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28.11.2025

Salvador une cultura do brincar e contato com natureza no Mundo Encantado da Criança

Com exposição interativa de brinquedos de Lydia Hortélio, o espaço convida para um brincar livre e sensível ao meio ambiente

Uma exposição em que tocar nos objetos é permitido e incentivado: pipas, piões, pedrinhas, bonecas, panelas de barro e outros brinquedos tradicionais dispostos a 95 centímetros de altura, permitindo que bebês e crianças pequenas os observem e manuseiem sem intermediários. Jardins sensoriais que exploram cores, cheiros e texturas da flora local. Livros para que crianças de 0 a 3 anos possam ter contato com o universo da literatura, com foco em obras antirracistas. Esses três ambientes podem até parecer lugares diferentes, mas na verdade são um só: é o Mundo Encantado da Criança, novo espaço voltado à infância de Salvador (BA) inaugurado em setembro no Centro de Interpretação da Mata Atlântica (CIMA), no bairro do Bonfim. O local une a cultura do brincar — com destaque para o legado da pesquisadora Lydia Hortélio — ao estímulo do contato direto com a natureza.

Foto: Marcelo Peroni/Urban95.

O CIMA é um equipamento público dedicado à educação ambiental e à sensibilização sobre a Mata Atlântica. Com a criação do Mundo Encantado da Criança, o local foi totalmente requalificado para ser um espaço voltado à primeira infância e à vivência direta da mata.

Nos espaços internos do Mundo Encantado, estão a Casa do Brincar, onde está a exposição permanente de brinquedos de Lydia Hortélio, e uma bebeteca com obras antirracistas. Já as áreas externas foram requalificadas para se tornarem uma extensão lúdica da Mata Atlântica, com o primeiro parque de conceito naturalizado da cidade, jardins temáticos e local para atividades culturais.

Cultura do brincar e leitura a 95cm

A exposição de brinquedos de Lydia Hortélio é um dos pontos altos do novo equipamento. Mais do que uma mostra, é um ambiente interativo concebido para que as crianças brinquem. “A prioridade no espaço expositivo são as crianças. O adulto consegue ver tudo, mas tem que abaixar”, explica Marcelo Peroni, consultor da Rede Urban95 que participou do projeto do novo equipamento. Diferente de uma exposição clássica, onde o “não toque” é a regra, ali o convite é oposto: a criança é incentivada a interagir com os brinquedos.

Foto: Marcelo Peroni/Urban95.

A curadoria selecionou brinquedos que são pilares da infância tradicional e da pesquisa de Lydia: o jogo de cinco pedrinhas, piões, brinquedos de puxar e empurrar, bonecas, panelinhas de barro, carrinhos de madeira e o corrupio. Os brinquedos são tipicamente brasileiros, coletados em várias regiões do país. Além disso, o espaço expositivo conta com sementes ligadas à Mata Atlântica, elementos que viram brinquedos nas mãos das crianças. A sala é complementada por fotografias do acervo da pesquisadora, registrando crianças em brincadeiras espontâneas, e por uma grande parede onde os pequenos podem desenhar livremente com giz.

A pesquisadora Lydia Hortélio durante a inauguração do Mundo da Criança. Foto: Marcelo Peroni/Urban95.

A pesquisadora, presente na inauguração, celebrou a iniciativa. Em declaração à Comunicação da prefeitura, ela disse:

Eu acho que a Bahia inaugura hoje um tempo novo, tendo uma casa de cultura da criança. Eu tenho certeza absoluta de que essa casa será um bonito exemplo.

Em outra sala, foi construída uma bebeteca que oferece uma curadoria de livros que trabalham a questão racial desde os primeiros anos de vida, a exemplo da Bebeteca Antirracista Curumim, também localizada em Salvador, na Creche e Pré-Escola Primeiro Passo Periperi. Saiba mais sobre esse projeto na matéria abaixo.

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A Mata Atlântica como pátio de brincadeiras

Já nos espaços externos do Mundo Encantado, a premissa foi utilizar a própria Mata Atlântica como elemento central do brincar. “A ideia foi utilizar elementos naturais como base do brincar, promovendo exploração, autonomia e percepção sensorial”, detalha Ian Galvão, arquiteto do Núcleo Especial de Apoio à Primeira Infância, responsável pelo projeto. Foram criados quatro jardins sensoriais – do Cheiro, das Cores, da Cura e das Texturas – todos implantados com espécies nativas. O parque naturalizado dispensa brinquedos plásticos convencionais, oferecendo troncos, pedras, relevos e caminhos sinuosos que convidam à exploração livre. A escadaria existente foi pintada como um “rio”.

Foto: Ian Galvão/Neapi.

A participação das crianças no desenvolvimento dessas áreas externas foi crucial. Elas visitaram o local e, posteriormente, produziram desenhos com sugestões. “Esses registros orientaram decisões de escala, circulação, altura dos elementos e definição de usos, garantindo que o projeto incorporasse necessidades reais percebidas diretamente pelas crianças”, explica Ian.

Legado para Salvador

As reações ao espaço confirmam o acerto da abordagem. Segundo Ian, as crianças rapidamente se apropriaram dos jardins e dos elementos naturais, criando brincadeiras espontâneas e demonstrando alto engajamento. O arquiteto complementa: “A exposição e a bebeteca também têm feito bastante sucesso: a primeira encanta pela memória e pela delicadeza das narrativas, enquanto a segunda acolhe bebês e cuidadores com um espaço pensado especialmente para eles”.

Marcelo confirma que crianças e adultos se surpreenderam com o espaço, que “valoriza essa relação da criança com a natureza e que traz a importância de Lydia Hortélio, da proposta de resgatar as brincadeiras tradicionais”.

O Mundo Encantado da Criança é um equipamento público que demonstra na prática como integrar natureza, cultura e primeira infância pode criar cidades melhores para todos. O principal destaque, segundo Ian, é a natureza como eixo central do brincar, valorizando a Mata Atlântica presente no entorno e transformando-a em elemento ativo do desenvolvimento infantil.

Projeto coletivo

O projeto do Mundo Encantado da Criança foi uma realização do município de Salvador, com coordenação do Gabinete da Vice-Prefeita (GabVP) e da Secretaria de Cultura (SECULT). A concepção curatorial da bebeteca e da exposição de brinquedos é da Rede Urban95, por meio da consultoria de cultura e primeira infância conduzida por Marcelo Peroni, e da consultoria de projetos de Marieta Colucci, do CECIP. A confecção e montagem dos dois espaços foi feita pela RCD Produção de Arte a partir do projeto de expografia e mobiliários desenvolvido pela TantoCria.

A execução e o projeto arquitetônico ficaram a cargo da Secretaria de Governo (SEGOV), por meio do Núcleo Especial de Apoio à Primeira Infância. O paisagismo foi desenvolvido pela Secretaria de Sustentabilidade, Resiliência e Bem-Estar (SECIS), enquanto a articulação com as crianças para a cocriação do espaço foi realizada pela Secretaria Municipal da Educação (SMED).

A Desal foi responsável pelo parque naturalizado e pelas áreas de brincar, e a Secretaria de Manutenção (SEMAN) executou as intervenções nas áreas externas e as manutenções de segurança.