“É papel do adulto transformar as cidades mais amigáveis para as crianças”

Em webinar realizado pela Urban95, Tim Gill compartilhou sobre como a criação de espaços públicos de lazer contribuem para o desenvolvimento dos centros urbanos e apresentou exemplos no mundo

 

O trabalho desenvolvido pela Urban95 no mundo foi um impulso para que o estudioso Tim Gill passasse a se atentar mais à perspectiva de crianças e seus cuidadores em suas pesquisas. Os diferentes estágios da infância e as diferenças entre os padrões de locomoção de um cuidador e um bebê, de um adolescente e de um trabalhador médio (que é o foco dos transportes) apontam para a necessidade de construir programas de acessibilidade para esses diferentes públicos.

Tim Gill lança livro sobre parquinhos urbanos

Em webinar realizado pela Urban95 em 25 de fevereiro, Tim Gill compartilhou sobre como a criação de espaços públicos de lazer para as crianças podem contribuir para o desenvolvimento dos centros urbanos, apresentando conceitos trabalhados em seu livro “Parquinhos urbanos: como o planejamento e o design adequados para as crianças podem salvar cidades”, lançado pela Fundação Bernard van Leer (FBvL).

O impacto dos carros

Para Gill, é necessário reconhecer a dominância dos carros e que são a principal barreira para dar às crianças um bairro mais amigável. Apesar de serem perigosos, fazerem mal ao meio ambiente, ocuparem muitos espaços das ruas e contribuem com a poluição, a dependência do carro foi colocada dentro das cidades por centenas de anos e vai levar tempo, esforço e uma vontade moral para vencer tudo isso.

“Ao levar em consideração especialmente a crise climática, acidentes, a obesidade e a inatividade para apontar alternativas como a caminhada e a pedalada, esse caso moral sobre o carro é enaltecido quando a gente traz a visão e as vozes das crianças para dentro do quadro como um todo”, afirma Gill.

O papel dos adultos e a liberdade das crianças

“A minha abordagem foca na experiência das crianças, nas suas liberdades diárias e na expansão de suas liberdades, que também têm a ver com os seus direitos como crianças”, conta Gill que, com sua experiência em ouvir as crianças, sempre as escuta dizer sobre o desejo de mais liberdade, para ver seus amiguinhos, por exemplo, e, inclusive, de se locomover pela cidade.

Por isso, Gill aponta que o processo participativo não tem funcionado e não vai funcionar até que haja uma defesa em nome das crianças para levar às municipalidades as suas soluções: “Precisamos reconhecer as experiências das crianças, em suas diferentes culturas. Mas, a gente não pode dar às crianças o trabalho de transformar as suas cidades em mais amigáveis, pois é o nosso papel como adultos fazê-lo e eu quero um papel de liderança nessa transformação” afirma.

Gill sugere que os adultos se conectem com suas próprias infâncias. Quando ele pede às pessoas que compartilhem como gostavam de brincar quando eram crianças e seu lugares preferidos, elas se lembram de locais naturais, de liberdade, de aventura e também perigo. Isso mostra, segundo ele, que as experiências na infância podem proporcionar também um senso de responsabilidade. “Quando você é criança, não é possível conhecer o mundo ao seu redor quando simplesmente se é colocada de um playground a outro. Ainda há espaço para o parquinho, mas eu queria ver mais variedade e, figurativamente, maior liberdade”.

Durante o encontro, Tim Gill conversou com representantes de três cidades, sobre suas iniciativas locais para bebês e crianças pequenas e suas experiências no ambiente urbano.

Cidade para Crianças

Secretário de Inovação Urbana do Recife fala sobre experiência com Programa Mais Vida nos Morros

O protagonismo comunitário

Representando o Brasil, Tullio Ponzi, Secretário Executivo de Inovação Urbana da Prefeitura do Recife e idealizador do Programa Mais Vida nos Morros, falou da experiência da capital pernambucana.

Segundo Ponzi, o envolvimento do secretariado com a pauta da primeira infância foi uma importante decisão política para o avanço das iniciativas na cidade. “Houve um momento em que vários secretários, desde saúde e educação até controladoria geral do município e área de finanças estavam envolvidos e coordenando, cada um, na sua secretaria, ações em uma comunidade, de forma simultânea”, lembra.

No entanto, o protagonismo comunitário foi um fator primordial para o sucesso das intervenções. “Esses dias, em visita em uma comunidade, à pedido da gestão, para o início de uma intervenção em um espaço que havia muito lixo e nenhuma zeladoria, pude caminhar e encontrar na mesma calçada desse ponto um jardim feito pelos próprios moradores, em frente à praça”, conta. Essa iniciativa local foi inspirada nas ações que a prefeitura tem realizado.

“Chama atenção a beleza das comunidades, o colorido, as intervenções, e quando a gente visita, a gente observa as crianças se apropriando do espaço público. O direito de brincar na rua, na frente de casa, está começando a surgir e é muito importante. A gente vê as mães com os bebês nos espaços públicos”, conta.

Para o secretário, há inovação na participação que o cidadão exerce na solução para os problemas locais. Inclusive, as crianças também passaram a participar das discussões do planejamento na sua comunidade. “Acho que a gente conseguiu desenvolver um modelo onde o urbanismo social passa a ser uma estratégia, não só de redesenho do espaço urbano sobre a perspectiva das crianças para as crianças, mas para promover uma forma de democracia colaborativa”.

Cidades amigáveis para crianças - Programa Mais Vida

Programa Mais Vida nos Morros em Recife foi exemplo citado no webinar

Além de playgrounds

Anuela Ristani, vice-prefeita de Tirana, Albânia, contou a trajetória da cidade até a criação de diversos playgrounds. “Nós começamos muito de baixo. Para a população de Tirana de um milhão de pessoas, não havia nenhum espaço público de playground, apenas locais onde as próprias pessoas criavam seus próprios espaços de lazer”, recorda.

Para mudar esse quadro, a prefeitura investiu na criação de um parque infantil por mês e hoje há 60 playgrounds e quatro em construção na cidade. No entanto, ela conta que não trata-se apenas de construir playgrounds, mas de criar criar áreas de pedestres onde as pessoas de várias idades possam brincar.

No centro de Tirana há um espaço para recreação, considerado um dos melhores para as crianças, que antes era uma rotatória por onde milhares de carros passavam diariamente. “Elas podem simplesmente chegar e brincar à vontade toda a tarde e toda noite, no verão ou no inverno. É um local onde há brincadeiras o tempo todo”, conta.

Outro projeto da prefeitura, financiado pela Nacto (Associação Nacional de Oficiais de Transporte da Cidade) e outras organizações, transformou ruas próximas às escolas para garantir que as crianças brinquem em segurança na entrada e saída das aulas. “As pessoas são convencidas quando você envolve crianças. Nossa primeira ambição seria limitar o trânsito de algumas horas e nós conseguimos convencer as pessoas a simplesmente fecharem as ruas para os carros mas também retirar os estacionamentos, tudo para as crianças poderem brincar, atravessar a rua sem perigo”.

A participação da comunidade no desenho urbano

A arquiteta e urbanista Bosmat Sfadia-Wolf, de Tel Aviv, Israel, apresentou o desenvolvimento da cidade para a primeira infância. Segundo ela, o maior sucesso até agora foi a mudança de perspectiva dos líderes locais, que influencia diretamente nos trabalhos junto ao prefeito e tomadores de decisão para a reflexão sobre o papel da cidade no desenvolvimento das crianças.

“Uma pergunta que nunca havia sido feita anteriormente em relação ao espaço público é: qual é a nossa responsabilidade em criar áreas amigáveis para crianças brincarem com as suas famílias?”, conta Bosmat. “As pessoas pensavam mais sobre bem-estar e educação quando falávamos de infância e quando trouxemos o desenho urbano foi um divisor de águas”.

A partir daí, começaram a colocar em prática aprendizados de outros países e iniciaram a busca por entender a história das crianças em Tel Aviv. “Onde as crianças se encontram? Como é que elas brincam? Como é que os pais se encontram? Como as famílias se encontram?” foram alguns dos questionamentos. “Nós permitimos que o público também participasse e apoiasse esse tipo de trabalho. Nós estamos criando a demanda para os pais e para os cidadãos em geral, pois uma vez que eles vejam algo que eles gostem, eles vão pedir também para a comunidade”, explica Bosmat.

Agora, a criação dos próximos playgrounds e melhores oportunidades de brincadeira para as crianças e a comunidade é uma medida de sucesso em Tel Aviv. “Nós podemos medir o tempo de brincadeira entre criança e cuidador, mas também o quanto o público em geral debate e acha que é algo que eles querem ter também instalado em seus próprios bairros. Queremos ter escala e alcançar todas as comunidades, de todos os bairros, sobretudo os lugares de baixa renda”.

Saiba mais sobre: Cidade para crianças

As 14 cidades brasileiras da Rede Urban95 participaram do webinar, disponível para assistir (em inglês). O livro do Tim Gill ainda não está disponível em português. Acesse a amostra (em inglês).