tivemos oportunidade de ver na prática o que os outros municípios estão fazendo”, compartilhou Lívia Barbosa, diretora de cultura em Uruçuca (BA).

“Tivemos a possibilidade de entender os desafios e oportunidades de cada uma das cidades. Falamos de serviços e como podemos avançar, também sobre a importância da mobilidade, independente da escala da cidade, como pensar em segurança e caminhos lúdicos. Tudo isso faz parte das políticas públicas, com olhar da primeira infância”, completou Claudio de Faria Rodrigues, secretário de Planejamento e Urbanismo de Mogi das Cruzes (SP).

Além das cidades Urban95, participaram do evento representantes da Fundação Bernard van Leer e dos parceiros: AVSI, Centro de Criação de Imagem Popular (Cecip), Instituto Cidades Sustentáveis (ICS), Instituto de Tecnologias Geo-sociais (ITGS), Estúdio +1, Ateliê Navio, Allma Hub, Descobrir Brincando, Agência Recife para Inovação e Estratégia (ARIES) e o Instituto Alana.

Cidades apresentaram suas experiências durante o segundo dia de evento. Crédito: Pedro Medeiros – Escola de Notícias

Durante a programação do encontro também foram lançadas publicações voltadas para gestores, estudiosos e especialistas nos temas ligados à primeira infância. A ex-prefeita de Boa Vista, Teresa Surita, lançou o livro de sua autoria “A primeira infância é para sempre: guia de políticas públicas para crianças de 0 a 6 anos”, e a Global Designing Cities Initiative apresentou o guia “Desenhando Ruas para Crianças”, em sua versão em português. A iniciativa é parceira da Urban95 em diversos países e já prestou assessoria para cidades da Rede.

Outros nomes importantes também marcaram presença como o Prefeito da capital Boa Vista, Arthur Henrique Machado; Luiz Fernando Machado, Prefeito de Jundiaí (SP); Dalmy Crisóstomo da Silva, Prefeito de Alcinópolis (MS); Luziane Solon Oliveira, Prefeita de Benevides (PA); e Aldalice Nogueira Brasil, Primeira-dama do Crato (CE).

Evento reuniu 23 das cidades que compõe a Rede Urban95 Brasil. Crédito: Pedro Medeiros – Escola de Notícias

Cidades brasileiras participam de imersão em políticas públicas voltadas à primeira infância em em Londres

Representantes das cidades brasileiras de Caruaru (PE) e Fortaleza (CE) vivenciaram uma experiência única com gestores públicos de diversas partes do mundo. A Fundação Bernard van Leer promoveu, de 8 a 13 de maio, em Londres, na Inglaterra, a Urban95 Academy, um programa de educação para administradores municipais voltado para criar cidades melhores para a primeira infância.

Os municípios brasileiros foram escolhidos para compor o grupo de 11 cidades de diversos países que apresentam soluções promissoras para melhorar a qualidade de vida de suas crianças e famílias.

A equipe de Fortaleza foi composta de Elcio Batista, Vice-prefeito da cidade; José Iraguassu Teixeira Filho, presidente da FUNCI, e Tais Barreto Costa, coordenadora de programas especiais na Citinova. De Caruaru, estiveram presentes os técnicos da prefeitura Swami Lima, Julianne Pepeu e Carolina Cabral.

O curso teve como conteúdos estratégias, campanhas de comunicação e planos de implementação para políticas para crianças pequenas, com assessoria de parceiros técnicos da Van Leer. Também serviu para ampliação de network e para explorar a cidade de Londres da perspectiva dos pequenos.

Walking tour com Tim Gill e Liz Kessler em Londres

Segundo a Urban95, hoje mais de um bilhão de crianças crescem em áreas urbanas. E cidades podem ser um lugar maravilhoso para viver, mas também podem significar sérios desafios para o bem-estar de bebês, crianças e dos quem cuida deles – da falta de contato com a natureza à ausência de lugares para brincar, passando pela poluição do ar e pelo isolamento social.

A Urban95 Academy é um programa de liderança feito para administradores municipais aprenderem e desenvolverem cidades melhores para a primeira infância. A iniciativa é uma parceria entre a Van Leer e a London School of Economics and Political Science.

Cidades se reúnem para discutir o planejamento das cidades com foco n primeira infância.

Foram seis semanas de curso online, iniciado em janeiro, e uma semana presencial, encerrada na última sexta-feira. Na fase virtual, foram discutidos conteúdos de planejamento, projeto, políticas e programas voltados à infância e o uso do espaço público, planejamento de bairro, mobilidade e transporte. Também foram desenvolvidas análises, estratégias e habilidades de liderança.

O programa se baseia em pontos importantes para criar cidades para crianças:  foco no bem estar, na igualdade, no cuidado e na proximidade geográfica, e também no princípio de que se um espaço é saudável, seguro, limpo e interessante para bebês, ele será para todos.

Vice-prefeito de Fortaleza, Elcio Batista, experimenta o deslocamento na cidade com um carrinho de bebê.

As cidades que completam o programa são convidadas para integrar a rede global da Urban95 e também se habilitam para receber suporte técnico adicional da Fundação Bernard van Leer e de seus parceiros. No Brasil, 24 cidades já participam, e o programa tem abertura para receber novos integrantes.

Como vivem as crianças venezuelanas que buscam abrigo no Brasil?

A crise econômica e social na Venezuela transformou Boa Vista na principal porta de entrada para os imigrantes que chegam ao país em busca de oportunidades. Entre 2015 e 2017, o número de venezuelanos no Brasil cresceu mais de 900%, fazendo do país o quinto na América Latina em número total de refugiados. Com uma população estimada em pouco mais de 430 mil habitantes, a capital de Roraima viu crescer a pressão sobre suas escolas, hospitais, sistema de moradia e diversos serviços de assistência social.

A maternidade pública da cidade assistiu ao dobro de partos em um período de doze
meses, e a prefeitura teve de contar com apoio de agências internacionais para amortecer o impacto do crescimento acelerado da demanda por necessidades básicas dessa população. Acolhidos em abrigos temporários, organizados pela prefeitura em parceria com as Forças Armadas e a ACNUR (a agência para refugiados da ONU), recebem apoio jurídico e assistência para alcançar os direitos civis que ganham ao chegar ao Brasil. Além da emissão de CPF, podem solicitar visto de permanência e mesmo a inscrição em programas como o Bolsa Família.

No caso das crianças, a situação é sempre mais delicada, já que um conjunto de
vulnerabilidades se soma às experiências desses pequenos cidadãos. Projeções apontam que 1,5 mil venezuelanos estão em situação de rua na capital, entre os quais cerca de um terço tem menos de 18 anos. Nascidas em um contexto de dificuldades extremas, contam com os serviços oferecidos no Brasil para se desenvolverem nos importantes anos de sua formação.

Conhecida como Capital da Primeira Infância, Boa Vista desenvolveu uma série de
programas de referência no atendimento a gestantes e crianças pequenas, com destaque para o Família Que Acolhe (FQA). Em funcionamento desde 2013, é uma política pública que integra serviços da prefeitura para manter o acompanhamento das famílias da gestação aos seis anos. Já consolidado quando da explosão da crise migratória em 2017, o programa se viu obrigado a adaptar o atendimento para receber as estrangeiras, muitas das quais já chegaram ao Brasil em um momento avançado da gestação.

Uma facilitadora venezuelana foi contratada para estreitar o diálogo com as novas famílias e, com o apoio da Unicef e de organizações sociais que já atuavam na cidade, um grupo específico de venezuelanos foi criado no FQA. O tempo mostrou que a integração na sociedade também era uma demanda urgente e, com a intensificação da xenofobia, chegou-se à conclusão de que o melhor seria estabelecer grupos mistos. Essa decisão ajudou, inclusive, na adaptação das novas famílias à língua, à cultura e à vida na cidade.

Amarelinha do Família Que Acolhe. Foto: Fernando Teixeira

Andréia Neres é a titular da Secretaria Municipal de Projetos Especiais, que coordena hoje o programa no município, e conta que foram necessárias diversas adaptações para atender às demandas da nova população. E que, hoje, 22% das 1560 famílias cadastradas no Família que Acolhe são de origem venezuelana. Até junho de 2021, mais de 22 mil gestações já tinham sido acompanhadas no município, das quais pouco mais de 3 mil eram de mães venezuelanas.

“Nós entendemos que não é uma ação assistencialista, é um programa integral que atua e tem uma parceria muito forte com outras secretarias, como Saúde, Educação, Obras e Comunicação. Todo mundo participa de alguma forma do programa. Quando iniciamos a ideia era basicamente cuidar das adolescentes, aí surgiu a necessidade de olhar para outros grupos de mães e a gente foi ampliando”, explica.

O programa foi evoluindo e, com a chegada de crianças venezuelanas, novos desafios
surgiram. “No começo do atendimento havia dificuldade até mesmo de entrar nos abrigos e localizar as gestantes que precisavam de apoio, pois eram espaços grandes, com mais de seis mil pessoas. Conseguimos descentralizar os atendimentos, que hoje ocorrem também no Cras, uma forma de expandir o atendimento para a população em geral, completa Andréia.”

Hoje a cidade conta com sete abrigos estabelecidos, sendo dois deles voltados a
populações indígenas. A visitação domiciliar realizada a partir do “Criança Feliz”, do
Governo Federal, também teve sua metodologia aplicada com adaptações, permitindo uma atenção mais estruturada, contemplando muitas das famílias venezuelanas na cidade. O desafio da imigração permanece para aqueles que buscam fontes de renda, emprego digno e o acesso pleno a seus direitos, mas aos poucos a receptividade na experiência de Boa Vista nos lembra do poder da gestão integrada e das parcerias. O que foi fundamental em um momento de crise serve como inspiração para as políticas de todos os tempos.

Capital da primeira infância: Como políticas públicas transformaram Boa Vista (RR) em uma cidade para as crianças

Ao andar pelas ruas planas de Boa Vista (RR), o compromisso com a primeira infância é visível: praças convidam crianças a se conectar com a natureza; coloridos caminhos da primeira infância conectam serviços em trajetos lúdicos e arborizados; e nos equipamentos de saúde, educação e assistência, a primeira infância é prioridade absoluta.

Este compromisso irrevogável com as infâncias começa com uma política pública: o Programa Família que Acolhe (FQA) foi instituído em 2013 pela então prefeita Teresa Surita, na lei nº 1.545, com a missão de garantir o desenvolvimento integral das crianças a partir de ações intersetoriais para primeira infância e seus cuidadores, com especial atenção para gestantes e puérperas.

“Costumamos dizer que existe um antes e um depois do Programa Família que Acolhe”, explica Andréia Neres, secretária municipal de projetos especiais. “O programa conseguiu contextualizar a importância da primeira infância para toda a gestão, e isso reverberou na sociedade e nos espaços públicos. Se você falar sobre primeira infância em qualquer lugar da cidade, hoje a população tem entendimento do quanto é importante o cuidado nesta fase da vida.”

Intervenções urbanísticas facilitam deslocamento e fruição da cidade pelas infâncias em Boa Vista (RR) / Crédito: Fernando Teixeira.

Para tornar Boa Vista a capital da primeira infância, mudanças se deram em espaços urbanos e nos atendimentos básicos oferecidos pela rede. 

Boa Vista é uma cidade de formação recente, com 131 anos de idade. Com malha urbana planejada, a formação de suas ruas é radial, convergindo para o centro da cidade. “É uma cidade horizontalizada, praticamente não temos construções verticais. A densidade demográfica é muito baixa, o que permite que as pessoas tenham acesso ao centro com mais facilidade do que outros centros urbanos”, detalha Leonardo Paradela, presidente da Empresa de Desenvolvimento Urbano e Habitacional (EMHUR).

Embora o planejamento urbano da cidade já incentive a mobilidade pedestal e a fruição de espaços da natureza, a consolidação do Programa Família que Acolhe (FQA) gerou uma transformação vital: a perspectiva das crianças sobre os espaços ganhou lugar e alterou a forma como praças e ruas são pensadas.

“A partir da inclusão da cidade na Rede Urban95, agregamos novos conceitos no urbanismo para fazer a criança usufruir do espaço público, interagindo e crescendo nele. Além das praças, implementamos caminhos da primeira infância, para que crianças e seus cuidadores percorram trajetos arborizados e lúdicos”, relata Leonardo.

Conheças estas e outras iniciativas que conferem à Boa Vista o título de capital brasileira da primeira infância: 

Programa Família que Acolhe (FQA): O programa intersetorial principia a mudança de paradigma sobre primeira infância na cidade. As famílias beneficiárias são convidadas a participar de momentos formativos sobre cuidados na primeira infância, e também recebem uma série de benefícios, como o enxoval e garantia de vagas nas Casas Mãe. O atendimento acontece tanto em grupos – os chamados Grupos FQA – como também em domicílio. Embora no início do programa os serviços tenham se concentrado na sede, nos últimos anos equipamentos de assistência social, saúde e educação também realizam atendimento, primando pela descentralização e pela intersetorialidade da política pública. Os cuidadores têm à sua disposição uma teia de atendimentos de saúde, como acompanhamento psicológico, ortodontia e outras áreas.

Na foto, sede do programa Família que Acolhe (FQA), política pública pioneira em atenção básica e que arvorou as perspectivas de primeira infância para toda a cidade / Crédito: Fernando Teixeira.

Universidade do Bebê: Parte do programa FQA, a Universidade do Bebê é um programa onde os grupos de gestantes, puérperas e cuidadores se reúnem quinzenalmente para aulas sobre temas como parentalidade positiva, fortalecimento de vínculo, estímulo ao desenvolvimento da criança, a brincadeiras e à leitura.

Projeto Selvinha Amazônica: Oito praças da cidade recebem a intervenção urbanística chamada Selvinha Amazônica. Os brinquedos visam aproximar as crianças da fauna e flora do bioma, estimulando o brincar e a conexão com a natureza. A maior delas, no Parque Rio Branco, tem mais de 160 instalações.

Caminhos da Primeira Infância: Próximo à Praça da Primeira Infância Clotilde Tereza Duarte de Oliveira, no bairro Nova Cidade, está o projeto-piloto de travessia segura para crianças e adultos. A ideia é interconectar serviços como creches e UBS em trajetos que ofereçam ludicidade e também contato com espaços verdes.

Casas Mãe: Localizadas em diversos pontos de Boa Vista, as Casas Mãe são espaços de educação para crianças de 2 a 4 anos cujas famílias participam do programa Família que Acolhe (FQA).

Sistema Cidade Social: Em parceria com a Fundação Bernard van Leer e com a AVSI Brasil, a prefeitura da cidade aposta em coleta e monitoramento de dados para melhorar os serviços do programa Família que Acolhe (FQA) e pautar as próximas ações da política pública.

Abrigos de ônibus adaptados: Para incentivar mudanças de comportamento e trazer a primeira infância como pauta para a cidade, alguns pontos de ônibus passaram por transformações, adicionando elementos lúdicos e acessibilidade.

 

1º Encontro Urban95 Brasil.

Nos dias 17 e 18 de maio, representantes das 24 cidades que compõem a rede terão a oportunidade de conhecer de perto estes e outros programas e serviços de Boa Vista durante o 1º Encontro Urban95 Brasil. Toda a visita poderá ser acompanhada em tempo real pelo Instagram da rede Urban95. Acesse: @Urban95br

 

Conhecendo o Programa Família que Acolhe – Apoio às famílias desde a gestação

Todos os dias, gestantes, cuidadores, puérperas e crianças de Boa Vista (RR) frequentam os serviços do programa Família que Acolhe (FQA). Em espaços como a Universidade do Bebê ou em outros equipamentos que aplicam a política pública, essas famílias aprendem e compartilham experiências sobre cuidados na primeira infância.

O programa, referência no Brasil e no mundo, foi tema do webinar “Conhecendo o Programa Família que Acolhe (FQA) – Apoio às famílias desde a gestação”, que aconteceu no dia 27 de abril e reuniu representantes das 24 cidades da Rede Urban95.

Programa Família que Acolhe (FQA) orienta gestantes, cuidadores e puérperas nos cuidados da primeira infância / Crédito: Prefeitura de Boa Vista

Andréia Neres, secretária municipal de projetos especiais, compartilhou como o programa tem evoluído sua metodologia ao longo dos oito anos de funcionamento, se adaptando às diferentes realidades de quase 8 mil beneficiários: “O Família que Acolhe tem por objetivo promover o desenvolvimento integral das crianças e o fortalecimento dos vínculos, entre elas e os cuidadores, em um ambiente saudável e de interações positivas. O público alvo é a criança e a sua rede de cuidadores, desde a gestação até os 6 anos de vida.”

A adesão de mães – e por extensão, a rede de cuidadores – ao programa estabelece o início de uma trajetória de cuidados. Se elas tiverem uma frequência satisfatória nas atividades e serviços propostos ao longo dos dois primeiros anos de programa, elas recebem inúmeros benefícios, como o enxoval, e também asseguram vagas nas Casas Mães, creches municipais diferenciadas.

Descentralização e tecnologia para aprimorar os serviços 

O Programa Família que Acolhe (FQA) tem uma trajetória de adequação dos serviços às realidades do território. Ele fornece dois tipos de atendimento: um deles são os grupos FQA, que realizam encontros quinzenais na sede ou em equipamentos espalhados pelo território; para as famílias que não conseguem comparecer presencialmente, é oferecida a oportunidade de visita domiciliar.

“O nosso público de entrada são as gestantes. Estimulamos que a entrada seja o mais cedo possível, para fazer uma avaliação e o encaminhamento para os grupos ou para a visitação familiar”, complementa Andréia. A prioridade é sempre encaminhar para os encontros grupais, pois em espaços como a Universidade do Bebê, mães, puérperas e cuidadores podem trocar experiências e contar com uma rede de profissionais.

Em espaços como a Universidade do Bebê, grupos FQA se encontram para trocar experiências e compartilhas aprendizados sobre primeira infância / Crédito: Prefeitura de Boa Vista.

Um dos esforços do programa tem sido a descentralização dos serviços. Embora a sede no bairro Pintolândia continue a ser um referencial de qualidade, seis Centros de Referência em Assistência Social (CRAS) pela cidade também ofertam o programa. A capilarização visa a aumentar o alcance da política, facilitar deslocamentos e também influenciar ações para a primeira infância já desenvolvidas nos centros.

Para garantir o monitoramento do programa, o FQA mantém uma parceria perene com o Centro de Ciência, Tecnologia e Inovação (CCTI) para coletar e sistematizar dados das infâncias em Boa Vista. Os indicadores coletados ajudam a aprimorar os serviços ofertados pelo programa e a mensurar resultados das políticas adotadas.

Assista ao webinar: Conhecendo o Programa Família que Acolhe (FQA) – Apoio às famílias desde a gestação.

Crianças ocupam rua de Canoas em ambiente lúdico, acessível e acolhedor

Rua Brincante abre espaço para alunos de escola municipal da cidade. Crédito: Guilherme Pereira

Um resgate das brincadeiras ao ar livre. É isso que a Prefeitura de Canoas, cidade gaúcha, tenta realizar com a Rua Brincante, inaugurada em março deste ano no bairro de Guajuviras.

A Rua Ernesto Che Guevara foi totalmente adaptada com paisagismo para receber a criançada para um mergulho no universo de histórias e brincadeiras. Na inauguração do espaço houve também uma Plenarinha numa escola próxima, que escutou sugestões que as crianças têm para a cidade.

Crédito: Guilherme Pereira

A Rua Brincante e a Plenarinha fazem parte de um conjunto de ações implantadas desde julho do ano passado, dentro da proposta da Rede Urban95 Brasil, iniciativa da Fundação Bernard van Leer, que desenvolve e compartilha experiências para o desenvolvimento na primeira infância.

Rua Brincante de Canoas. Crédito: Guilherme Pereira

Na chegada, a Rua Brincante tem um pórtico que remete ao lápis de cor. No chão, brincadeiras ensinam sobre as metamorfoses do mundo animal, por meio de jogo da velha, amarelinha e labirintos.

As pinturas no muro imitam uma minicidade onde as crianças podem interagir, completando o desenho e fingindo ser parte dele. “As travessias de pedestres são lúdicas, em formato de lápis e foguetes, para que de forma divertida a educação no trânsito também seja estimulada. Importante lembrar que a rua é para ser utilizada a qualquer tempo já que não é permitido estacionar”, diz a arquiteta e urbanista Jeruza Mattos, que atua no Escritório de Projetos da Prefeitura de Canoas.

Rua Brincante em Canoas. Crédito: Guilherme Pereira

Os bancos em altura menor dão às crianças autonomia para sentar e suas ilustrações estimulam a diversidade cultural.

A calçada tem árvores frutíferas identificadas, estimulando a interação com o meio ambiente. O palco, também em formato de minicidade, abriga eventos e apresentações voltados à primeira infância.

Rua Brincante abre espaço para a primeira infância. Crédito: Guilherme Pereira

A secretária do Escritório de Projetos, Joceane Gasparetto, diz que a prefeitura assumiu o compromisso de planejar a cidade a partir da perspectiva da primeira infância. “É um projeto de governo onde todos assumem a tarefa de adaptar as políticas públicas e equipamentos públicos para a primeira infância”, afirma. E complementa: “Estamos desenvolvendo projetos com interações positivas, contato com a natureza nos espaços urbanos, proximidade entre serviços e mudanças duradouras nos cenários, que moldam os primeiros anos da vida de nossos cidadãos”.

Crédito: Guilherme Pereira

Quando a política conversa pelas infâncias

Uma casa com dois cômodos onde uma mãe cuida de cinco filhos. Uma adolescente de 13 anos, uma criança de sete anos autista e trigêmeos com síndrome congênita do Zika vírus, tendo como única fonte de renda o Bolsa Família, na época na faixa de R$ 300. Quanto apoio é preciso oferecer para que esta família consiga sair de uma situação de vulnerabilidade como essa?

Em um país desigual como o Brasil, um dos nossos maiores desafios é garantir que
ninguém fique para trás quanto ao acesso a direitos e serviços, de forma que garanta nosso desenvolvimento pleno como pessoas. Independentemente da região geográfica onde nascemos, das crenças, cultura e situação financeira de nossas famílias, todos merecemos condições dignas para nascer e crescer.

Os desafios e oportunidades a que somos expostos começam ainda antes do nascimento, na gestação. Já sabemos, também, que é desproporcional o impacto do que experimentamos nos primeiros anos de vida, influenciando toda a nossa trajetória. Acolher e envolver as gestantes no sistema de cuidados é uma boa maneira de incluir as futuras crianças na rede de atenção de que vão precisar ao longo de sua formação, do pré-natal à matrícula escolar.

A responsabilidade pela prosperidade humana é de toda a sociedade, mesmo daqueles que não são cuidadores de crianças ou, talvez, não tenham tanto conhecimento sobre o assunto. Mas não se pode negar que é nas mãos dos governos que estão as demandas mais diretas e também mais básicas, como garantir que todas as crianças tenham acesso à creche de qualidade e, no futuro, a escolas bem equipadas e com educadores capacitados.

Atendimento do Programa Mãe Coruja Recife. Crédito: Prefeitura de Recife

Também é da gestão pública a função de ofertar ruas e espaços públicos de lazer bem
cuidados, convidativos e seguros, de forma que incentivem o uso da população. Habitação acessível, saneamento básico, cultura, segurança pública, emprego digno… Ufa! De todos os temas, talvez o maior desafio, e obrigação constitucional do Estado, seja a oferta de um sistema público de saúde de qualidade, que ofereça atendimento médico e políticas de prevenção a doenças para todos, O desafio não é pequeno.

Por outro lado, a saúde é a porta de entrada para o acesso a serviços e direitos públicos, muito em função do SUS, um amplo e complexo sistema de que dispõem os brasileiros. Para atender as demandas continentais do país e superar os predicados negativos que vêm acompanhando a política, é fundamental a união de esforços na mesma direção. Mas o pessimismo não é obrigatório, e temos casos inspiradores para compartilhar por aí.

Um bom exemplo é o programa Mãe Coruja Pernambucana, que está completando 15 anos de atenção às gestantes e às novas famílias, implantado em mais de 100 cidades. Inspirada na rede estadual, Recife desenhou seu próprio programa, considerando suas peculiaridades e os serviços e aparelhos públicos de que já dispunha. Ao invés de competir com o programa estadual, a ideia foi incorporar lições aprendidas e levar toda a experiência para o município.

Com base nos dados de mortalidade materno-infantil e de vulnerabilidade social dos
territórios, 10 bairros prioritários foram selecionados para implantar o Mãe Coruja Recife. A ideia é cadastrar a mulher ainda no período da gestação, de forma que ao nascer a crianças já esteja sob a atenção da gestão pública. O cuidado intersetorial garante o diálogo com oito secretarias municipais, que fazem a retaguarda da equipe de atenção básica, responsável pré-natal e saúde dos bebês.

Outra potencialidade do programa foi sua inclusão nos Compaz de Recife, espaços
multidisciplinares de convivência para crianças e famílias, que se tornaram referência
nacional como fábricas de cidadania. Esportes, lazer, programas de qualificação e diversos serviços jurídicos ofertados no mesmo local. Agora as gestantes e os bebês também contam com seu espaço por lá.

A vigilância positiva das gestantes permite monitorar o comparecimento às consultas e aos exames necessários, a vacinação das crianças e a realização de todos os atendimentos importantes para o crescimento. Ao mesmo tempo, mantém um diálogo íntimo com as novas mães, oferecendo apoio, informação e acolhimento. Os Espaços Mãe Coruja, chamados no programa estadual de canto Mãe Coruja, centralizam esses cuidados e se tornam referências para as famílias, que contam com médicos, enfermeiros, assistentes sociais e outros profissionais.

Ao completar sete consultas de pré-natal, a mãe recebe um kit com banheira, bolsa, fralda descartável e roupinhas de bebê. Assim como o Compaz, os espaços Mãe Coruja também oferecem cursos de capacitação para as mães em design de sobrancelha, manicure e corte de cabelo. Ao final, recebem um kit para começar a trabalhar, incentivando a geração de renda. Os bebês são acompanhados mensalmente no primeiro ano, depois a cada três meses e, a partir do terceiro ano, a avaliação periódica de acompanhamento é anual.

Quem nos trouxe a história que ilustra o início deste artigo foi a coordenadora municipal do Mãe Coruja Recife, Cláudia Soares, sobre uma família atendida pelo projeto, localizada pela equipe pouco antes do início da pandemia. “A gente começou com a intervenção intersetorial e se organizou para dar acesso aos direitos que ela tinha. Uns três meses depois, essa mulher chega no Espaço Coruja de batom, gente de batom! Foi uma coisa tão significativa pra mim que ela chegou de batom. Ela disse que estava indo no Compaz inscrever os meninos no esporte e quando perguntamos se ela queria alguma ajuda, ela disse não, que ia até lá resolver tudo. Aí a sensação de que a gente fez a diferença na vida dela”, conta a coordenadora.

Hoje são mais de 17 mil mulheres cadastradas no programa, que conta com 19 Espaços de atendimento, espalhados por 44 bairros de Recife. A perspectiva é passar de 50% das gestantes da cidade atendidas pelo projeto. Para a coordenadora, o programa apresenta o melhor indicador possível de uma política pública de sucesso: a indicação de uma mãe para outras. Amigas, parentes e vizinhas levam o programa no boca a boca, o que garante uma adesão constante de novas usuárias. Afinal, os melhores resultados a gente vê na prática, o eco dentro das comunidades!

Como pequenas intervenções podem transformar as cidades em benefício das crianças e impactar no desenvolvimento infantil

Muitas são as razões pelas quais a primeira infância deve ser priorizada no planejamento urbano e na criação de programas e serviços nas cidades. Com o objetivo de assegurar um apoio maior no desenvolvimento das crianças brasileiras, pequenas intervenções são organizadas e ampliam os olhares e os cuidados às crianças pequenas e suas famílias. Diversos setores, instrumentos e espaços institucionais estão envolvidos para dar vida aos conceitos oferecidos às cidades realizados pela Rede Urban95 Brasil. 

O que muda as cidades e o que transforma a realidade das pessoas são as pequenas ações. A sociedade está sempre à espera de grandes iniciativas ou grandes soluções para os problemas enfrentados que, realmente, são efetivos quando pensamos em políticas públicas. Mas as pequenas ações também têm grande relevância porque colaboram com todos aqueles que participam das iniciativas ou do problema, no sentido de solucionar, entender, enxergar e resolver por um outro ponto de vista. E alguns exemplos que a Urban revela mostram a eficácia desse tipo de intervenção na transformação da sociedade como um todo.

Dois bons exemplos de pequenas iniciativas aconteceram na Escola Municipal Profª Florisa Faustino Pinto, localizada em Mogi das Cruzes (SP). O primeiro se deu quando os alunos estavam estudando as questões históricas do bairro em que a unidade de educação está localizada e perceberam que não havia uma biografia da patrona registrada em sites de busca. O único recurso de pesquisa era uma moldura que ficava na entrada do prédio, porém, além de ter uma letra muito pequena e ilegível, ficava muito alta e eles não enxergavam para fazer a leitura de forma independente.

Após essa constatação, a escola decidiu trabalhar na produção da biografia com uma fonte mais adequada no quesito pedagógico e na altura da localização para facilitar o acesso para os menores. “Partindo dessa iniciativa, as crianças começaram a levantar outros aspectos que as incomodavam na rotina escolar, mostrando dificuldade de acesso a outras coisas devido à altura, e isso fez com que nosso olhar mudasse bastante, passando a enxergar certas situações na escola por outro ângulo”, comenta Monica Raquel de Souza Matheus Felismino, diretora da escola municipal localizada no Jardim Santos Dumont II, em Mogi das Cruzes.

Outro problema resolvido na escola foi em relação aos banheiros, que sempre geravam reclamações dos pequenos por conta de desperdício de água devido às torneiras ficarem abertas, e com os meninos entrando no banheiro das meninas. Como as indagações eram muitas, a organização da escola pensou em uma nova forma de comunicar isso a eles ao invés de uma chamada de atenção mais comum e realizou uma espécie de assembleia para entender o que estava acontecendo.

Com isso, a direção descobriu que as crianças não deixavam a torneira aberta por descaso com o desperdício de água, mas sim porque achavam o banheiro escuro, sentiam medo e, quando começavam a lavar a mão, abandonavam a torneira aberta e saíam correndo. Nesse bate-papo, também foi descoberto que os meninos entravam no banheiro errado porque, por estarem no primeiro ano na escola, esqueciam onde eram os banheiros que foram mostrados pelas professoras, e as placas eram feitas apenas com letras, sem desenhos, além de ficarem a 1,60m do chão, dificultando a visualização.

“Quando questionamos como poderíamos resolver essa questão, as próprias crianças verbalizaram suas ideias, solicitando que as portas dos banheiros fossem coloridas para que ficassem mais divertidas e o medo que sentiam fosse espantado e decidiram que a placa de sinalização deveria ficar mais embaixo, entrando em uma discussão para entender qual seria a altura ideal. Então, em conjunto, resolveram que deveriam ter letras e desenhos para quem ainda não soubesse ler e, ainda nessa conversa, os maiores entraram em um consenso para buscar a menor criança da escola e medi-la na porta, pois estando confortável para ela, estaria para todas”, conta Monica. “A ação foi bastante interessante e efetiva porque resolvemos o problema emocional do medo, do desperdício de água e da falta de identificação. Além disso, eles carregam a satisfação de terem suas ideias aceitas e implementadas”, finaliza a diretora.

Outro projeto bastante relevante é o realizado pela Secretaria de Educação em Campinas (SP). Foram disponibilizadas a todas as escolas da rede municipal da cidade mais de 100 poltronas de amamentação. Por meio de uma construção intersetorial e uma construção transversal que conecta a Secretaria de educação da cidade em parceria com as outras secretarias, o projeto pôde ser viabilizado de forma efetiva.

Antigamente, a cultura da comunidade em torno das creches municipais era de desmame prematuro de crianças pequenas para que pudessem frequentá-las. Hoje, médicos nos postos e centros de saúde sabem que foi criada essa estrutura nas creches, que permite que a mãe possa amamentar o seu bebê, o que resultou em uma grande diminuição do pedido de receitas de fórmulas para alimentação. Por esse motivo, esse projeto tem um simbolismo muito importante no que diz respeito à saúde e qualidade de vida dessas crianças.

Cadeira de amamentação instalada em creche municipal de Campinas. Crédito: Prefeitura de Campinas

“Outro ponto importante que percebemos é que, com essa iniciativa, trazemos a família para dentro da escola, mostramos a importância dessa amamentação para a vida saudável da criança e, ao mesmo tempo, acolhemos a mãe que faz parte desse desenvolvimento. Temos a relação de cuidar da criança, família, estado e sociedade”, explica Thiago Ferrari, coordenador da Primeira Infância de Campinas. “Internalizar a mãe na creche, por mais que tenha mães que não estejam amamentando, tem uma potência, um valor simbólico muito forte. É da família dentro da escola”, ressalta.

O projeto com as creches municipais de Campinas cria uma estrutura para receber essa mãe e seu bebê que ainda deve ser amamentado. E não é uma tarefa fácil, pois não se trata apenas de criar um espaço com acolhimento que tenha uma poltrona, é preciso ter uma estrutura para armazenar o leite e, além disso, o que é mais trabalhoso, conscientizar e treinar os profissionais para alimentarem essas crianças com o leite no copinho para que não haja o desmame, porque se colocar na mamadeira, isso vai acontecer.

Portanto, “é desenvolvido todo um trabalho de formação e envolvimento interno, que coloca a criança como prioridade, mostrando que dá para construir políticas públicas potentes intersetoriais e que refletem não só na qualidade de vida de uma criança, mas nas relações de toda uma comunidade, de toda uma estrutura setorial da prefeitura”, reforça Thiago.

Família que Acolhe, de Boa Vista, aposta na integração de serviços e acesso às políticas públicas locais

A cidade de Boa Vista, capital de Roraima, tem predicados de sobra para justificar o slogan que vem divulgando há quase uma década: o de capital da primeira infância no Brasil. E essa trajetória vem sendo liderada por um dos programas mais conhecidos no país, o Família que Acolhe. 

Entre os principais impactos dessa política pública estão a integração de todos os serviços básicos necessários para mães e filhos na primeira infância, garantindo que  as consultas, exames e procedimentos médicos sejam marcados e acompanhados. O programa também desburocratizou o acesso à educação e ao desenvolvimento social.

Antes mesmo de nascer, a criança já tem sua matrícula feita na creche e na pré-escola até os seis anos de idade, quando começa o ensino fundamental. Mães e familiares também têm acesso garantido a uma “educação familiar”, uma verdadeira “escola para pais”, para fortalecer os laços de afeto com a criança e a estabilidade familiar em situações muitas vezes complexas.

Amarelinha para as crianças no espaço do Família Que Acolhe. Crédito: Fernando Teixeira

Com base no conceito de uma “escola de pais”, foi criada na sede do programa a Universidade do Bebê, onde gestantes, novas mães e familiares recebem  informações sobre o desenvolvimento psicossocial das crianças. As famílias participam ainda de oficinas de música, coral e leitura, para criar uma cultura de promoção do hábito da leitura desde o berço. Também são entregues leite e enxovais para as crianças e vale-transporte para os pais.

Em 2014, o programa iniciou o Projeto de Formação em Desenvolvimento da Primeira Infância, para capacitar profissionais das áreas de saúde, educação, assistência social e comunicação. Grávidas, mães e bebês são acompanhados por uma equipe multidisciplinar de 180 pessoas. Além disso, proporciona consultas de planejamento familiar, para que mães adolescentes não repitam uma gravidez imprevista.

O Família que Acolhe é um programa multissetorial, gerido com recursos da prefeitura, e com a participação integrada das secretarias municipais de Gestão Social, Saúde, Educação, Comunicação e Finanças. Também envolve os Centros de Referência de Assistência Social (Cras), onde acontecem algumas atividades nos bairros

As atividades também acontecem nas Casas Mãe (modelo de creche da Prefeitura de Boa Vista) e na Unidade Básica de Saúde 24 horas Olenka Macellaro. A descentralização permite que mais famílias participem.

São atendidas crianças de 0 a 6 anos, gestantes cadastradas no Bolsa Família, inscritos em creches municipais, adolescentes gestantes e famílias e as educandas do sistema penitenciário.

“Se não houver envolvimento do gestor com a primeira infância, não há como avançar”, diz Teresa Surita, ex-prefeita de Boa Vista e criadora do programa. Segundo ela, aplicar no dia a dia do serviço público o conceito de desenvolvimento infantil, unindo saberes de diversas ciências, é um grande desafio que exige muito trabalho e sensibilidade dos profissionais envolvidos.

Fachada do espaço FQA. Crédito: Fernando Teixeira

“Ao assumir a prefeitura em 2013, não tive dúvidas de que transformar Boa Vista na Capital da Primeira Infância no Brasil seria o maior legado que poderia deixar para a nossa cidade. Naquela época, pouco se falava sobre primeira infância ou sobre as sinapses e conexões que acontecem no cérebro de uma criança, desde sua concepção. Ao contrário do que se pensa, investir na primeira infância não demanda tanto tempo. As crianças respondem muito rápido aos estímulos e para as famílias esse retorno é positivo e palpável, a curto prazo”, disse Teresa Surita. “Os três primeiros anos são para sempre.”

“As parcerias de estudiosos e organizações especializadas na primeira infância, principalmente na capacitação de nossos servidores nesse trabalho, como a Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, Instituto Primeiros Anos e Instituto Alfa e Beto, têm sido muito importantes. Hoje estamos ampliando essa rede, em nível internacional, com envolvimento de entidades como a Fundação Holandesa Bernard Van Leer, a University of New York e a New York Academy of Sciences”, comemora a ex-prefeita.

Crianças brincam no espaço do Família Que Acolhe, em Boa Vista. Crédito: Fernando Teixeira

Fortaleza aposta em busca escolar ativa para recuperar defasagem causada pela pandemia

A evasão escolar é um dos grandes entraves para a conquista de bons indicadores nos sistemas públicos de ensino no Brasil. Por inúmeros fatores, ainda há crianças e adolescentes que acabam abandonando os estudos e, consequentemente, comprometendo o futuro profissional deles e das próximas gerações, piorando a qualidade de vida das famílias. 

Pensando nisso, a capital do Ceará, Fortaleza, implantou o Sistema de Busca Ativa, com o objetivo de erradicar a evasão escolar na cidade. O programa usa uma estratégia própria, com monitoramento em tempo real, para acompanhar 100% a frequência escolar dos estudantes da capital.

A Secretaria Municipal de Educação lembra que, segundo o Censo Escolar, de 2008 a 2018 o abandono no ensino fundamental na cidade caiu 93,8%, atingindo índice de apenas 0,4% em 2019.

O Busca Ativa tem metodologia desenvolvida pelos próprios funcionários da secretaria e atua em tempo real, permitindo proteger o tempo escolar das crianças, diminuindo as faltas e combatendo o abandono escolar. Atua envolvendo as secretarias municipais de Saúde, de Direitos Humanos e do Desenvolvimento Social e a Secretaria Estadual da Educação.

O acompanhamento vai do infantil I à Educação de Jovens e Adultos e prevê comunicações com a família ou com o aluno maior de idade, incluindo até a visita domiciliar e o acionamento do Conselho Tutelar, se necessário.

O método prevê qualificar gestores e técnicos nas escolas para sua aplicação. Além disso, uma equipe presta suporte aos estabelecimentos. Cada distrito tem um articulador e seis agentes dedicados ao programa. 

Alunos da rede pública de Fortaleza utilizam o laboratório de informática. Crédito: Prefeitura de Fortaleza

Durante a pandemia, o programa mudou suas características e passou a monitorar a frequência dos alunos às aulas virtuais.

O programa foi lançado em 2017, mas teve um importante impulso em 2021, com o Pacote Volta às Aulas, com a intenção de apoiar os alunos na volta às aulas pós-covid. Agora, conta com 1.300 agentes escolares distribuídos pelas regiões, possibilitando um melhor rastreio e acompanhamento da frequência.

“Temos conseguido promover diariamente mais de 20 mil atendimentos aos estudantes. Vamos atrás de cada um e tentamos trazê-los de volta à escola. Isso tem sido muito relevante para que a gente possa recuperar o processo de aprendizagem dos nossos alunos depois de um período tão difícil quanto esse que passamos”, afirma Dalila Saldanha, secretária municipal de Educação da capital.

Livro reflete sobre mulheres e crianças no contexto urbano

Grande proporção de territórios das cidades brasileiras apresenta formas de precariedade, urbanização incompleta ou inexistente, com índices majoritários de baixa qualidade de vida, onde os potenciais criativos e de liderança são soterrados pela pobreza, pela falta de recursos e pela ausência de oportunidades.

Segundo pesquisa publicada recentemente pela Fundação João Pinheiro, o Brasil tem um déficit habitacional de 5,8 milhões de moradias. Por outro lado, há 3,035 milhões de casas desocupadas por conta do valor alto do aluguel e 24,8 milhões de moradias com algum tipo de inadequação. Como, afinal, vivem estes quase 100 milhões de pessoas (considerando 3 habitantes por moradia), em sua grande parte mulheres e crianças?

Como enfrentam desafio tão cruel de não ter acesso a um teto, um bairro digno? Como enfrentam a fome e a violência cotidianas? A urgência por transformações eficazes no desenho urbano, em áreas de grande vulnerabilidade urbana e social, se traduz na necessidade de incluir na formação e qualificação de arquitetas, arquitetos e profissionais urbanos, recursos e habilidades multi, inter e transdisciplinares. É assim que, em conjunto com a formação técnica e teórica específica da profissão, poderão aprofundar seus conhecimentos nas essenciais questões de gênero e infância, dando dar melhor apoio ao trabalho em territórios vulneráveis.

Essa é a discussão provocada por “Cidade, Gênero e Infância”, publicação lançada e coeditada pela Romano Guerra e pela Pistache Editoria. Afinal, a vocação do desenho urbano é servir como instrumento de síntese entre teorias e práticas, com vistas a produzir efeitos concretos. Quando voltado para as demandas reais e prioritárias de cada território, pode contribuir para transformações positivas para as comunidades.

Para que seja possível romper o ciclo da desigualdade e as condições de vulnerabilidade, o investimento na primeira infância é ferramenta essencial. As condições dos primeiros anos de vida impactam significativamente na constituição física, psíquica e neurológica do indivíduo. Suas capacidades de desenvolvimento afetivo, cognitivo, de linguagem e de habilidades e estima, levarão sempre as marcas destes primeiros anos.

Na perspectiva da urgência de contemplarmos como prioridade absoluta a qualidade de vida das diferentes infâncias, cabe lembrar que, historicamente, as mulheres vêm
contribuindo de modo consistente para a melhoria da qualidade de vida em seus lares,
comunidades e cidades[1]. Entretanto, elas não são adequadamente reconhecidas no
planejamento e promoção de políticas públicas. Como resultado, a análise e as ações
projetadas para as cidades, serviços, equipamentos e infraestrutura falham ao não incluir as demandas e necessidades específicas das mulheres.

Conforme se enfatiza no texto do site internacional do gender-hub da ONU Women: “A
omissão às mulheres é persistente”.[2] Verificamos que, no Brasil, 85% das pessoas que cuidam de crianças pequenas são do sexo feminino. Se suas condições de vida são prejudicadas, a das crianças de quem cuidam também será afetada. E esta realidade é ainda mais grave nos territórios vulneráveis.

Uma das construções mais perenes e tristes da experiência na cidade grande é a
persistência da pobreza e do abandono de gente, que segue circulando nos faróis, nas
esquinas, debaixo dos viadutos, nos resíduos das avenidas. Estão nas ocupações, em
áreas alagáveis, em encostas, nas alças de viadutos das marginais, instáveis, insalubres, em vulnerabilidade e risco.

Esta realidade nos atravessa e coloca constante e contínua inquietação: esta experiência afetiva, emocional e constitutiva do ser como cidade, como cidadão, é um privilégio, não um direito garantido. Em tempos de mudanças e eventos climáticos extremos, os níveis de vulnerabilidade e risco se intensificam. O artefato cidade se expandiu, submetido ao paradigma dominante, cartesiano, científico e capitalista. De modo desigual, é violento, apagando memórias e pessoas, derrubando árvores, canalizando rios e córregos, asfaltando e dedicando a maior parte do espaço público a veículos motorizados. A restauração do ecossistema urbano foi definida como uma meta da Década da Restauração dos Ecossistemas (2021-2031), anunciada pela Organização das Nações Unidas.

Que a restauração contemple o ser na sua integralidade, como natureza, como parte da natureza. Neste sentido, o pensamento ancestral andino do Bem Viver (Vivir Bien)
apresenta alternativas para um mundo onde muitos mundos são possíveis, a partir da visão de “um todo”. A Pacha (Pacha Mama) traz a compreensão da necessidade de convivermos com uma multipolaridade de contradições, na busca de um equilíbrio dinâmico (sempre em transformação, nunca estático), com a complementaridade da diversidade e, finalmente, uma descolonização (do conhecimento, do imaginário, da experiência).

A comunidade do planeta está desafiada a redefinir, ou repensar, a ideia e o propósito
contidos na palavra desenvolvimento. Sem avanços civilizatórios e novos caminhos em
direção à equidade não haverá desenvolvimento. E a ideia de desenvolvimento, constituída como resultante do crescimento contínuo, é, em si, insustentável. Existem alternativas sistêmicas capazes de promover avanços civilizatórios por meio do reconhecimento dos direitos da natureza.

Estas alternativas, ao estabelecerem limites e barreiras ao extrativismo e objetificação da vida, estão sendo atacadas sem direito e chance de defesa. Só em um contexto em que a educação integral e, portanto, também ambiental não se implementou de modo universal é que uma comunidade em escala global convive com a vulnerabilidade e vive entre tantos riscos.

A experiência de estar em lugares distintos, distantes, diversos, sujeitos a vulnerabilidades múltiplas e, ainda assim, refúgio de tanta gente, é transformadora e capaz de constituir empatia, vínculo e compreensão do momento extremo em que vivemos.

Compreender que transformar esta realidade em direção à equidade, em defesa da vida, é responsabilidade coletiva e compartilhada, é urgente. Ao mesmo tempo, reconhecer a força de quem vive nestas condições, a resiliência e a capacidade de encontrar soluções e até a beleza em meio a tanta privação e precariedade, indicam caminhos possíveis de construção de alternativas sistêmicas, locais e transformadoras.

Importa dar atenção a como vivem crianças e mulheres em nossas cidades, constituindo registros, recortes do olhar e do sentir nos lugares, entre as pessoas, as mulheres e as crianças. Essa é uma expressão de um desejo de mudança, com urgência no presente.

Sem esse desejo transformado em prática, qual o sentido de nossa existência, de nossos saberes? Precisamos nos recordar que as crianças são o fundamento de nós mesmos. São estas algumas das reflexões, entre tantos registros distintos de experiências de transformação positiva que o livro “Cidade, Gênero e Infância” propõe.

Te convidamos à leitura!

Programa da Prefeitura de Fortaleza ajuda crianças e famílias na regularização de documentos essenciais

Tornar as pessoas verdadeiras cidadãs. Essa é a missão de uma iniciativa criada pela Prefeitura de Fortaleza (CE) para solucionar um problema tão essencial. Trata-se do programa “Sim, eu existo!”, que tem como objetivo não deixar crianças e adolescentes sem acesso à documentação básica, orientando as famílias a regularizarem a condição cidadã de todos.

Desde sua criação, em 2017, o “Sim, eu existo!” já ajudou mais de 800 pessoas a se registrarem tardiamente, ajudando a combater o problema de “invisibilidade” criado pela falta de documentação infantil.

A documentação é um passo essencial para o acesso à cidadania, saúde, educação e assistência social. Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 2,45% das crianças que nascem em Fortaleza não são registradas, o que significa mais de 1.500 crianças por ano. Os motivos são diversos: falta de documentação dos pais, abandono, perda de documento do hospital, morte da mãe, entre outros.

A ação é desenvolvida por uma equipe de 11 pessoas da Fundação da Criança e da Família Cidadã (Funci), integradas com as secretarias da Educação, da Assistência Social e da Assistência dos Direitos Humanos, além de outras instituições.

Para fazer a primeira via da certidão de nascimento, basta os pais ou responsáveis ligarem gratuitamente e se cadastrarem na prefeitura, que irá encaminhar o processo, por telefone, WhatsApp ou, se necessário, visita presencial.

Os documentos necessários são: via amarela da Declaração de Nascido Vivo (DNV) entregue pela maternidade ou pelo profissional de saúde que acompanhou o parto (parto domiciliar), documento de identificação (com foto) e CPF dos pais. A equipe do programa toma as providências no caso de não existirem esses documentos.

“Há um percentual grande de mães e pais que não registraram seus filhos por não possuírem RG ou CPF, e nós do ‘Sim, eu existo!’ viabilizamos e providenciamos essa documentação, levando as famílias até o cartório com a Declaração de Nascido Vivo (DNV), assim que a criança nasce”, diz Maria Régia Macedo Delgado, coordenadora do comitê “Sim, eu existo!”.

Se os pais forem casados entre si, devem levar a certidão de casamento (caso não sejam casados, ambos devem estar presentes no momento do registro para que seus nomes constem). Nos casos em que os pais da criança não são casados entre si e o pai não está presente, a mãe poderá fazer o registro só em seu nome e, a qualquer momento, o pai poderá comparecer ao cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais (na presença da mãe) e reconhecer a paternidade voluntariamente.

Mães detentas também são contempladas pelo programa. “Quando a mãe chega ao presídio feminino com uma criança sem registro ou grávida e não tem condição de registrar, o próprio serviço social de lá cadastra para atendimento no 0800. Nós contatamos a avó materna para ser declarante e registramos o bebê”, explica Maria Régia.

O programa também atende adolescentes de 12 a 18 anos que foram abandonados pelas mães e criados pela avó materna. Nesse caso, é pedida a autorização judicial para que a avó seja a declarante do registro.

“A nossa missão é tornar essas pessoas verdadeiras cidadãs. A primeira infância é o nosso foco. Hoje 80% dos casos que chegam até nós são de crianças de 0 a 6 anos. Então, nosso foco é conseguir registrá-las logo ao nascer, o que também sai mais barato. Nós sabemos o quanto nosso trabalho é gratificante, muito realizador, afinal, tem um grande impacto na vida das pessoas. Tem mães que se emocionam e choram diante da dificuldade de receber o seu registro de nascimento. Somos gratos por ver essa alegria no rosto das famílias e isso não tem preço”, diz Maria Régia.

Guia de Acolhimento Familiar orienta sobre medidas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente

Você sabe o que significa “acolhimento familiar” e qual a sua importância para crianças e adolescentes que precisam ser temporariamente afastados de suas famílias originais? Trata-se de uma medida protetiva com importantes diferenças em relação à adoção. No acolhimento, uma família acolhedora cuida temporariamente em sua casa de uma criança ou adolescente (ou grupo de irmãos). 

Não há substituição de uma família por outra, mas parceria e colaboração, sendo preservados a identidade, os vínculos e a história da criança. A prioridade é o retorno da criança à sua família de origem. Já na adoção, que acontece apenas quando esse retorno não é possível, ocorre a transferência do poder familiar e o vínculo que se estabelece com a criança e/ou adolescente é permanente, de filiação.

Para esclarecer teoria e prática desse contexto, a Coalizão pelo Acolhimento em Família Acolhedora lançou online o Guia de Acolhimento Familiar, que tem como objetivo sanar dúvidas sobre essa alternativa de acolhimento prevista no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) como prioritária em relação ao acolhimento institucional.

Guia completo de Acolhimento Familiar (6 Cadernos)

O acolhimento é uma medida provisória, prevista em lei, tomada em casos excepcionais, e sua duração não deve superar 18 meses. Existem três modalidades de acolhimento por medida de proteção, e o acolhimento em família acolhedora é uma delas.

Nela, a criança ou adolescente é cuidado por outra família, a família acolhedora, parte do Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora (SFA). No período da medida, a família, devidamente preparada e orientada por profissionais, assume o cuidado e a proteção das crianças até que elas possam retornar à família de origem ou serem encaminhadas para a adoção definitiva. A família acolhedora tem a guarda provisória da criança ou do adolescente, vinculada a sua participação nesse Serviço.

É a modalidade preferencial pois, segundo especialistas, oferece afeto e proteção à criança ou adolescente em um momento difícil da vida, o que contribui para o desenvolvimento integral deles. A qualidade de atendimento que essa modalidade pode oferecer é especialmente necessária para as crianças na primeira infância, que encontram-se em uma etapa tão importante de seu desenvolvimento, na qual os vínculos afetivos são fatores determinantes.  No Brasil, entretanto, é uma prática que ainda é minoritária (4,9% dos casos) e dá seus primeiros passos, e por isso é essencial informar a respeito dela.

O guia, disponível é dividido em seis cadernos. O primeiro, leitura básica, apresenta o Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora (SFA), em seu contexto histórico no Brasil e no mundo; o segundo, especificamente útil para gestores de política de assistência social, trata do processo de implantação do SFA em consonância com a Política Nacional de Assistência Social e no âmbito do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente (SGD/CA); o terceiro oferece parâmetros gerais, relevantes para equipes técnicas que executam diretamente a modalidade e para órgãos gestores municipais responsáveis para monitorar e avaliar sua execução.

O quarto caderno descreve os processos de seleção e formação das famílias acolhedoras, detalhados passo a passo; finalmente, os cadernos 5 e 6 trazem subsídios teóricos, metodológicos e procedimentais, visando qualificar profissionais para atuar em situações recorrentes nesse Serviço; o 5 trata do acompanhamento dos envolvidos (criança, adolescente, família acolhedora e família de origem), e o 6, dos processos de transição e despedida rotineiros no acolhimento.

Fonte: www.familiaacolhedora.org.br

Finalmente, a Coalizão oferece uma “Cartilha Interativa sobre Acolhimento Familiar”, de acesso rápido, que resume os principais conteúdos do guia.

A Coalizão pelo Acolhimento em Família Acolhedora é um grupo de gestores, pesquisadores e lideranças nacionais no assunto, atores governamentais e não governamentais unidos para promover a ampliação do acolhimento familiar no Brasil.

São eles: Aconchego – Grupo de Apoio à Convivência Familiar e Comunitária, Aldeias Infantis SOS, Associação Brasileira Terra dos Homens, Fundação Bernard Van Leer, Instituto Fazendo História, Instituto Geração Amanhã, Movimento Nacional pró Convivência Familiar e Comunitária, Núcleo de Estudos de Políticas Públicas da UNICAMP, Pastoral da Criança e Secretaria Nacional de Assistência Social do Ministério da Cidadania. A Coalizão conta também com as consultoras Adriana Pinheiro, Luciana Cassarino-Perez e Instituto Torre.

Mãe Coruja e o potencial do trabalho intersetorial para a primeira infância

Roda de Gestantes que fazem parte do Programa Mãe Coruja Recife

Uma das cidades pioneiras na Rede Urban95 Brasil, coleciona políticas públicas exitosas na área da primeira infância. Exemplo disso é o programa Mãe Coruja Recife, que há oito anos atende crianças, mães e gestantes de forma intersetorial e contabiliza números significativos: mais de 17 mil mulheres e 13 mil crianças estão cadastradas nos 19 espaços espalhados na cidade, o que proporciona cobertura em 44 bairros. “E não é só isso: há mais sete espaços já aprovados a serem inaugurados em bairros prioritários que foram mapeados por meio de um estudo epidemiológico. Com essa abertura, o Mãe Coruja Recife vai cobrir 53% dos bairros da cidade, que possui 94 no total”, comemora Cláudia Soares, Coordenadora Municipal do Programa Mãe Coruja Recife

Orgulhosa ao dizer que acompanha a iniciativa desde o início, Cláudia Soares explica que o Mãe Coruja Recife é um programa social que tem parceria com o programa Mãe Coruja Pernambucana, coordenado pelo governo do estado, e que completará 15 anos em 2022. “Este é um ótimo exemplo de integração entre estado e municípios, uma articulação muito bem-sucedida”, avalia.

O Mãe Coruja Recife funciona de maneira intersetorial, ou seja, dialoga com diversas secretarias estaduais e municipais. “Ao todo são oito secretarias envolvidas: desenvolvimento social, educação, segurança ao cidadão, mulher, esporte, turismo e lazer, trabalho e qualificação profissional. O programa foi pensado e espelhado a partir da experiência do Mãe Coruja Pernambucana, mas toda a sua gestão é feita pelo município”, explica Cláudia Soares.

Atenção para gestantes, bebês e cuidadores

O foco do Mãe Coruja está nas crianças, mas o atendimento começa ainda na gestação, cadastrando e acolhendo as mulheres durante a gravidez. Para isso, elas precisam morar em um dos bairros de cobertura e fazer de maneira correta e assídua o pré-natal no Sistema Único de Saúde (SUS). O acompanhamento funciona da seguinte forma: a gestante é cadastrada no sistema e tem a sua gestação acompanhada por diversos profissionais, até o parto e o período de puerpério.

A partir do nascimento, a criança é cadastrada no projeto e passa a ser atendida do seu nascimento até os seis anos de idade. Após esse período, passa a ser acompanhada pela escola, no ensino fundamental. “Essa configuração permite que haja um tempo de dedicação relevante aos participantes. O atendimento é individualizado, levando orientações sistemáticas mês a mês do que é importante para esse acompanhamento. E há, ainda, a possibilidade de participação em grupos que são realizados e facilitados tanto pela equipe do Coruja como pelas outras secretarias”.

Atendimento do Programa Mãe Coruja Recife. Crédito: Prefeitura de Recife

Apesar do trabalho integrado entre várias secretarias, Cláudia Soares reforça a importância da saúde como porta de entrada do projeto: “É no primeiro dia de consulta que a gestante recebe seu cartão de pré-natal, realiza os exames de rotina e é encaminhada para o Mãe Coruja. Porém, o programa não faz distinção e se define como ‘porta aberta’, já que também são recebidas diretamente nos espaços mulheres dos bairros atendidos, que são indicadas ou ficam sabendo da importância do projeto na vida de outras famílias”.

Além dos atendimentos, as participantes também têm acesso a alguns equipamentos para auxiliá-las. Um deles é entregue em parceria com a Secretaria de Desenvolvimento Social, um kit para o bebê que a mãe recebe ao completar sete consultas de pré-natal, ou seja, ao chegar aos sete meses de gravidez. O kit é composto por banheira, bolsa, fralda descartável, roupinhas, toalha, fralda de pano, entre outros produtos. “Tudo é de muito boa qualidade, fazemos o possível para que essa criança nasça com dignidade”, reforça Cláudia.

Outro viés importante do Mãe Coruja Recife não está diretamente relacionado à gestação ou ao atendimento à criança. Diz respeito à formação profissional das mães e é realizado em parceria com a Secretaria de Educação e de Capacitação Profissional. Por meio dessa articulação são oferecidos cursos de qualificação de até 40 horas. Dentre as áreas atendidas estão design de sobrancelhas, manicure, corte de cabelo com máquina, estimulando a geração de renda das famílias.

O programa também aplica toda a experiência adquirida em oito anos de existência para promover um intercâmbio de ideias e experiências para outras cidades do estado que estão ingressando na rede para fortalecer as políticas de primeira infância. Além disso, atua junto à Unicef em Fortaleza, no que diz respeito às Unidades Amigas da Primeira Infância (UAPIs), participando dessa troca de informações, levando os resultados de todas as ações.

Crianças brincam no Espaço Mãe Coruja

Para subsidiar as atividades que envolvem diretamente mães e crianças, além do trabalho de interlocução com outras secretarias, cidades e estado, o Mãe Coruja Recife se apoia em materiais produzidos em parceria com a Fundação Bernard Van Leer. Fazem parte desse conteúdo uma cartilha para a gestante, um guia de implantação de rodas de gestão para profissionais, uma cartilha de desenvolvimento infantil voltado para pais e cuidadores e um manual operacional do Mãe Coruja.

“Esse material chega para dar apoio ao público atendido e aos profissionais que atuam no projeto. Para a construção dessas publicações houve o cuidado de usar fotos próprias do programa, já que isso gera um sentimento de pertencimento nas mulheres e crianças recifenses quando elas se reconhecem e veem seus filhos retratados ali”, complementa a coordenadora.

“Cidade, gênero e infância”: publicação reúne artigos que discutem possibilidades de desenvolvimento e empoderamento para mulheres e crianças em territórios urbanos

A forma como a cidade trata a primeira infância é um termômetro para a saúde e a vitalidade urbana como um todo. Atualmente, mais de 80% da população brasileira encontra-se em áreas urbanas. O dado evidencia a importância de a sociedade repensar seu modelo de urbanização, considerando todos – especialmente às crianças -, buscando o equilíbrio com a natureza e a construção de ambientes que favoreçam o movimento, a descoberta do novo e o encontro.

O livro “Cidade, gênero e infância”, organizado por Rodrigo Mindlin Loeb e Ana Gabriela Godinho Lima e publicado pelas editoras Romano Guerra e Pistache Editorial, dá atenção a este compromisso fundamental da sociedade: zelar pelo desenvolvimento saudável das crianças na primeira infância. A publicação será lançada em formato virtual na sexta-feira, 08 de maio, a partir das 18h30.

A publicação surge do Urban95 Challenge, realizado em 2017 pela Fundação Bernard van Leer, com a proposta de inserir a temática da primeira infância no Núcleo de Pesquisa em Cidade, Gênero e Infância, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em cooperação com o Instituto Brasiliana. 

“Que este livro possa nos conduzir, através das riquíssimas experiências relatadas por novas trilhas e caminhos capazes de fazer cidades espaços mais democráticos, de encontros com o outro, diferente de mim, com quem aprendo, respeito e evoluo”, espera a representante da Fundação Bernard van Leer no Brasil, Claudia Vidigal.

Planejada para se tornar referência na formação de arquitetas, arquitetos, urbanistas e profissionais de diferentes áreas do conhecimento, a publicação busca trabalhar em territórios urbanos e promover possibilidades de desenvolvimento e empoderamento para mulheres e crianças. 

São 22 textos e artigos de pesquisadores, especialistas e profissionais que trabalham no campo das infâncias, gênero e território. Os artigos trazem histórias de organizações referência nos temas – como Avante, CECIP, Centro de Excelência em Primeira Infância e Instituto Elos –, pesquisas acadêmicas sobre violência, espaço público e segregação territorial, pesquisas e experimentações práticas na transformação do território, experiências de incentivo à brincadeira no espaço público, envolvimento da comunidade, entre outros assuntos que trazem novas lentes à prática de arquitetos e urbanistas.

“Promover uma interlocução temática sobre cidade, gênero e infância neste momento significa convocar para a humanização das vidas e das relações entre atores sociais: crianças, jovens, adultos, famílias, comunidades, equipamentos sociais, políticos e educacionais. Significa realizar escutas e ações com olhares éticos e respeitosos, cujo ponto de partida e inspiração sejam realidades singulares e diversas dos diferentes contextos, culturas, territórios e infâncias”, escreve a antropóloga Adriana Friedmann em um dos textos do prefácio. 

Serviço

Lançamento do livro “Cidade, gênero e infância”

Quando: 8 de Abril, às 18h30

Onde: Youtube da Editora Romano Guerra

 

Sobre a equipe do livro

Rodrigo Mindlin Loeb (organizador)

Arquiteto e urbanista pela FAU USP e mestre em energia e meio ambiente pela Architectural Association School of Architecture de Londres. Com Eduardo de Almeida, é autor do projeto da Biblioteca Brasiliana USP, vencedora do Prêmio APCA 2013 na categoria Melhor Obra. Membro do GT Cidade, Infâncias e Juventudes do IAB-SP e do GT Infâncias e Juventudes do IAB Brasil que integra a Comissão de Política Urbana e representante na União Internacional de Arquitetos no grupo de trabalho Arquitetura e Infância. Com Ana Gabriela Godinho Lima, coordena a pesquisa “Cidade, gênero e infancia”, no âmbito do Termo de Cooperação Técnica celebrado entre a Universidade Presbiteriana Mackenzie e o Instituto Brasiliana, contando com financiamento da Fundação Bernard van Leer. É professor na FAU Mackenzie e diretor do Instituto Brasiliana, pelo qual é membro do Grupo Diretivo da Rede Nacional da Primeira Infância. Coordenador Executivo da Brigada pela Vida de São Paulo.

 

Ana Gabriela Godinho Lima (organizadora)

Arquiteta pela FAU USP, mestre em estruturas ambientais urbanas, pela mesma instituição, e doutora pela FE USP. Possui pós-doutorado pela School of Creative Arts da University of Hertfordshire. Atualmente, é professora na graduação e pós-graduação da FAU Mackenzie. Entre 2014 e 2019, com Luz Paz Agras e Emma Lopes Bahut, foi editora da Revista de Investigación y Arquitectura Contemporánea, publicada pela Escola Técnica Superior da Universidade de Coruña. Com Rodrigo Mindlin Loeb, coordenou a pesquisa “Cidade, gênero e Infância”, no âmbito do Termo de Cooperação Técnica celebrado entre a Universidade Presbiteriana Mackenzie e o Instituto Brasiliana, contando com financiamento da Fundação Bernard van Leer. Editora temática do periódico Cadernos de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, ligado ao Programa de Pós-Graduação da FAU Mackenzie

 

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Sobre as editoras e o realizador

Romano Guerra Editora
A Romano Guerra Editora é especializada em livros de arquitetura, arte e cultura de alto padrão gráfico e editorial. Já publicou arquitetos e escritórios brasileiros de primeira linha, como Rino Levi, Paulo Mendes da Rocha, Lina Bo Bardi, Brasil Arquitetura, David Libeskind, João Filgueiras Lima (Lelé), Rosa Kliass, Marcos Acayaba, Abrahão Sanovicz, João Kon, Vilanova Artigas e outros. Suas edições, caracterizadas pela qualidade gráfica e conceitual, ganharam diversos prêmios. Abilio Guerra, Silvana Romano e Fernanda Critelli, arquitetos, são editores do Portal Vitruvius e da Romano Guerra Editora.

 

Pistache Editorial
A Pistache Editorial é uma editora independente, que busca levar o conhecimento arquitetônico e urbano a públicos diversos. Propõe difundir o conhecimento da técnica e dos aspectos sociais da arquitetura, incentivando o olhar crítico de crianças e adultos para a construção da cidade e de seus espaços.​ Realiza publicações infantis sobre arquitetura e urbanismo e organiza workshops e atividades educativas. Bianca Antunes, jornalista e mestra em desenvolvimento urbano, e Simone Sayegh, arquiteta e pedagoga, coeditaram os livros Casacadabra: Invenções para Morar (finalista Golden Cubes UIA) e Casacadabra: Cidades para Brincar.

 

 Instituto Brasiliana 

O Instituto Brasiliana é uma entidade privada sem fins lucrativos que articula diversos agentes sociais –  instituições e indivíduos – à promoção e concretização das ações que reconheçam e valorizam os diversos aspectos da cultura brasileira e os estudos sobre a primeira infância no Brasil. Volta seu olhar à compreensão e desenvolvimento de soluções aos problemas brasileiros, em especial nas grandes cidades, e desde 2016, desenvolve ações sobre garantia de direitos da infância e desenvolvimento urbano. Também dá suporte ao desenvolvimento de novas pesquisas acadêmicas no Núcleo Brasiliana de Pesquisa, no Mackenzie, fomentando pesquisas e novas especializações no campo da infância e urbanismo.

Primeira infância, o passo inaugural da jornada

Se pensamos a vida como uma jornada, os primeiros mil dias representam nosso primeiro passo, aquele que vai dar o tom da caminhada. Começando com o pé direito, com uma pisada firme e equilibrados por mãos carinhosas, é natural seguirmos com mais confiança pela vida. Até os três anos de idade, cada criança aprende mais do que durante todo o resto da sua vida, sendo um período de grande maleabilidade para moldar sua história. As urgências da primeira infância se endereçam aos cuidadores e a toda a sociedade, reforçando a necessidade de garantir o acesso pleno a serviços e direitos para os jovens cidadãos.

As quarenta semanas de gestação passam rápido e são um momento único para
que as futuras famílias se informem sobre seus direitos, as necessidades do novo
integrante e onde estão localizados os serviços que precisarão acessar. Já o trabalho de parto acontece na escala das horas, onde minutos de espera podem ser suficientes para prejudicar o bebê. Para garantir que as crianças sejam bem atendidas quando chegar o momento certo, a informação precisa chegar com antecedência aos cuidadores e os serviços precisam estar preparados para recebê-las. Quando falamos em desenvolvimento das crianças, o timing é fundamental.

Como cidadãos, temos direitos garantidos em lei mesmo antes de chegarmos ao
mundo. Mas, com o nascimento de um bebê, surge uma grande variedade de necessidades, novos cuidados e estímulos indicados. Especialmente no período neonatal, em que a mãe e a família estão se adaptando e criando rotinas, é importante atenção total para que todas as necessidades da criança sejam atendidas. São nessas quatro primeiras semanas de vida que se concentram as maiores taxas de mortalidade infantil, mesmo que o acesso aos cuidados apropriados possa salvar grande parte das crianças.

Com uma longa trajetória no campo dos direitos de crianças e adolescentes, a
economista Heloisa Oliveira trabalha com o conceito de jornada da infância para entender as inter-relações entre cada passo do desenvolvimento infantil. A diretora do recém-nascido Instituto Opy, que trabalha com a promoção da saúde e melhores condições para a primeira infância, entende a primeira infância como uma janela para a construção do futuro. Para melhorar o acesso das crianças aos serviços de que necessitam, o caminho apontado é a centralidade da criança no sistema, a integração dos serviços e a melhoria do acesso da população a eles.

“As políticas nacionais já preveem a assistência integral, mas muitas vezes o poder
público não conhece todos os desafios das comunidades em sua área de gestão e, por isso, não sabe como atender a suas especificidades”, afirma Heloísa. Como é nas cidades que estão as crianças e suas demandas de atendimento, ao olhar para a jornada infantil é preciso organizar os serviços de forma a atender as demandas daquela população no tempo certo de cada fase.

Incluindo a intersetorialidade no planejamento municipal, as cidades ganham
ferramentas para mapear as famílias que mais precisam de apoio ou que, possivelmente, vão demandar uma atenção extra para apoiar seus bebês. Também na realidade das cidades, informação é poder. Com os dados apropriados sobre o território é possível agir com eficiência, intervindo quando necessário para garantir que nenhuma criança fique para trás.

Cuidar das necessidades da primeira infância é garantir que os primeiros passos de
cada jornada estejam cercados de atenção, e que, no caso de qualquer queda ou desvio de percurso, seja possível ajudar aquele pequeno ser humano a retomar o seu caminho com segurança e qualidade de vida. Quando sociedade e Estado estão atentos às crianças, todos nós ganhamos.

“O agravamento da situação econômica no Brasil trouxe desafios ainda maiores
para a nutrição das famílias. Não é que elas não saibam que a fruta e a proteína são
importantes, mas o dinheiro só dá para comprar miojo e salsicha. Pode ser que ao atingir a idade escolar, a creche também passe a ser um espaço de segurança alimentar. Para tal, é preciso conhecer nossas cidades, entendendo onde estão nossas crianças e quais suas urgências”, reforça Heloísa.

Em Mogi (SP), gestantes e mães recebem atendimento especializado por telefone e os dados ajudam na construção de novas políticas públicas

Mesmo nas famílias mais estruturadas, o período de pós-parto, do nascimento de um novo membro, é extremamente delicado e a forma como lidamos com ele é decisiva para o equilíbrio físico e emocional de todos. Pensando nisso e, priorizando a saúde materna e das crianças na primeira infância, a Prefeitura de Mogi das Cruzes (SP) oferece desde 2014 o programa Alô Mãe Mogiana

Por meio da tecnologia básica, via ligação telefônica, a política pública conecta enfermeiras especializadas com gestantes e mães que acabaram de ter bebê. O objetivo é oferecer atendimento à distância para esse grupo de mulheres, prestando esclarecimento às principais dúvidas que costumam surgir durante esse período tão especial, mas que requer um olhar atento e cuidadoso.

O atendimento é feito por telefone, das 7h às 19h nos dias de semana, e a ligação é gratuita. São duas enfermeiras especializadas que se revezam monitorando o pré-natal, chamando as mães para a atenção básica, realizando o agendamento de consultas para os bebês e indo atrás das gestantes faltosas.

A relação com as gestantes começa no incentivo à realização do exame pré-natal na rede básica de atendimento à saúde. Para solicitá-lo, basta ir ao posto de saúde mais próximo. O pré-natal permite identificar precocemente problemas como hipertensão, anemia, infecção urinária e doenças transmissíveis pelo sangue de mãe para filho, facilitando o tratamento.

Semanas após o pré-natal, as enfermeiras do Alô Mãe fazem contato com todas as gestantes, e apresentam o programa, que irá acompanhar as futuras mamães durante toda a gestação e no período pós-parto. Mães que realizam o parto na Santa Casa da cidade também têm a orientação das enfermeiras.

A enfermeira Juliana Lorena de Meira, coordenadora de saúde da mulher e da criança na secretaria de saúde da cidade, lembra que o objetivo inicial do programa era acompanhar gestantes de alto risco, mas que o escopo se ampliou. “O programa permite gerar dados e indicadores que vão posteriormente orientar as prioridades do atendimento preventivo, ajudando a apontar futuras complicações e a agir nos casos identificados”, explica Juliana.

Mogi das Cruzes integrou a Rede Urban95 em 2021, reforçando seu compromisso com a primeira infância e o cuidado com os primeiros anos de vida. Conheça mais sobre a iniciativa, que já reúne 24 cidades brasileiras.

‘Bebetecas’ de Recife promovem interação entre crianças e cuidadores nos espaços públicos de leitura

Bebês estão levando as famílias para as bibliotecas de Recife (PE). Os novos espaços conhecidos como ‘Bebetecas’ são uma iniciativa da Prefeitura da capital pernambucana e propõem o fortalecimento da conexão entre cuidadores e suas crianças, além de oferecer estímulos e cuidado aos pequenos.

O novo equipamento integra a rede Compaz – Centro Comunitário da Paz (Crédito: Rodolfo Loepert/PCR)

O novo equipamento integra a rede Compaz (Centro Comunitário da Paz) e reforça a importância de espaços que acolham os propósitos dos pequenos de até seis anos, em consonância com o eixo central do Projeto Primeiro a Infância, um projeto da Agência Recife para Inovação e Estratégia (ARIES) através do financiamento da Fundação Bernard van Leer.

Ana Maria Bastos, empreendedora social e fundadora da Descobrir Brincando, empresa parceira do Projeto Primeiro a Infância, afirma que a bebeteca é um lugar para estimular a criatividade e a curiosidade infantil, com autonomia, facilitando que o adulto cuidador consiga enxergar esses processos. A iniciativa do projeto veio da necessidade de criar um espaço acolhedor para a pequena infância usando a estrutura dos Compaz da capital pernambucana e de suas bibliotecas, considerando as necessidades específicas das crianças.

O projeto parte do princípio de que, para desenvolver as potencialidades das crianças, é necessário construir uma relação saudável, segura e estável entre ela e o adulto cuidador. Para tanto, houve investimento tanto no projeto do espaço físico das bebetecas como no treinamento dos colaboradores. Ana Maria Bastos explica que as mediadoras treinadas vão funcionar como ponte para exercitar o olhar do cuidador para as atividades das crianças.

Além disso, também é importante a organização do local, com materiais, equipamentos e brinquedos que potencializam as iniciativas das crianças. “A gente fala que é o espaço do ‘sim’, foi tudo intencionalmente planejado”, diz Ana Maria.

Atualmente, as bebetecas estão junto às bibliotecas dos Compaz Eduardo Campos, Ariano Suassuna e Dom Helder, segundo Deborah Echeverria, gerente de planejamento e articulação da Rede de Bibliotecas pela Paz da Prefeitura do Recife. “Vamos fazer grupos com atividades permanentes, com atividades específicas, uma vez por semana, durante o semestre todo. Vamos abrir turmas divididas entre os bebês que não andam e as crianças que já andam”, detalha.

Deborah Echeverria explica ainda:”A ideia é que esses espaços sejam exclusivos para crianças e seus cuidadores, para privilegiar a família e a criança. é um espaço pedagógico, educativo, até mais para os pais do que para as crianças. Para que entendam a importância desse estímulo nos primeiros anos de vida. É um aprendizado que muita gente ainda não tem e vimos essa oportunidade nas bibliotecas do Compaz.”

As primeiras turmas devem começar já em abril ou maio, após uma intensa formação para os educadores, com foco para crianças de 0 a 4. É um projeto piloto que deve durar 3 meses. Depois disso o atendimento será ampliado: “Queremos potencializar essa ação. Temos uma parceria muito forte com o programa Mãe Coruja, que já trabalha com esse público, oferece atenção às gestantes e acompanha até as crianças completarem 6 anos de idade. Essa parceria é fundamental para um trabalho integrado”, complementa Deborah.

Trajetórias da primeira infância: um olhar integrado para os serviços

A jornada dos mil dias da vida da criança – tempo que compreende gestação, parto e os primeiros anos de vida – é também uma jornada vivida por toda sua rede de cuidadores. Por isso, os serviços e programas dos municípios devem cobrir as diferentes fases desta trajetória, trabalhando de maneira integrada para identificar vulnerabilidades.

Políticas públicas federais e estaduais para a primeira infância devem ser referência na construção de programas municipais (Crédito: Reprodução Facebook do Programa Mãe Coruja)

Foi para discutir como esta integração pode ocorrer na prática que o webinar Trajetórias da primeira infância: um olhar integrado para os serviços” reuniu as 24 cidades da Rede Urban95 no dia 23 de março. O encontro trouxe convidadas que ataram pontas complementares desta jornada: enquanto Heloísa Oliveira, diretora do Instituto Opy, trouxe referenciais de políticas consolidadas para pensar esta integração, Ana Sofia, coordenadora do programa Mãe Coruja Pernambucana, mostrou com esta articulação se dá na prática em seu Estado.

A tônica das falas das duas especialistas foi semelhante: é preciso olhar para o que já existe em termos de políticas públicas federais e estaduais e, a partir daí, construir programas municipais com impacto direto no território. “O que eu sugiro é não inventar a roda. O município pode se inspirar em práticas já existentes, se valendo delas para consolidar os próprios programas”, detalhou Heloísa.

Saúde como ponto de partida para integração de serviços 

Quando começam a pensar em seus programas para os primeiros mil dias das crianças, muitos municípios têm dúvida de por onde começar. Para Heloísa, a saúde é porta de entrada e eixo integrador de todos os outros serviços.

“Na saúde é que começam os direitos da criança e da mãe, muito antes da criança vir ao mundo. Ações de outras áreas, da educação à assistência social, podem ser acionadas e integradas ao serviço de saúde materna e infantil, por exemplo. É à medida que estas fases vão acontecendo que o atendimento se desenha”, explicou Heloísa.

Os dados coletados pela saúde neste primeiro contato principiam o mapeamento que todo município precisa fazer se quer olhar integralmente para a primeira infância. “Mapear é importante para planejar e organizar o fluxo dos serviços básicos para cada fase das crianças, de forma que você tenha referenciamento, para que as famílias saibam onde se dirigir e estes serviços estejam mais próximos, estabelecendo sistemas de busca ativa”.

É justamente na busca ativa e no mapeamento territorialmente sensível das cidades pernambucanas que se estrutura o programa Mãe Coruja Pernambucana, política pública estadual em vigor desde 2007. Criado para reduzir a mortalidade materna e infantil, o programa atua em 105 cidades, articulando serviços a partir de indicadores de saúde e fatores socioeconômicos.

Programa de Pernambuco é exemplo de serviços para a primeira infância (Crédito: Reprodução Facebook do Programa Mãe Coruja)

“O que vemos na prática quando vamos para o território é que às vezes uma política pública consegue acessar uma família, mas outra não. O Mãe Coruja articula as políticas públicas para que elas alcancem um grupo maior, principalmente gestantes e crianças em maior vulnerabilidade social”, detalhou Ana Sofia.

Os serviços oferecidos pelo Programa Mãe Coruja Pernambucana são intersetoriais e integrados. Eles começam na busca ativa e se desdobram em parcerias com a atenção básica e com a educação. À medida que a criança cresce, outros serviços começam a ser ativados, como a cultura e assistência social.

Todas as atividades desenvolvidas no Programa, sejam sobre aleitamento materno ou profissionalização das mães, se apoiam em programas e políticas que já atuam nos territórios, como a Estratégia Saúde da Família (ESF). “Temos que pensar no que já existe, no que já é política, porque estes programas são válidos para diversos contextos”, complementou a gestora.

Heloisa recordou políticas públicas consolidadas na legislação brasileira, como a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança – PIM e que podem servir como ponto de partida. “Temos boas políticas, com riqueza de detalhamento, de material e metodologia. Temos que olhar para o que já existe e preparar os profissionais que fazem o atendimento para serem este elo integrado com as demais políticas”.

Assista o webinar Trajetórias da primeira infância: um olhar integrado para os serviços:

5 ideias criativas para incrementar a atenção básica para crianças e famílias

Um dos princípios básicos da atuação em rede é a troca de experiências, o intercâmbio de ideias, as inspirações que podem surgir na atuação coletiva e em prol de uma causa comum. Na Rede Urban95 Brasil, os 24 municípios refletem a diversidade regional brasileira e estão em diferentes momentos na implementação de políticas públicas voltadas à primeira infância. E está justamente aí a riqueza desse processo: aprender com o diferente, apoiar quem está no começo da trajetória, ter as boas práticas como referência.

Rede Urban95 tem exemplos práticos de atenção à bebês e famílias (Crédito: Felipe Cardoso/Urban95 Brasil)

Pensando nisso, selecionamos ideias inspiradoras para a atenção básica à primeira infância:

1. Considerar a circulação de famílias com crianças na primeira infância no espaço físico dos equipamentos. Opções nesse sentido podem incluir uma sala de espera com área para bebês e crianças pequenas brincarem, banheiros com trocador (acessíveis a pessoas de todos os gêneros), bebedouros e torneiras em altura reduzida, área para estacionar carrinhos, espaço para amamentação, entre outros;

2. A criação de grupos de troca entre gestantes (preferencialmente, com idade gestacional próxima), em que podem ser abordados temas relacionados à gestação e aos cuidados com o bebê, como amamentação, preparação para o parto, mudanças na dinâmica familiar. Estes espaços facilitam a criação de vínculos comunitários e fortalecem a rede de apoio entre as mães e famílias, o que será valioso para a maternidade e parentalidade;

3. Oficinas de fortalecimento de vínculos entre cuidadores e bebês, com atividades como: mediação de leitura, contação de histórias, música, dança, livre brincar, artes, brincadeiras facilitadas, atividades na natureza. Além de prazerosos, esses momentos facilitam a interação de qualidade entre bebês/crianças e seus cuidadores, um dos fatores que promovem o desenvolvimento infantil saudável. Vale pensar intersetorialmente para a oferta de ações específicas, como ações de leitura com a Secretaria de Cultura e atividades na natureza com a Secretaria do Meio Ambiente;

4. Oferecer atividades físicas em grupo para gestantes (como yoga, dança materna, alongamento etc). São iniciativas que contribuem para o fortalecimento da saúde da gestante, bem como a criação da rede de apoio à família. Da mesma forma, aqui também é possível atuar de forma intersetorial, principalmente com a Secretaria de Esporte;

5. Propor oficinas para registros de história de vida do bebê e da família (“álbum do bebê” ou “álbum da família”). Esta prática auxilia na elaboração sobre as mudanças na vida familiar e na construção da identidade e do pertencimento do novo membro da família.

Boas práticas na Rede Urban95

Algumas experiências já vêm sendo testadas em municípios brasileiros, outras ainda são recomendações práticas dos especialistas e que podem servir como ponto de partida para novas políticas públicas. Conheça algumas práticas das cidades que integram a Rede Urban95 Brasil:

– No Recife (PE), o Centro Comunitário da Paz (Compaz) Governador Eduardo Campos acaba de inaugurar a primeira “Bebeteca” da cidade. O espaço, totalmente dedicado à primeira infância, vai acolher famílias e suas crianças, propiciando momentos de interação. Enquanto as crianças exploram o ambiente planejado para exercitar a criatividade e a autonomia, os adultos têm a oportunidade de observar e acompanhar a experiência. O espaço para a primeira infância no ambiente da biblioteca aproxima crianças e família do universo da leitura, literatura e conhecimento. O espaço foi cuidadosamente montado com equipamentos e materiais que propiciam um ambiente favorável a todas as suas dimensões de desenvolvimento: física, cognitiva, linguagem e socioafetiva.

– Em Boa Vista (RR), o projeto Baby Spa, lançado em 2019,  busca incentivar o cuidado e o desenvolvimento das crianças nos primeiros meses de vida. O espaço é um ambiente inovador, que oferece massagem Shantala e hidroterapia com banhos relaxantes de ofurô, entre outras atividades. Em 2021, o projeto foi ampliado e uma lei municipal prevê a instalação de baby spa nas Unidades Básicas de Saúde e Família Que Acolhe (FQA).

– Em Cascavel (PR), equipes dos Centros de Referência e Assistência Social (CRAS) e dos Centros de Convivência de Cascavel estão promovendo um ciclo de oficinas on-line para planejar ações voltadas a gestantes, puérperas, famílias e crianças de zero a seis anos. A proposta é combinar discussões teóricas e metodológicas com momentos voltados para a construção concreta dos planejamentos e reflexões sobre a prática, tendo ainda convidados em alguns encontros para compartilhamento de experiências. Entre as iniciativas oferecidas para gestantes e crianças estão as práticas com Bebês e Crianças Pequenas sob a perspectiva da abordagem Pikler (sobre aprender a olhar a criança a partir de si mesma, das suas possibilidades e dos seus limites), a Casa da Árvore (sobre brincar e conversar com crianças e suas famílias) e as Redes de Apoio.

‘Cresça com Seu Filho’ promove o desenvolvimento integral das crianças desde a gestação

Com uma trajetória consistente de políticas públicas voltadas à primeira infância, a cidade de Fortaleza (CE) vem se destacando em projetos e programas que já são referência nacional. Exemplo disso é o ‘Cresça com Seu Filho/Criança Feliz’, que visa ao desenvolvimento integral das crianças desde a gestação até os três anos de idade. Na prática, consiste em promover visitas às casas de famílias em situação de vulnerabilidade social e econômica.

Entre os objetivos do programa estão potencializar os conhecimentos e habilidades de mães, pais e cuidadores para promover o desenvolvimento das crianças em todas as dimensões; fortalecer os vínculos familiares em benefício das crianças, prevenindo situações de violência; favorecer a entrada das famílias na rede de proteção oferecida pela prefeitura; e, finalmente, monitorar e avaliar indicadores relativos ao desenvolvimento da criança na primeira infância.

Potencializar conhecimentos e habilidades de cuidadores para promover o desenvolvimento das crianças em todas as dimensões é o objetivo do ‘Cresça com Seu Filho’ (Crédito: Felipe Cardoso/Urban95 Brasil)

Na ponta final do processo está o agente comunitário de saúde, sob supervisão de um enfermeiro de saúde da família ou um supervisor intersetorial. “A estratégia é muito relevante por atender às famílias mais vulneráveis do território e por ser transversal à atenção primária. São os enfermeiros e agentes das equipes da estratégia saúde da família, os quais já possuem vínculo com a comunidade, que realizam o acompanhamento às gestantes e às crianças, utilizando a metodologia do programa através de visitas domiciliares” diz Emanuelle Carneiro Melo, responsável técnica pelo Cresça com Seu Filho/ Criança Feliz na Secretaria Municipal da Saúde de Fortaleza.

Algumas microáreas que não têm agente comunitário são atendidas por visitadores domiciliares e supervisores vinculados à Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SDHDS). Segundo Emanuelle, eles contam com um guia para a realização de cada visita domiciliar, orientando o profissional em cada uma das atividades.

O programa recomenda que as visitas sejam semanais para as crianças e mensais para as grávidas.

Podem ter acesso ao programa todas as famílias com gestantes e crianças até 3 anos, independentemente de renda familiar ou de inscrição no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico). No caso das crianças, são selecionadas as mais vulneráveis. Em relação às gestantes, todas são consideradas.

O programa está em processo de expansão, e o objetivo da prefeitura é implantá-lo em todos os postos de saúde.

“As famílias que são acompanhadas pelo programa e os próprios agentes que as acompanham relatam os avanços que observam no desenvolvimento da criança no decorrer das visitas semanais que recebem. É muito gratificante ouvir esses depoimentos”, complementa Emanuelle.

Jornada da infância: o atendimento integral da primeira infância

Heloisa Oliveira participa do webinar da Rede Urban95 (Crédito: Arquivo Pessoal)

Um município com uma rede integrada e intersetorial estará mais equipado para lidar com os desafios dos territórios e também para garantir os direitos da primeira infância.

Conversamos com Heloisa Oliveira, que tem uma longa trajetória na gestão de organizações que atuam no campo da primeira infância e defendeu a importância da intersetorialidade e das políticas públicas integradas para a eficácia de programas e projetos. Confira a seguir:

Para começar, gostaria que você falasse sobre o conceito de “jornada da infância” e qual a importância desse processo para a primeira infância.

Heloisa: A vida da pessoa é uma grande jornada, que começa na gestação e vai até a velhice, a idade mais avançada. Essa primeira etapa, compreendida na primeira infância, pode ser fracionada. Você tem a jornada dos primeiros mil dias, que começa na gestação, compreende o primeiro e o segundo ano. Se você olhar isso como um grande caminho que está sendo percorrido pela pessoa, você consegue enxergar melhor como os serviços precisam estar disponíveis para ela.

Do ponto de vista do gestor, da política pública, é preciso o mínimo de planejamento para garantir que os serviços vão estar aparelhados e capacitados para prestar esse atendimento. Não podemos olhar as famílias como clientes, a família da saúde, a família da assistência social, pois uma mesma pessoa demanda todos esses serviços, muitos deles simultâneos.

Qual é a importância da intersetorialidade considerando as necessidades muito específicas em cada período?

Heloisa: Programas de atendimento básico precisam estar integrados e adequadamente referenciados com as famílias. Elas também precisam saber a que serviço se dirigir. Muitas vezes, numa cidade maior, que tem mais de um ponto de atendimento daquele serviço, a família não está especificamente orientada a qual se dirigir.

Outra questão importante é, ao receber uma família que vai ter um bebê, que todas as informações sejam dadas para essa mãe, para essa família, sobre exames, sobre nutrição. Se nas últimas semanas ela não tiver tomado uma série de providências, de cuidados, que possamos responder a tempo para reverter o caso.

Uma mãe adolescente entra no serviço de pré-natal, e as perguntas precisam ser feitas: está na escola? O que vai fazer? Tem que ter comunicação com a escola, um programa para que essa menina não se afaste dos estudos. Porque se ela se afastar da escola, é mais uma família pobre ali na frente. A gravidez precoce é multiplicador de pobreza, porque as mães se afastam da escola, mudam seu projeto de vida, sua jornada é totalmente alterada.

Tem dois aspectos importantes de que você fala, a comunicação e a agilidade, esta última complexa na gestão pública. Como as cidades podem melhorar nesse atendimento?

Heloisa: O que significa uma gestação? São 40 semanas. Uma semana passa muito rápido. Quando se tem a comunicação de uma gestação, já podem ter passado de 8 a 12 semanas. Só sobram 28 semanas para tomar todas as providências. Isso muitas vezes escapa na hora de falar sobre os cuidados, a questão da agilidade, do timing.

Grande parte dos problemas de mortalidade por causas evitáveis estão ligados a pequenas coisas que, com uma informação adequada, podem ser evitadas. Esses instrumentos que fazem parte dos programas de governo, como a caderneta da criança, são bons, são completos, mas muitas vezes a mãe não sabe ler com segurança. Precisaria que alguém passasse a orientação, mais do que só entregar a caderneta na mão. O serviço tem que estar preparado, tem que ter todo um reforço de comunicação.

A medicina de família é muito importante porque pode interceder na residência, ir até a família entre as consultas. Estamos falando de famílias que talvez não tenham condições de buscar ativamente este conhecimento?

Heloisa: A gente acha no Brasil que ter um programa de governo nacional de cuidado é suficiente, mas a gente esquece de um detalhe. A pessoa não vive na federação, na União, a pessoa vive já na comunidade. A gente precisa olhar, e por isso a Urban95 tem um trabalho importante, o ponto de partida, o papel da saúde nisso, porque ali você consegue garantir que a criança vá passando por essas fases com a garantia de que aquele pedacinho da jornada está bem encaminhado. Que aquele atendimento certeiro vai permitir que ela siga caminhando bem na jornada da criança.

Eu estou na última etapa da minha jornada, que eu espero que seja longa, e sou o resultado de uma grande jornada, onde fui cuidada pelos meus pais, professores, depois por mim mesma. Enfim, a gente é resultado da história construída ao longo de uma grande jornada.

Para uma mãe que tem uma família, acesso a cultura e educação, é razoavelmente fácil garantir as oportunidades para a jornada dos primeiros anos. Mas para quem está fora do acesso, é mais difícil oferecer isso aos próprios filhos. O grande desafio talvez seja transformar o círculo vicioso em virtuoso, em relação ao conhecimento, acesso da família e o que ela consegue ofertar à criança?

Heloisa: Hoje, principalmente agora depois da pandemia, que acentuou as desigualdades sociais, os desafios não são poucos. Precisamos entender quem é o público prioritário da política pública. Deve ser quem mais precisa delas, esses devem ser priorizados, e estou falando das famílias mais pobres.

Família pobre não é apenas a que não tem renda suficiente. A pobreza precisa ser entendida na sua real dimensão. Uma casa sem água, sem saneamento básico, uma casa sem condições de moradia, uma família que não tem acesso ao serviço de saúde, a educação, é uma família pobre. Por isso a política não pode ser tratada de forma diferente.

Ao olhar a pobreza só pela faixa de renda eu não consigo enxergar quais são os desafios daquela família. É muito importante que tudo seja pensado sob a lógica de uma pessoa que demanda diferentes serviços. Esses serviços dependem da etapa da jornada que essa pessoa está vivendo e da condição socioeconômica que ela tem. Essa condição vai determinar quais serão seus maiores desafios.

É uma situação complexa, um tema com muitos lados.

Heloisa: Eu diria que não é uma questão complexa, é uma questão do jeito de olhar. As políticas públicas nacionais preveem essa assistência, mas muitas vezes o poder público não conhece todos os desafios das comunidades em sua área de gestão, e por isso não conhece as formas de atender a esses desafios. Além de olhar para a jornada, você precisa organizar os serviços de forma a atender o que aquela comunidade precisa.

Muitas vezes as mães não querem a creche porque está longe da casa delas. Bom, então a creche está no lugar errado. Se a creche estiver perto das famílias, ela vai atender muito melhor. A forma de olhar pode mudar tudo. E tudo começa por conhecer melhor as realidades, principalmente das áreas mais vulneráveis de cada município.

A própria Urban95 tem projetos e ferramentas de mapeamento. Fazendo o mapeamento das famílias, o trabalho seguinte é identificar onde precisa ter um posto de saúde, uma creche ou um CRAS para atender melhor aquelas famílias.

E onde está o maior potencial do uso de dados no atendimento à família?

Heloisa: O georreferenciamento da população é fundamental para avançar nesse tipo de atividade, organizar e integrar serviços. É pré-requisito, mas não é suficiente, assim como alertas de risco não são suficientes. Avançamos com a vontade política e um olhar de integração, de que estamos falando de uma mesma pessoa, uma mesma família, detentora dos mesmos direitos. Assim entendemos que os serviços devem estar disponíveis ao mesmo tempo e dentro da mesma estrutura de governo.

A estratégia de saúde da família, se bem orientada nessa questão da integração do atendimento, é fundamental, porque tem a capilaridade. Se há georreferenciamento e uma estratégia da saúde da família bem estruturada, você pode fazer as coisas serem utilizadas de forma que até as semanas da gravidez sejam melhor cobertas pelos serviços. Temos de aproveitar ao máximo esses instrumentos para entregar os serviços no tempo certo.

Normalmente a gente fala que um prefeito tem um papel fundamental. Uma gestão municipal são dois terços da primeira infância. Se você falar dos mil dias, eles cabem dentro de uma gestão. Para o bebê que acabou de nascer, não adianta o que vai ser feito daqui quatro anos, importa o que está sendo feito agora.

Para avançar no debate, o Webinar “Trajetórias da primeira infância: um olhar integrado para os serviços” acontecerá no dia 23 de março, das 9h às 10h30. Com o objetivo de apoiar os municípios da Rede Urban95 na concepção e implementação de serviços para primeira infância, este webinar discutirá como a intersetorialidade entre serviços é fundamental para prevenção e fortalecimento de vínculos entre cuidadores e crianças.

O encontro virtual será conduzido pelo CECIP e terá como convidadas:

Heloisa Oliveira: Economista e diretora do Instituto Opy, Heloisa irá compartilhar conosco um resgate histórico do papel da intersetorialidade na qualidade de vida e acesso aos direitos da primeira infância.

Ana Sofia: A diretora geral de Políticas Estratégicas do programa Mãe Coruja mostra na prática como uma experiência intersetorial exitosa garante os direitos das gestantes na rede estadual de Pernambuco.

Inscreva-se.

Programa Florescer, em Teresina, atende mulheres em vulnerabilidade social e vítimas de violência e dá atenção especial às crianças dessas famílias

Cinco espaços dedicados a atender integralmente a mulheres e suas crianças em situação de vulnerabilidade social e expostas a violência doméstica e de gênero. Esse é o propósito do projeto Florescer, uma iniciativa da Prefeitura de Teresina (PI), iniciado em 2021.

A capital do Piauí faz parte do grupo de 24 municípios que integram a Rede Urban95 e o Florescer foi construído nesse contexto. O programa faz parte da rede de apoio a políticas para mulheres da prefeitura da capital do Piauí, e tem entre seus objetivos fortalecer o desenvolvimento da autonomia e autoestima das mulheres atendidas, numa perspectiva de igualdade de gênero.

O Florescer procura articular políticas públicas nos setores de saúde, educação, assistência social e qualificação profissional (Crédito: Prefeitura de Teresina)

O projeto contempla toda a família, oferecendo  acompanhamento às crianças, capacitação e atendimento psicológico às mulheres e também acolhendo os parceiros delas por meio de palestras e encontros educativos.

O Florescer procura articular políticas públicas nos setores de saúde, educação, assistência social e qualificação profissional, numa tentativa de gerar o empoderamento e a autonomia financeira das mulheres atendidas. Entre os cursos de capacitação oferecidos estão manicure e pedicure, balconista de farmácias e atendimento.

“Nosso trabalho não é isolado. Realizamos uma série de projetos em parceria com outras secretarias, certamente teremos uma grande repercussão social. Aqui temos muitas famílias abaixo da linha da pobreza, grande parte delas chefiadas por mulheres, e muitas estão à margem dos serviços públicos, instituições de ensino e mercado de trabalho”, diz Kárita Allen, secretária executiva de Planejamento Estratégico e Gestão da prefeitura de Teresina.

Ações para a primeira infância

O Florescer já se tornou um símbolo no atendimento às mulheres que vivenciam situações de vulnerabilidade social e violência doméstica e de gênero. Mas é no olhar para as crianças que vivem nessas famílias que o programa se volta para o cuidado com as próximas gerações, com um planejamento de longo prazo.

Para Kárita, o Florescer é uma “porta para reforço” de ações para a primeira infância. “Ele vai sanar uma lacuna que se percebeu ser muito forte na cidade – apoiar os filhos menores dessas mulheres. Elas não têm onde deixar os filhos, precisam de apoio no contraturno da escola”, justifica.

Às mais de 400 crianças entre 1 anos e 2 anos e 11 meses alcançadas pelo projeto, são oferecidas ações recreativas e lúdicas e brincadeiras. Ao completar 3 anos, elas são encaminhadas a escolas municipais de ensino infantil.

“Sempre nos referenciamos nas boas práticas de outras cidades. Boas práticas na gestão municipal nos inspiram o tempo todo. Na viagem que fizemos a Jundiaí (SP), por exemplo, tivemos a oportunidade de aprender com um sistema de educação que já vem dando certo, e nosso objetivo é fazer com que esse método seja inspiração para o desenvolvimento de melhorias dentro do nosso município. Por outro lado, o Florescer também pretende inspirar outras cidades”, afirma Kárita. E conclui: “Estamos expandindo o serviço na própria capital, mas sabemos que a realidade é nacional – mulheres que sofrem violência e que precisam de apoio para filhos pequenos.

Fortaleza cria coordenadoria para a primeira infância

Intensificar, sistematizar, planejar e consolidar as políticas públicas voltadas aos cidadãos de 0 a 6 anos. Essa é a proposta da nova Coordenadoria Especial da Primeira Infância, que acaba de ser inaugurada pela prefeitura de Fortaleza (CE). A iniciativa pretende ser um estímulo para outras cidades brasileiras.

A coordenadoria está a cargo da jornalista Patrícia Alencar de Macêdo e o objetivo é fortalecer políticas públicas destinadas à infância, estimulando o desenvolvimento nos primeiros anos, com ações integradas de saúde, educação e assistência social.

Segundo Patrícia, Fortaleza foi a primeira cidade a fazer um plano municipal para a primeira infância e, agora, também se destaca ao criar a coordenadoria voltada para o tema: “A cidade já vinha trazendo nas secretarias temáticas vários projetos voltados à primeira infância. Já havia uma compreensão na gestão da importância desse tipo de enfoque”.

“Veio então o entendimento de que todos os projetos para a primeira infância deveriam ser acompanhados em uma só secretaria”, disse Patrícia, que também atua como psicóloga e tem experiência anterior em cargos públicos.

A coordenadora explica que a proposta do novo órgão não é executar projetos e programas, mas, sim, acompanhá-los e monitorá-los. Para isso, o trabalho está distribuído em três coordenadorias específicas: gestão e monitoramento de dados; educação e pesquisa; e articulação (para otimizar o trabalho entre as secretarias). “Essas três áreas estão trabalhando juntas em prol da primeira infância”, disse Patrícia.

Segundo ela, a criação da coordenadoria gera um impacto simbólico: “A partir do momento que a gestão sinaliza para a sociedade esse cuidado em criar uma pasta exclusiva para a primeira infância, é uma demonstração de atenção e de preocupação. A repercussão na cidade foi incrível, fomos muito bem acolhidos.”

Questionada sobre o que cidades que querem seguir esse caminho devem fazer, Patrícia disse: “Cada cidade conhece a sua necessidade mais emergente. Mas quem procura acolher a primeira infância como nós temos acolhido tem condições de dar esse passo. Foi uma longa caminhada até aqui. Temos projetos muito inspiradores, premiados internacionalmente. O envolvimento, o investimento na primeira infância, antecede essa decisão. Estamos super dispostos e abertos a trocar experiências com outras cidades, queremos mostrar nossa experiência aqui e aprender também”.

Parceria

Taís Costa, coordenadora do Laboratório de Inovação de Fortaleza (Labifor), destacou a importância da nova coordenadoria na gestão municipal. Criado em outubro de 2021, o Laboratório faz parte da Fundação de Ciência, Tecnologia e Inovação da Prefeitura de Fortaleza (Citinova), e é responsável pelos projetos da Urban95 na cidade. A partir de agora, explica Taís, o trabalho será realizado em parceria com a Coordenadoria da Primeira Infância.

“A Coordenadoria da Primeira Infância será o ponto focal dos projetos com a Rede Urban95 e vai direcionar prioridades e fortalecer as políticas públicas voltadas para a primeira infância”, disse. “Vai fazer muita diferença para a sustentabilidade das nossas ações.”

 

Como escolher a via para implementar uma Rua de Brincar

Especialistas dão dicas para iniciar o programa e falam dos benefícios e impactos positivos

É possível melhorar as cidades para que elas sejam seguras, lúdicas e confortáveis para as crianças e para todos os seus habitantes. Uma das formas de fazer isso, seja em um município pequeno ou em uma metrópole, é por meio da implantação das Ruas de Brincar. Nesse espaço público dedicado à confraternização e socialização, as crianças podem despertar aprendizados, ser livres e brincar sem medo. Além disso, a implementação de uma Rua de Brincar é rápida e barata. Mas, como começar?

Para Letícia Sabino, mestre em planejamento de cidades e design urbano e fundadora da SampaPé, sempre é bom começar por um local em que haja demanda da população ou da comunidade por um espaço delimitado para diversão. “Pode ser uma rua local ou uma grande avenida. O importante é estar muito atento às pessoas, às possibilidades de atividades existentes – esportivas e culturais, por exemplo – nos espaços públicos ao redor e também se há, idealmente, espaços verdes.

Já para Lívia Barbosa, diretora de cultura de Uruçuca (BA) e idealizadora do “Ruas Brincantes” no município, a dica é não prejudicar o fluxo habitual. “É preciso escolher a rua com cuidado para que essa ação não interfira na movimentação básica da cidade. Por exemplo: atenção para não escolher uma rua que seja passagem para o hospital, cemitério ou algum outro serviço permanente”, explica.

Outra recomendação de Lívia é utilizar ruas com alguma infraestrutura de suporte por perto: “Em Uruçuca, optamos por escolher uma rua que tivesse um prédio público para nos dar suporte, inclusive com banheiro”, conta.

5 passos para implementar uma Rua de Brincar no seu município

Se você é gestor público:

  1. Ouvir as demandas da população
  2. Mapear espaços e ruas potenciais e escolher a rua
  3. Promover diálogos com a comunidade e com outras cidades que já implementaram a iniciativa para promovê-la com consistência
  4. Mobilizar e integrar o trabalho entre secretarias, para transformar a iniciativa em política pública que possa ser ampliada com o tempo
  5. Divulgar amplamente o evento

Se você é da sociedade civil:

  1. Estabelecer parcerias (escolas, gestão pública, organizações e comércio locais, lideranças comunitárias)
  2. Mapear oportunidades (ruas, espaços públicos, grupos culturais) e escolher a rua
  3. Realizar um organograma de responsabilidades (quem é responsável pelas diferentes atividades)
  4. Dialogar com o poder público e transformar a iniciativa em política pública que possa ser ampliada com o tempo
  5. Divulgar amplamente o evento

Ursula Troncoso, arquiteta e urbanista consultora na implementação do “Rua do Brincar” em Jundiaí (SP), dá dicas para o sucesso do evento, como identificar e listar os produtos necessários para que a programação seja um sucesso: cadeiras, elementos para gerar sombra, cones para fechar a rua, atividades esportivas, culturais e inclusivas. “É importante oferecer espaços para que a comunidade revele seus talentos, deixando que os moradores organizem e facilitem oficinas, por exemplo”, explica.

É importante garantir atividades diversas, envolvendo a comunidade, além de espaços de sombra e socialização. Acima, uma Rua de Lazer realizada com a comunidade e a escola em Jundiaí – SP. (Crédito: Cidade Ativa)

Impactos positivos

Para Ursula Troncoso, as reações das crianças são o melhor exemplo de que a iniciativa gera grandes impactos positivos: “Uma fala que me impactou muito foi a de uma criança que disse: ‘Eu nunca tinha brincado na rua antes’. Me marcou porque na minha infância eu ainda brinquei na rua. Mas hoje as crianças não brincam mais. Passam a maior parte do tempo dentro de casa, inclusive nos fins de semana”.

A arquiteta e urbanista ressalta que as Ruas de Brincas revelam às crianças e adultos uma outra relação com o espaço público. “Todos têm a oportunidade de estar juntos em um ambiente seguro e ao ar livre. Isso é muito bom”, afirma.

Em Uruçuca, as “Ruas Brincantes” tiveram grande adesão e 100% de satisfação. Todos os participantes da edição piloto avaliaram a iniciativa como positiva e afirmaram que voltariam a participar em um próximo evento. “A cidade é carente de espaços de lazer específicos para as crianças, então a escolha desse tipo de evento foi a opção ideal”, afirma Lívia.

Benefícios para as crianças 

A implementação de uma Rua de Brincar abrange muitos benefícios, já que é um espaço para:

  • Expandir as possibilidades de brincadeiras e aprendizados
  • Estimular conversas e convivência com pessoas de origens e contextos socioeconômicos diferentes
  • Diversão
  • Fugir do perigo do trânsito e do fluxo dos carros
  • Sair do vício do uso das telas
  • Sair do emparedamento (estar sempre em ambientes fechados)
  • Exercitar a imaginação

“Todos esses benefícios estimulam o cérebro das crianças e levam a um maior desenvolvimento fisiológico e biológico, porque permitem um maior convívio social, com mais qualidade pela capacidade de olhar longe, distante e a possibilidade de sentir o clima no corpo”, afirma Letícia Sabino.

Bolha Cinza integra ações do “Ato pela Terra”, reforçando o direito das crianças ao ar puro

A Rede Urban95 Brasil se uniu às dezenas de movimentos da sociedade civil e artistas para uma manifestação que ocorreu nesta quarta-feira (9), em Brasília, em frente ao Congresso Nacional.

O “Ato pela Terra” buscou pressionar as autoridades contra a aprovação de um pacote de projetos de leis responsáveis por impactar direta e irreversivelmente a Amazônia, os direitos humanos, o clima e a segurança pública. Participaram artistas como Caetano Veloso, Maria Gadú, Seu Jorge, Nando Reis, Bela Gil, Christiane Torloni, Letícia Sabatella, Bruno Gagliasso, Lázaro Ramos e Natiruts.

Ação da Campanha “Livre Para Brincar Lá Fora” em “Ato pela Terra” (Crédito: Criança e Natureza)

O Instituto Alana, parceiro da Rede Urban95 Brasil, participa do evento com a campanha global “Livre para Brincar lá Fora”, que procura conscientizar sobre os impactos negativos da poluição do ar, que afeta especialmente a saúde e o desenvolvimento de crianças e adolescentes. Para simbolizar esse inimigo invisível que, no Brasil, é em parte advindo das queimadas, uma bolha cinza gigante foi instalada na frente do Congresso Nacional.

“As crianças são as mais afetadas pela poluição, seja pela convivência com veículos motorizados, indústrias poluidoras ou queimadas. Garantir que a floresta permaneça de pé é proteger o direito ao ar puro para as crianças e qualidade de vida para todos nós”, defende Cláudia Vidigal, representante da Fundação Bernard van Leer no Brasil.

As crianças são as mais afetadas pela poluição (Crédito: Criança e Natureza)

Alguns dados relevantes que justificam a participação das organizações que atuam com o tema da infância no Ato pela Terra:

  • O ar poluído é responsável pela morte de pelo menos 600 crianças menores de 5 anos a cada ano em nosso país, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
  • No mundo, hoje, 93% das crianças respiram ar com níveis de poluição acima do recomendado pela Organização Mundial da Saúde, o que faz da poluição do ar a segunda maior ameaça à saúde pública após o Covid-19. Também segundo a OMS, a poluição mata meio milhão de crianças de até 5 anos no mundo.
  • As crianças respiram mais vezes por minuto do que um adulto, inalando poluentes que provocam asma, complicações pulmonares e danos ao desenvolvimento físico e cognitivo ao longo da vida. Há, ainda, evidências de que a exposição de gestantes e bebês à poluição eleva o percentual de morte fetal e o risco de mortalidade infantil.
  • Não  existe vacina para evitar os problemas decorrentes da poluição do ar, como parto prematuro, baixo peso ao nascer, asma, complicações pulmonares e problemas no desenvolvimento físico e cognitivo.
  • A maior parte das cidades brasileiras sequer têm um sistema para medir a poluição do ar, ou políticas públicas eficazes para mitigá-la.

O maior jogo de Amarelinha do Brasil fica em Fortaleza (CE)

Do início ao “céu”, um jogo de amarelinha (maré, avião ou sapata, dependendo do estado do Brasil) riscado no chão tem dez “casas” para serem puladas. Mas, em Fortaleza (CE) é diferente. Cearenses e turistas que visitam a Rua Almirante Jaceguai, na Praia de Iracema, encontram um jogo com 400 quadradinhos. É a maior amarelinha do Brasil, com 180 metros do início ao “céu”.

A amarelinha fica na Praia de Iracema, e tem 400 quadradinhos (Crédito: Prefeitura de Fortaleza)

A amarelinha gigante foi uma iniciativa da Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania – AMC, instalada em agosto de 2021 quando houve a revitalização da sinalização do projeto Cidade da Gente, no entorno do Centro Cultural Dragão do Mar.

“A nova amarelinha é um instrumento lúdico, assim como os outros elementos de pintura no pavimento para interação entre crianças e público do Centro Cultural e dos demais equipamentos do entorno”, afirma Marcia Dias Soares,  gestora da – FUNCI – Fundação da Criança e da Família Cidadã, parceira da prefeitura e da Uban95 na iniciativa.

Junto à amarelinha foram desenhados outros diversos ícones que remetem a brincadeiras da infância, como controles de videogames e personagens do jogo PacMan.

Projeto Cidade da Gente

A proposta do Cidade da Gente, segundo Márcia Soares, demonstra a relevância em priorizar a população e garantir mais segurança viária em uma região de circulação intensa de pessoas, como o entorno do Dragão do Mar.

Os pedestres são o segundo grupo mais atingido por acidentes de trânsito fatais em Fortaleza, registrando um total de 31% do total de mortes no trânsito em 2020. Os dados atuais mostram que houve 50% na redução da velocidade média dos veículos e aumento de 41% de pessoas envolvidas em atividades culturais.

Fábrica das Infâncias Japy é um espaço cultural destinado às crianças

Em 2019, Jundiaí ingressou na Rede Urban95 Brasil e passou a receber orientações para realização de suas ações. Uma delas é a Fábrica das Infâncias Japy. No século XX, o espaço foi uma fábrica de tecelagem, com uma maioria de trabalhadoras mulheres. Em dezembro de 2021, tornou-se oficialmente a sede do Comitê das Crianças, vinculado à Unidade de Gestão de Cultura, fazendo parte do conjunto de equipamentos públicos da Prefeitura.

Assim como a antiga fábrica têxtil, a Fábrica das Infâncias leva este nome por sua nova vocação de tecer, de modo criativo e não convencional, experiências positivas e memoráveis para as crianças da cidade. É um espaço voltado para a experimentação artística, formativa, criativa e reflexiva sobre brincadeiras e infâncias.

Bebê em atividade na Fábrica das Infâncias Japy (Crédito: Pedro Amora/Prefeitura de Jundiaí)

“A Fábrica é um grande sonho porque, além de ser a sede do Comitê das Crianças, o que para nós é muito importante, nos deixa felizes em poder ocupar o espaço cultural. Queremos muito que seja só a primeira Zona da Infância da cidade”, diz Marcelo Peroni, gestor de cultura da Prefeitura de Jundiaí.

A Zona da Infância na cidade é um projeto de intervenção urbana que compreende vias com redução de velocidade, calçadas mais largas e zonas calmas para pedestres. Quem visitar a Fábrica vai poder aproveitar diversas instalações, como as pinturas do programa Jundiaí Pé de Infância, sobre a importância do olhar para a infância.

A escuta de crianças

Seguindo a ideia de que política é, sim, “coisa” de criança, Jundiaí coloca os pequenos cidadãos como foco na definição de políticas públicas. O Comitê das Crianças é um órgão formado por 28 integrantes de 8 a 11 anos que se reúne uma vez por mês para discutir como melhorar a cidade.

O processo de concepção da Fábrica contou também com a escuta especializada das crianças e esta experiência é relatada em exposições instaladas no local. As crianças do Comitê também contribuíram para a concepção do Parque Naturalizado na área verde que compõe o espaço e os alunos de escolas do entorno –  Emebs José Romeiro Pereira (o Geva), Maria de Toledo Pontes e Ramiro Araújo Filho – fizeram o percurso a pé da escola até o local e relataram suas opiniões sobre mobilidade.

Assista ao vídeo que mostra mais detalhes sobre a Fábrica das Infâncias Japy:

Crianças nas ruas: como garantir espaços brincantes e seguros

Crianças nas ruas brincando nas praças, nos parques, correndo nas calçadas e derrubando os muros imaginários que nos separam dos territórios. Quantas crianças moradoras das metrópoles têm a oportunidade de experimentar aquele saudoso ideal de infância marcado por brincadeiras de rua e autonomia para viverem o bairro sozinhas, garantindo a mobilidade para primeira infância?

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A importância do trabalho integrado para implementar ruas de brincar

As Ruas de Brincar são uma política democrática, que funcionam bem em qualquer tamanho de cidade – não importa se o município é metrópole, como Brasília ou São Paulo, uma cidade média como Jundiaí (SP) ou pequeno como Uruçuca (BA), cidade de 21 mil habitantes no sul da Bahia. O importante é ter vontade, planejamento, diálogo e trabalho colaborativo.

O webinar “Ruas de brincar”, realizado para as cidades da Rede Urban95, mostrou diferentes experiências brasileiras, que garantiram um espaço público seguro para brincadeiras ao ar livre. O encontro contou com a participação de Letícia Sabino, mestre em planejamento de cidades e design urbano e fundadora da SampaPé, Ursula Troncoso, arquiteta e urbanista do Ateliê Navio, responsável pela implementação do “Rua do Brincar” em Jundiaí e Lívia Barbosa, diretora de cultura de Uruçuca e idealizadora do “Ruas Brincantes” no município.

Durante a conversa, que foi conduzida por Isabella Gregory, coordenadora do Urban95 no CECIP, e por Claudia Vidigal, representante da Fundação Bernard van Leer no Brasil, foram apresentadas três experiências sobre as ruas de brincar.

Rua: espaço público de transformação

Letícia Sabino começou o bate-papo ressaltando a importância das ruas como espaço público de transformação. “Abrir as ruas para as pessoas é promover a cultura do caminhar e humanizar as cidades, principalmente para as crianças que ainda estão formando seu conceito de cidade e convivência”, afirmou.

A fundadora do SampaPé desmistificou a ideia de que um espaço público seja apenas uma praça ou área delimitada, trazendo um conceito de Jan Gehl de que todo espaço entre os edifícios e lotes privados são espaços públicos. “Portanto, as ruas representam a maior parte do espaço urbano. A partir daí devemos refletir sobre o uso que fazemos desses espaços: estão sendo espaços mais inclusivos, de encontros, promovendo brincadeiras e diversão?”, questionou Letícia.

Ainda segundo Letícia, a abertura de ruas para as pessoas é uma estratégia de urbanismo barata, flexível e que gera muitos resultados positivos, pois ajuda a construir a médio e longo prazo um ideal de cidade mais lúdico: a rua deixa de ser uma via de trânsito e passa a ser percebida e vivenciada.

Diálogo, construção conjunta e trabalho integrado

Ao apresentarem suas experiências de Jundiaí (SP) e Uruçuca (BA), respectivamente, Ursula e Lívia destacaram a importância do diálogo constante entre os atores envolvidos e do trabalho integrado – entre poder público, moradores, organizações locais, comunidade escolar, comércio local e outras empresas privadas – para o sucesso do programa.

“As crianças, cuidadores, moradores e membros da comunidade precisam ser envolvidos desde o planejamento até a ativação, o evento em si”, afirmou Ursula Troncoso. A escuta e a participação da comunidade em Jundiaí contou com apoio da organização Cidade Ativa. Foram realizados o mapeamento dos atores locais, lideranças comunitárias, associações e estabelecimentos comerciais. Em seguida, foram realizadas conversas, reuniões, entrevistas e visitas para manter o engajamento dos envolvidos. Por fim, foi realizado o evento ao ar livre com o envolvimento e participação de todos. “Uma das lições aprendidas foi a de que a participação ativa da comunidade desde o planejamento até a ativação é essencial porque potencializa o sentimento de pertencimento e interesse no programa”, afirmou Ursula.

A idealizadora do “Ruas Brincantes” em Uruçuca, Lívia Barbosa, comentou a experiência da cidade baiana: “depende muito mais de recursos humanos do que financeiros”, disse. “Sem a participação de todos não seria possível efetivar a iniciativa. Contamos com apoio das secretarias de Saúde, Esportes, Ação Social, Administração, Comunicação, da comunidade escolar, dos moradores e do comércio local. É um trabalho que precisa ser integrado, os vários atores precisam trabalhar juntos”, afirmou.

Se você perdeu o encontro ao vivo, confira a gravação completa do webinar:

A importância da educação ao ar livre para crianças

Ver e sentir a beleza das flores, aproveitar um banho de chuva, plantar uma árvore, construir bonequinhos de galho, fazer uma coleção com elementos da natureza, brincar na areia, subir em árvores, construir cabanas, encontrar os amigos ao ar livre e descobrir como a vida se desenvolve são experiências importantes que nos colocam diante da beleza e do mistério da vida. Na primeira infância, a educação e os processos de desenvolvimento se beneficiam diretamente dessas interações.

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Retrospectiva 2021 reúne avanços e conquistas da Rede Urban95 Brasil

Já está no ar a Retrospectiva Rede Urban95 Brasil 2021: como as cidades do ciclo de 2020 estão pensando a primeira infância, publicação produzida em parceria com o Instituto Cidades Sustentáveis (ICS) para divulgar os projetos e ações de destaque do último ano.

O material poderá ser usado como um guia para outras cidades, como referência e fonte de consulta. É um importante material para compartilhar com quem está junto na defesa do direito da criança à cidade e com gestores de outros municípios que desejem fortalecer as pautas da primeira infância em seus territórios.

Frente aos desafios de 2021, a Rede Urban95 avançou em articulações para repensar as cidades que estão priorizando a primeira infância. A publicação conta a história da Rede Urban95 no Brasil e traz ideias e estratégias para planejar e gerir políticas públicas, capacitar equipes técnicas, mobilizar redes, utilizar dados, implementar programas e serviços, mudar comportamentos e transformar espaços públicos.

Acreditamos que exemplos de sucesso e lições aprendidas pelas cidades apoiam a construção e consolidação de cidades mais acolhedoras para gestantes, crianças pequenas e seus cuidadores, com políticas públicas direcionadas e o planejamento de espaços públicos que promovam interações saudáveis, positivas e brincantes. Que as histórias reunidas até aqui pela Rede sejam fonte de inspiração para outros municípios, e que juntos continuemos avançando na direção de cidades melhores para todos nós!

Confira a publicação completa. E veja outros materiais em nossa biblioteca.

Racismo prejudica o desenvolvimento e inclusão social de crianças negras

O Brasil é conhecido por ser um país pluricultural com grupos étnicos distindos: indígenas, brancos e negros. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 56,3% dos brasileiros se declararam pretos ou pardos em 2019. Essa maioria da população sofre e é prejudicada indistintamente com o racismo, que começa ainda na infância, já na educação infantil.

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A cidade reinventada: conheça o Mais Vida nos Morros

Recife, capital pernambucana, foi a primeira cidade brasileira parceira na Rede Urban95 Brasil, sendo o investimento na primeira infância uma estratégia inovadora do município para combater a criminalidade e a desigualdade nos bairros mais vulneráveis. Uma equipe administrativa e um comitê diretor intersetorial foram criados para orientar o trabalho e desenvolver uma lei municipal pela primeira infância.

A cidade, então, firmou uma parceria público-privada com a ARIES – Agência Recife para Inovação e Estratégia – para testar estratégias de mobilidade e espaços públicos inspirados na Rede Urban95 e várias iniciativas começaram a florescer. Uma deles é ampliação do Programa Mais Vida nos Morros para 40 comunidades, trazendo melhoria do espaço público, redução de lixo, e proteção contra desabamentos nos morros.

Crianças brincam na comunidade Burity (Valeria Cristina da Silva/Prefeitura de Recife)

Reinventar o lugar em que se vive

O Mais Vida nos Morros é uma política pública de inovação que reinventa a cidade e combate a desigualdade socioespacial a partir da promoção do desenvolvimento sustentável, do protagonismo comunitário e da promoção de um espaço urbano melhor para as crianças nas 545 comunidades de interesse social do Recife.

Cada comunidade escolhe suas prioridades e coloca a mão na massa para pôr os projetos em prática. Mas, para que isso se concretize, é preciso a participação de todos. Cada um contribui como quiser. Pode ser com o trabalho ou compartilhando seus conhecimentos, seus sonhos e suas ideias. O projeto realiza várias atividades, como oficinas de criatividade para crianças e adultos.

O Mais Vida nos Morros é inspirado em experiências da Colômbia, México e Venezuela que apontam para uma mudança no comportamento das pessoas quando o poder público realiza intervenções urbanas e estéticas em áreas desfavorecidas.

Para a arquiteta e urbanista espanhola Irene Quintáns, especialista em estudos territoriais, políticas sociais, mobilidade, habitação e gestão urbana, esse tipo de engajamento é um diferencial do Mais Vida nos Morros em relação a programas do chamado urbanismo tático no resto do mundo. Outro diferencial importante, segundo ela, é o contexto urbano vulnerável em que o programa atua e faz a diferença. “O Mais Vida nos Morros entra para resolver vários fatores de risco. Alguns são físicos, outros emocionais”, diz a especialista. “Não é um programa que põe tinta e pronto. É um programa que trabalha a autoestima das pessoas, o pertencer a um lugar, o cuidado próprio e comunitário”, reforça.

Praça da Alegria foi revitalizada por meio do Mais Vida nos Morros (Valeria Cristina da Silva/Prefeitura de Recife)

Essas experiências podem ser compartilhadas – no Recife e além – para que sirvam de inspiração e estimulem cada comunidade a repensar e reescrever seus caminhos. Alto José Bonifácio Alto José do Pinho e Alto do Maracanã são alguns dos bairros já finalizados.

O colorido dos morros chama a atenção, mas a inovação está presente nos detalhes que as fotos panorâmicas não mostram. No Vasco da Gama, as calçadas viraram um caminho lúdico, cheio de brincadeiras para as crianças. Já no Campo da União, um bequinho se transformou num campinho de futebol. Em Alto José Bonifácio, as vielas da comunidade se tornaram uma pista de corrida com escadarias e rampas. Na Lagoa Encantada, a praça virou um lugar de jogos, brincadeiras, encontros e ganhou uma horta comunitária.

Cuidadores usufruem de espaços revitalizados em comunidades, juntos das crianças (Valeria Cristina da Silva/Prefeitura de Recife)

Essas e outras soluções são pensadas para cada comunidade, mas nascem a partir de 10 objetivos comuns relacionados a engajamento comunitário e intervenções no território:

  1. Transformar micro vazios urbanos (espaços degradados, vulneráveis ou com acúmulo de lixo) em áreas de lazer, convivência ou espaços para as crianças;
  2. Implantar políticas para diminuição da quantidade de lixo que vai para os aterros municipais;
  3. Redesenhar e repensar toda a infraestrutura urbana da comunidade (escadarias, calçadas, becos e vielas) sob a perspectiva das crianças, especialmente na primeira infância;
  4. Integrar políticas públicas já existentes para a área beneficiada;
  5. Integrar os diferentes órgãos e secretarias do município, além de parceiros da iniciativa privada, em prol dos territórios beneficiados pelo programa;
  6. Empoderar todos os moradores (adultos, idosos e crianças) a partir da escuta ativa e da participação nas tomadas de decisão;
  7. Engajar os moradores na transformação da sua comunidade, exercendo cidadania ativa;
  8. Promover sustentabilidade e resiliência da comunidade a partir do protagonismo do morador;
  9. Promover uma mudança de comportamento dos moradores em prol da transformação e da sua preservação posterior;
  10. Reinventar a relação do morador com a sua comunidade despertando um sentimento de orgulho, autoestima e pertencimento.

Cantar, dançar e brincar: a importância da música na primeira infância

Desde que nascem, as crianças exploram o mundo com o seu corpo por meio dos seus sentidos e gestos e, assim, estabelecem relações e se expressam. Quando cuidadores introduzem desde a primeira infância linguagens como a música e a dança, crianças têm a oportunidade de produzir conhecimento sobre si e sobre o outro, entrelaçando corpo, emoção e linguagem.

Em casa, desde quando o bebê está dentro da barriga, ele é capaz de identificar a voz da mãe, e as canções cantadas durante esse período são capazes de estreitar o vínculo materno.

Depois do nascimento, ao cantar, embalar e fazer brincadeiras com o movimento e a dança, cuidadores estimulam formas primárias de comunicação que simultaneamente incentivam a aquisição da linguagem e o desenvolvimento da sensibilidade musical.

Mas, para que isso aconteça e a música entre no universo do aprendizado de uma criança, não é necessário possuir instrumentos musicais elaborados. As canções de ninar, cantigas de roda, os instrumentos de brinquedos e as músicas inventadas já contribuem para o desenvolvimento das crianças.

Ao longo da vida, o hábito de cantar pode deixar as atividades cotidianas mais leves e divertidas. Recordar cantigas antigas ou inventar músicas novas pode estimular a criatividade, a memória, movimentos e grandes sorrisos.

Ao ingressar na Educação Infantil, crianças pequenas têm acesso sistemático ao universo da música na primeira infância. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) na Educação Infantil diz que a criança tem o direito de expressar, como sujeito criativo, dialógico e sensível, suas emoções, necessidades, dúvidas, sentimentos, descobertas, hipóteses, questionamentos e opiniões por meio de diferentes linguagens.

No cotidiano da instituição escolar, crianças devem ter acesso a diferentes manifestações artísticas, culturais e científicas e vivenciar diversas formas de expressão e linguagens, como as artes visuais (pintura, modelagem, colagem, fotografia etc.), a música, o teatro, a dança e o audiovisual.

É importante destacar que explorar som, ritmo, melodia, harmonia e movimento irá significar a descoberta e a vivência da riqueza de sons e movimentos que são produzidos a partir do corpo de cada um. A musicalização na escola é um conjunto de atividades que visa à sensibilização, e que busca ampliar os conhecimentos musicais da criança. Contribui para a socialização, alfabetização,, capacidade inventiva, coordenação motora, raciocínio lógico e matemático e estética.

Pé de Infância nas cidades e música na primeira infância

O Pé de Infância é uma iniciativa da Rede Urban95 em parceria com 11 municípios para promover mudança de comportamento no cuidado de crianças de zero a seis anos. Para ser desenhado o projeto contou, por um lado, com premissas científicas, e por outro, com cartografias afetivas das comunidades, participação de gestores dos municípios e participação de especialistas em Primeira Infância. Tudo isso para criar uma caixa de ferramentas que ajude cuidadores de crianças pequenas a incluir três comportamentos fundamentais em suas rotinas: brincar, cantar e contar histórias diariamente durante a primeira infância.

Murais com histórias e outros estímulos, como instrumentos musicais, podem estar integrados a todo o ambiente urbano para que cuidadores contem histórias, cantem ou leiam para as suas crianças. 

No mundo, todo há exemplos inspiradores, como em Nashville ou em São Francisco, nos Estados Unidos, onde são encontrados nos espaços públicos instrumentos musicais fixados nas paredes (como xilofones) e jogos coloridos que envolvem crianças em atividades físicas, criativas e divertidas

Também podemos nos inspirar na cidade de Medellín, na Colômbia, que introduziu rotas seguras para as crianças na primeira infância residentes de bairros com altos índices de violência. Elas andam juntas à escola com um grupo de adultos brincando e escutando música ao mesmo tempo. 

Em Accra, Gana, a equipe Playtime in Africa, da Fundação Mmofra, criou a jornada toddler exploration – ou exploração da criança pequena, em português – em um parque público local. Aproveitando as estruturas naturais, os elementos de brincar incluem instrumentos musicais, jogos e padrões de estampa locais. Esses atributos encorajam um tipo de brincar que ajuda bebês e crianças pequenas a desenvolverem habilidades sociais e também proporcionam uma oportunidade excepcional para que crianças de diferentes contextos socioeconômicos interajam.

Como construir cidades em que as crianças possam brincar ao ar livre todos os dias?

Entre os sonhos dos gestores dos municípios que compõem a rede Urban95 Brasil está o de construir cidades brincantes para todas as crianças. No dia 4 de fevereiro, os municípios se reuniram no “Webinar Chuva de Ideias – brincar ao ar livre” para reunir propostas e fazer possível este sonho, que é municipal, mas também mundial: o brincar está presente em pelo menos seis dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis (ODS) estabelecidos pela ONU (Organização das Nações Unidas).

São muitos os benefícios do contato com a natureza e da brincadeira ao ar livre para as crianças: estimulam a criatividade, tornam o aprendizado mais ativo e explorador, favorecem vínculos sociais e trazem benefícios diretos à saúde. Mas existem barreiras de informação e estruturais que impedem que as crianças brinquem livres na cidade.

No workshop conduzido pela Allma Hub Criativo, organização especialista em comportamento e parceira técnica da Rede, os convidados falaram sobre estas barreiras e elencaram algumas saídas para que os gestores dos municípios possam se inspirar numa “chuva de ideias”.

O grande objetivo do encontro é encontrar possibilidades para que crianças de zero a três anos tenham um tempo para inventar seu mundo, em um espaço arejado com elementos da natureza de maneira diária e com mais tempo uma vez por semana.

O ‘brincar’ está presente em pelo menos seis dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis (ODS) estabelecidos pela ONU (Foto: Felipe Cardoso/Urban95 Brasil)

Convidados inspiram os participantes a promover o brincar

Pai da Maria Flor, de quatro anos, Thiago Vinícius, fundador da Agência Solano Trindade, afirmou que um dos pontos chaves para o uso do território é que as crianças desenvolvam o sentimento de pertencimento. “Nosso intuito é produzir eventos e serviços que contribuam com a qualidade de vida do nosso povo do Campo Limpo e do Capão Redondo, que já foi considerado o ‘Triângulo da Morte’, pelos números de violência”. Hoje em dia, por meio da cultura e participação, ele afirma que o bairro agora também ocupa as páginas culturais, gastronômicas e de economia.

Depois de explicar como a ciência prova os benefícios dos contatos com a natureza, o pediatra e sanitarista Daniel Becker falou em consonância com Thiago Vinicius: “Para verdejar uma cidade é preciso ação das políticas públicas, e da sociedade civil organizada, trazendo a brincadeira como prioridade”. A parceria destes atores facilita que as praças e outros espaços verdes das cidades sejam  ocupados com atividades como feiras, brincadeiras e esportes . “A palavra chave é ‘participação’: os gestores entendendo junto com a comunidade o que ela precisa antes de planejar”, afirma.

A ativista Roberta Mourão, fundadora da Loa Terra, dedica seu trabalho a encontrar soluções para a conexão com a natureza nas cidades com iniciativas que promovem uma comunidade urbana mais sustentável, saudável e integrada. A Loa Terra é uma startup que une impacto ambiental e cultural a tecnologias sociais para transformar o espaço urbano e a relação das pessoas com a cidade, o alimento e a natureza.

Chuvas de ideias para garantir o contato com a natureza nas cidades 

Depois de assistir ao filme “Caminhando com Tim Tim”, os convidados foram incentivados a responder à pergunta: “Como fazer com que o Tim Tim (crianças de 0 a 3 anos) brinque em contato com a natureza todos os dias? “

Como todos os setores iniciativa privada, segurança, saúde, gestão, comunidade, assistência, trânsito, urbanismo, cultura, educação, segurança, saúde, iniciativa privada, assistência, comunidade, podem contribuir para implementar esta meta?

E se a gente criasse um canteirinho para bebês nos parques? E se toda mãe recebesse o mapa dos canteiros pé de infância? E se criássemos guias e mobilizações coletivas? E se as cuidadoras pudessem ter passe livre no transporte público aos fins de semana? E se as escolhas abrissem seu portão como extensão dos quintais? E se o brincar ao livre fosse prescrito nas receitas nas Unidades Básicas de Saúde?

A Allma Hub Criativo afirmou o compromisso de reunir as ideias de viabilizar os projetos que apoiem o brincar ao ar livre e em contato com a natureza.

Assista ao webinar completo:

Ruas de Brincar: a presença de crianças resgata espaços públicos

Fechar ruas para o tráfego de veículos em intervalos de tempo regulares garante a todos os moradores de um bairro um espaço público seguro para brincar, se encontrar, fazer exercício e respirar ar limpo. No mundo todo há exemplos de fechamentos temporários geralmente realizados pelo departamento de transportes com a colaboração dos departamentos de serviços sociais, como educação, saúde ou cultura. E isso pode ser um primeiro passo na direção de soluções permanentes, difíceis de implementar sem o apoio do cidadão local.

Na Cidade do México, no México, sob uma iniciativa do laboratório de inovação urbana LabCDMX, o governo fecha ruas regularmente na frente de escolas de bairros desfavorecidos para oferecer oportunidades de brincar ao ar livre. Em Libreville, no Gabão, o projeto Closing Streets for Children to Play (Fechando Ruas para as Crianças Brincarem) cria espaços seguros para crianças brincarem onde faltam espaços lúdicos, em alinhamento com a tradição local mais abrangente de reivindicação das ruas para eventos sociais como casamentos. Já em Bristol, no Reino Unido, há uma forte tradição de brincar nas ruas.

Ativação do programa “Ruas de Brincar” foi feita no bairro de Novo Horizonte, região oeste de Jundiaí (Foto: Felipe Cardoso/Urban95 Brasil)

Há mais de 40 anos em Bogotá, na Colômbia, e agora em toda América Latina, o fechamento regular e temporário de ruas realizado pelas prefeituras encoraja o uso da bicicleta, o caminhar e o encontro entre pessoas. Estudos mostraram que crianças brincando livremente nas ruas aumenta a interação entre vizinhos, o que incrementa o bem-estar dos cuidadores.

As ruas de Brincar de Jundiaí

No Brasil, a Urban95 está fomentando a implementação das Ruas de Brincar nas cidades da Rede, e uma iniciativa que se destaca é a cidade paulista de Jundiaí. Lá, um programa busca implementar políticas públicas que deem protagonismo às crianças nas tomadas de decisões e reforcem a importância do brincar. O Comitê das Crianças e o Ruas de Brincar são exemplos de alguns programas que já estão em andamento na cidade e que imprimem esse conceito na prática.

A iniciativa da Prefeitura de Jundiaí teve início em 2019 como parte do Programa Cidade das Crianças, que prevê a retomada do espaço público da rua para o brincar ao ar livre. A proposta consiste em bloquear o fluxo de veículos de determinada rua aos domingos e feriados para que as crianças possam brincar, conversar e se divertir na rua com maior segurança.

“A experiência é tida como um dos principais resultados da articulação com a comunidade, visto que toda a aproximação, conexão e reconhecimento do local culminaram na realização de uma Rua de Brincar construída com base na colaboração e cooperação de pessoas e grupos do bairro interessadas, envolvidas e solícitas, que revelaram perfis fortemente a favor da infância nos espaços públicos e na sensibilização de cuidadores sobre o tema”, afirma o Ateliê Navio, escritório de arquitetura responsável por estruturar, elaborar e conduzir um Plano de Engajamento com a comunidade local, assim como a preparação e organização da ativação piloto da Rua de Brincar que ocorreu em dezembro de 2021.

“Uma das coisas importantes do programa Rua de Brincar é que a iniciativa é do próprio morador”, afirma Ursula Troncoso, arquiteta e urbanista do Ateliê Novo. “As nossas crianças têm o direito de estar na rua e fazem parte da cidade”, defende.

Confira o registro de uma ativação do programa “Ruas de Brincar” no bairro de Novo Horizonte, região oeste da cidade de Jundiaí:

Programe-se para o webinar Ruas de Brincar

Em fevereiro, as 24 cidades da Rede Urban95 se encontram para debater e aprender sobre o tema Ruas de Brincar. Todos estão convidados para o webinar “Ruas de Brincar – Iniciativas para exercer o brincar como direito”. Será no dia 23 de fevereiro, quarta-feira, das 9h às 10h30. Para participar, basta realizar a inscrição, que é gratuita.

O começo da vida lá fora: a experiência prática da cidade de Jundiaí

Conexões genuínas entre as crianças e a natureza podem revolucionar o futuro. E essa descoberta ainda é possível nos grandes centros urbanos do mundo. Evidências científicas apontam que a falta de contato com a natureza pode contribuir para problemas físicos e mentais. No filme “O Começo da Vida 2  – Lá Fora”,  idealizado e produzido por Maria Farinha Filmes, Instituto Alana e Fundação Boticário, os principais especialistas no tema mostram como essa conexão pode fazer parte da cura para os maiores desafios da humanidade contemporânea e da construção de uma vida de mais bem-estar e felicidade.

“Garantir o direito das crianças ao contato direto e cotidiano com a natureza é um desafio sistêmico que demanda uma mudança de paradigma. Este filme nos conta como o confinamento da infância já era uma realidade, e vem contribuir para relembrar a sociedade de que é fundamental devolver às crianças a chance de viver uma infância livre, saudável e rica em natureza”, afirma Laís Fleury, coordenadora do Programa Criança e Natureza do Instituto Alana.

A experiência de Jundiaí

O filme revela que esse pensamento tem sido transformador em diversas cidades pelo planeta que valorizam e promovem uma maior conexão com o mundo natural. No longa, é possível conhecer diversas experiências onde esse movimento provou-se potente, como em Jundiaí (SP), um dos municípios que compõem a Rede Urban95 Brasil por acreditar que o bem-estar dos bebês e das crianças é o melhor indicador para qualificar uma cidade vibrante, próspera e saudável.

Marcelo Peroni, gestor de Cultura de Jundiaí, durante encontro do Comitê das Crianças (Foto: Felipe Cardoso/Urban95)

“Normalmente, a relação das crianças com a cidade é quase nenhuma, é construída a partir das imagens vistas pela janela do carro”, avalia Sylvia Angelini, diretora do departamento de Urbanismo, planejamento urbano e meio ambiente da cidade de Jundiaí. Para Marcelo Peroni, gestor da unidade de Gestão Cultural de Jundiaí, “uma cidade que é melhor para as crianças tem mais compromisso com a vida. A cidade como um todo precisa ser uma área possível de convivência”.

A criação de um Conselho de Crianças para consulta aos pequenos sobre algumas ações do município voltadas a esse público incrementou a participação social no município, tão importante para garantir a longevidade dos projetos. O Comitê é composto atualmente por 12 meninos e 12 meninas. “Nós, cidades, temos que nos unir. Não podemos ser uma ou 10 cidades das crianças. Devemos almejar um Brasil cheio de cidades que escutam e valorizam os direitos das crianças”, afirma Peroni.

Assista ao filme e conheça melhor a cidade:

Ações intersetoriais garantem conexão com natureza e infâncias saudáveis

O momento pede atenção à saúde das crianças. Dados medidos durante a pandemia de Covid-19 apontam que a prevalência de sintomas de ansiedade e depressão infantil dobrou, chegando a um percentual de 25,2%. Segundo especialistas, parte importante da causa está na redução do contato com a natureza – o número de crianças que brincavam ao ar livre uma vez por semana caiu de 50% para 34%, no Brasil. A boa notícia é que o tratamento é a própria cidade. A Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda acesso diário a ambientes verdes e naturais, acolhedores e seguros, onde seja possível brincar livremente por pelo menos uma hora. É tarefa do poder público e das gestões municipais estimular o desemparedamento.

Na opinião do pediatra e sanitarista Daniel Becker, a pandemia agravou um problema que já enfrentávamos no contexto das infâncias urbanas e que só será remediado com investimento na primeira infância, em políticas públicas e na garantia de direitos. “Vivemos em uma sociedade desigual e injusta, em que as pessoas têm pouco tempo fora das extensas jornadas de trabalho, pouco acesso a áreas verdes próximas de casa e vivem com medo da violência. A resposta é emparedar as crianças e recorrer às telas, o que traz prejuízos importantes à saúde e uma epidemia de hipermedicalização”. As consequências envolvem atraso no desenvolvimento, deficiência de linguagem, problemas de sono e memória, déficit de atenção e hiperatividade.

Micro parques naturalizados em Fortaleza (CE) (Foto: Felipe Cardoso/Urban95 Brasil)

Para Daniel, é preciso ter um olhar específico para a infância nesse momento e garantir as condições necessárias para recuperar as perdas de desenvolvimento e de saúde psíquica, emocional e mental deste período, que ainda estamos atravessando. Um passo fundamental é desconfinar as crianças e devolver a elas o direito ao livre brincar. “É preciso cultivar uma urbanidade de melhor qualidade. Investir em cidades voltadas para as famílias e em ambientes acolhedores que estimulem atividades externas. A natureza é o melhor lugar para uma criança brincar e a brincadeira é a melhor atividade para ela. Verdejar as cidades melhora a qualidade de vida em múltiplos sentidos”.

A coordenadora das áreas de cidade e educação do programa Criança e Natureza, Paula Mendonça, concorda com a prescrição: “Natureza, na infância, sempre foi saúde e, nesse momento, é também remédio. Tem um papel restaurativo fundamental e é muito importante retomar e ampliar esse contato”. Paula chama atenção para o papel dos espaços naturais no desenvolvimento integral infantil. “A natureza sempre foi palco do desenvolvimento humano e de todas as nossas habilidades físicas e emocionais. A diversidade de espécies, formas e de fenômenos favorece o desenvolvimento cognitivo pela curiosidade, como um laboratório investigativo. E acolhe a diversidade de ritmos das crianças”.

Ideias para desemparedar e trazer a natureza para o dia a dia

Se a receita é desemparedar, como podemos fazer diferente e garantir o direito das crianças à cidade e à natureza? Para Paula, o fundamental é que os espaços verdes façam parte do cotidiano, o que, para muitos, ainda não é uma realidade. Em pesquisa recente que ouviu mil famílias em todo o Brasil, 42% dos entrevistados disseram não ter uma área verde adequada próxima a suas casas. É urgente, portanto, que os ambientes naturais sejam bem distribuídos entre os bairros, planejados e conservados de modo a permitir que as crianças os frequentem diariamente.

A estratégia mais eficiente inclui uma resposta sistêmica, com responsabilidades compartilhadas e participação da comunidade e dos diversos atores da gestão pública. É importante que diferentes setores estejam envolvidos – saúde, educação, assistência social, esporte e lazer, desenvolvimento urbano e meio ambiente – colaborando e pensando juntos propostas coletivas que priorizem os direitos das crianças e acolham seus cuidadores.

Ações integradas resultam em iniciativas como os micro parques naturalizados Seu Zequinha e José Leon, em Fortaleza (CE), cidade que faz parte da rede Urban95. Desenvolvidos a partir de um projeto intersetorial pioneiro no país, os parques verdes e multifuncionais, que revitalizaram áreas esquecidas e degradadas, foram concebidos com participação popular e têm a proposta de servir de modelo para outros 40 espaços.

Esses espaços verdes se conectam com escolas e outros equipamentos públicos frequentados pelas crianças no dia a dia, para que as famílias não sejam as únicas responsáveis pelo contato direto e frequente com a natureza. “As necessidades infantis precisam ser priorizadas nos instrumentos municipais de planejamento. Uma cidade boa para as crianças é uma cidade boa para todos e a responsabilidade de cuidado, proteção e promoção de uma boa infância é de toda a sociedade e das instituições”, lembra Paula.

As crianças têm o direito de brincar ao ar livre (Foto: Felipe Cardoso/Urban95)

Cidades mais verdes: por onde começar

Por Paula Mendonça*

Cinco pontos essenciais para o poder público começar a priorizar a conexão das crianças com a natureza:

1. Aumento e distribuição de áreas verdes e espaços naturais na cidade

É fundamental garantir ambientes com biodiversidade como parques e praças, bem cuidados e de fácil acesso, em todos os bairros. Para que o contato com a natureza faça parte do cotidiano, é importante que as famílias possam chegar a estes espaços a pé e frequentá-los sem preocupações em relação a segurança, comodidade, conservação e limpeza.

2. Segurança viária e planejamento de trajetos e caminhos

Para que os trajetos sejam parte da vivência ao ar livre, é preciso planejar os caminhos para permitir segurança e autonomia: As ruas são seguras e sombreadas? As calçadas são acessíveis para pessoas com deficiência, idosos e cuidadores com carrinhos de bebê? Há bancos e pontos em que seja possível parar, se necessário? As sinalizações de perigo na malha viária estão na altura da criança?

3. Esverdeamento dos equipamentos públicos

Escolas, CRAS, unidades de saúde e demais equipamentos públicos frequentados pelas crianças e seus cuidadores podem ser aliados importantes para garantir os benefícios do contato com a natureza, investindo em áreas verdes e elementos naturais nos pátios e espaços internos de convivência e lazer.

4. Planejamento intersetorial

A formação de grupos intersetoriais de planejamento é um ponto chave para a construção de cidades mais verdes e amigáveis, que priorizem as necessidades das crianças em seu plano diretor e incluam o direito à natureza no Plano Municipal pela Primeira Infância. Um planejamento integrado permite uma visão global das necessidades e mais eficiência na distribuição dos orçamentos.

5. Participação infantil

Espaços de escuta e participação infantil fomentam a formação cidadã e permitem às crianças compartilhar seus desejos, fazer parte dos processos de decisão e sonhar a cidade onde vivem, desenvolvendo um sentimento de pertencimento.

*Paula Mendonça é coordenadora das áreas de cidade e educação do programa Criança e Natureza

Tecnologia na infância: riscos e oportunidades

De acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), o uso de telas e tecnologia na infância, mesmo que de forma passiva, está associado a inúmeros impactos no seu crescimento e desenvolvimento, como na primeira infância, atrasos na fala e linguagem, transtornos de sono, transtornos mentais futuros, déficit de memória e atenção, além de outros distúrbios.

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Cidades mais verdes e amigáveis para desemparedar a infância

Como garantir o direito das crianças à cidade e à natureza? O webinar Desemparedamento das infâncias: por uma cidade mais verde discutiu ideias e estratégias para criar espaços abertos e com elementos naturais, seguros e integrados ao dia a dia. O encontro, com participação de Paula Mendonça, coordenadora das áreas de cidade e educação do programa Criança e Natureza, do Instituto Alana, faz parte das iniciativas Urban95 e reuniu representantes das cidades da rede na manhã de 31 de janeiro. Esta edição teve ainda a presença de Claudius Ceccon, fundador do CECIP – Centro de Criação de Imagem Popular, instituição organizadora do webinar.

Felipe Cardoso/Urban95

A conversa foi conduzida por Claudia Vidigal, representante da Fundação Bernard van Leer no Brasil, que introduziu o tema propondo uma reflexão sobre possibilidades para vivermos com menos paredes e muros e mais conexão entre espaços: “Essa vem sendo a ideia da Rede Urban95. Tem aparecido um desejo de integração, de olhar para fora e pensar como a gente integra a escola com a praça, com os caminhos, com os serviços”.

Na sequência, a supervisora da iniciativa Urban95 no CECIP, Bianca Antunes, apresentou um panorama das ações realizadas nos municípios acompanhados pela organização. Entre os destaques, a plenarinha de Canoas (RS), para incluir a escuta das crianças nos diagnósticos do PMPI, a primeira edição do projeto Ruas Brincantes, em Uruçuca (BA), e os workshops sobre comunicação e mudança de comportamento com o consultor da Fundação Bernard van Leer Sam Sternin, em Mogi das Cruzes (SP) e São José dos Campos (SP).

Ideias para favorecer o brincar livre e o aprendizado na natureza

Trazendo um retrato das infâncias urbanas atuais – crianças passando 90% do tempo em espaços fechados, média de 5 horas em frente às telas e menos de 1hora por dia ao ar livre – Paula Mendonça explicou o conceito de desemparedamento e falou sobre os benefícios de conviver com a natureza para o desenvolvimento infantil. “Natureza é saúde na infância. É um laboratório de investigação para as crianças, que se relacionam e se vinculam com o ambiente através da inteligência do seu corpo, da movimentação e do brincar livre”, afirmou.

E como favorecer a criação de cidades mais verdes, acessíveis e amigáveis às crianças? Para Paula, a solução está em oferecer uma resposta sistêmica e multisetorial, com atuação de áreas diversas da gestão municipal, participação da comunidade e escuta infantil. Parques naturalizados, rotas seguras para andar a pé e aprender pelo caminho, ruas de lazer e intervenções lúdicas para brincar nos deslocamentos são algumas das possibilidades.

As inspirações foram muitas: enquete on-line sobre memórias de infância, referências de vídeos e publicações para se aprofundar no assunto, exemplos de cidades que estão promovendo o desemparedamento no Brasil e pelo mundo, e, para finalizar, um relato de Hannah Mendes, representante de Fortaleza (CE), que contou sobre sua experiência com a implantação de micro parques naturalizados, projeto pioneiro no Brasil, hoje replicado em outras regiões.

Para saber mais, confira o vídeo completo do encontro, que também contou com momentos de troca entre os participantes.

Cidades da rede Urban 95 discutem como criar crianças sem violência

Motivados por descobrir quais são as questões básicas que afligem as famílias e que aparecem como desafio nas relações com as crianças, a Fundação Bernard van Leer, por meio da rede Urban95 Brasil, convidou os municípios a pensarem sobre os temas que são necessários para que os gestores se atentem ao apoiar as famílias e garantir os direitos das crianças.

“Para a gente não olhar só para os espaços públicos, para as praças, para este monte de coisa que as cidades também precisam, querem e vão olhar, mas também olhar para as coisas básicas. Foi um processo super bonito de escuta da cidades”, diz a representante da Fundação Bernard van Leer no Brasil, Claudia Vidigal.

“É necessário interromper os ciclos de violência”, afirma psicanalista especialista em comunicação consciente (Foto: Felipe Cardoso/Urban95 Brasil)

Entre os temas levantados com mais urgência estão a não violência e as maneiras de empoderar famílias para criar crianças, tema debatido no dia 4 de fevereiro no “Webinar Chuva de ideias – Educação não violenta”, que teve a educadora parental Elisama Santos como convidada palestrante e foi conduzido pela Allma Hub Criativo, organização especialista em comportamento e parceira técnica da Rede.

“Para muito além do não bater ou não gritar com as crianças é importante percebermos a importância da não violência para as cidades e interromper os ciclos de violência”, afirmou a psicanalista especialista em comunicação consciente.

Elisama motivou os gestores das cidades a entenderem que a violência está inserida em um contexto social que precisa mudar por inteiro, para que mudem as relações interpessoais: “Não é somente sobre bater ou não bater, não é somente o imediato. Estamos falando de uma construção do que é o normal”.

A violência física e psicológica ainda é um grande problema dentro das famílias, aponta a pesquisa “Primeira Infância para Adultos Saudáveis”, realizada com 7.038 cuidadores de crianças de 0 a 5 anos residentes em 16 municípios cearenses, incluindo a capital, Fortaleza.  No total, 84% dos pais entrevistados acreditam ser necessário palmadas ou castigo para educar. Os dados evidenciam a importância de preparar os profissionais que trabalham com as famílias.

“Nós não ensinamos as crianças a lidarem com sentimentos porque também não fomos ensinados. É responsabilidade de todos nós enquanto gestores, enquanto comunidade, ensinar as crianças a lidarem com sentimento porque isso é a base da não violência. A base da não violência é essa responsabilidade emocional, a empatia com o sentimento do outro. Isso só é possível quando sei reconhecer meu limite”, explica Elisama, que é autora do livro “Conversas corajosas: Como estabelecer limites, lidar com temas difíceis e melhorar os relacionamentos através da comunicação não violenta”.

A pesquisa também evidencia as diferenças de gênero que envolvem o tema. As mulheres são as maiores responsáveis pelos cuidados com as crianças e as mais sobrecarregadas mentalmente. “Isso que você está sentindo, essa vontade de esganar essa criança é normal, é humana. Você está cansada”, exemplifica a psicanalista, dirigindo-se às mães. Ela provoca os participantes a pensarem como as políticas públicas podem auxiliar as mães para que tenham um mínimo de apoio possível. “Para que ela não esteja com essa dor. Quando nosso barulho interno está muito alto, qualquer barulho externo vai enlouquecer a gente.”

“Essa mãe não sabe que aquela criança tem dificuldade de entender o conceito de ‘não’, que aquela criança não está desafiando ela. Para entender tudo isso, a gente precisa de apoio, de estudo, de entendimento, pois temos uma uma ignorância gigantesca de como nosso corpo funciona, de como nós funcionamos, as especificidades de cada um de nós”, completa Elisama.

Depois de todo este acúmulo trazido por Elisama, os gestores dos municípios foram convidados a fazer um exercício de propor mudanças na educação e na saúde, numa chuva de ideias. E se as dicas de educação não violenta estivessem na carteira de vacinação das crianças? E se as professoras de Educação Infantil recebessem capacitação sobre alfabetização emocional?

Todas as ideias serão organizadas pela Allma Hub Criativo, que serão sistematizadas e devolvidas para as cidades como estratégias e possibilidades e viabilidade de implantação.

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