Na unidade básica de saúde da Vila Maringá, na cidade de Jundiaí (SP), a menina Helena Bonifácio Tavares, de 6 anos, passou pela consulta com a Dra. Luisa Maria Macedo de Moraes. Durante o atendimento, a pediatra perguntou sobre queixas de dores, hábitos de sono, intestino, alimentação e também brincadeiras e atividades. “Primeiro fazemos a avaliação global e depois as prescrições necessárias para cada caso. Para a Helena a sugestão é de brincar para incentivar o desenvolvimento, mexer o corpo para não ficar sedentária, além de auxiliar no combate ao estresse e tédio que muitas crianças estão enfrentando nesse momento de pandemia”, afirmou a médica, que atende crianças há 30 anos.
As recomendações da médica foram concretizadas em uma receita entregue à própria criança e com um formato bastante diferente do tradicional: um papel colorido, com design lúdico, desenhos e, no canto direito da página, o “receituário do brincar”, em que o médico preenche o check list entre opções como “brincar ao ar livre”, “andar a pé”, “ler em família” ou “explorar a natureza”.
“Há dois anos iniciamos uma aproximação com os médicos pediatras, estreitando o diálogo sobre a abordagem das infâncias da cidade, contando sobre as iniciativas já existentes, colocando-os por dentro dos indicadores da saúde e trazendo-os à consciência de que são os profissionais da mais alta confiança das famílias. Criamos uma relação em que eles pudessem relatar as dificuldades que as famílias estavam apresentando neste período da pandemia e eles foram também participando de nossas formações técnicas/científicas que sempre abordavam temáticas de práticas positivas no cuidado, onde também, por muitas vezes, abordamos a potência do brincar”, conta Gerusa Moura, dentista da rede de atenção básica de Jundiaí (atendimento a pacientes com necessidades especiais e bebês) e articuladora Municipal do Programa São Paulo pela Primeiríssima Infância.
Segundo ela, ano passado, na Semana do Brincar, os médicos começaram a prescrever e orientar brincadeiras durante as consultas de forma que essa orientação fosse encarada não apenas como algo corriqueiro, mas como algo importante para o desenvolvimento daquela criança. Mas faltava algo concreto, simbólico, que marcasse também para as famílias a preocupação com as experiências lúdicas das crianças: “Nossa diretora de Atenção Básica, Andréia Pinto, nos disse que seria muito bacana ter um receituário lúdico para ser usado nas consultas em pediatria e em outros atendimentos ao público infantil. Então, eu e a Gabriela Tripicchio, que é terapeuta ocupacional do nosso Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) e que também faz parte do comitê gestor do SPPI, criamos o design do receituário”.
A dentista relata que o modelo de receita foi criado com base em referências técnicas da Assistência Farmacêutica e da Saúde da Criança e do Adolescente de Jundiaí, respeitando as normas legais. “Nós nos inspiramos na linguagem pé de infância para a criação. E para a concepção da ideia nos inspiramos no artigo The Power of Play: A Pediatric Role in Enhancing Development in Young Children, publicado pela American Academy of Pediatrics. Outra referência importante foi o programa Criança e Natureza, do Instituto Alana”, detalha.
O novo receituário está sendo utilizado em todas as unidades básicas e de atenção secundária à saúde de Jundiaí, com a possibilidade de se tornar permanente na rede municipal. Juntamente com a receita lúdica são oferecidos um e-book com brincadeiras na primeiríssima infância e outro e-book com brincadeiras para crianças com paralisia cerebral. Além disso, cidades próximas como Várzea Paulista já demonstraram interesse em replicar a iniciativa.
“Os médicos e outros profissionais teceram elogios à iniciativa como algo simples e bonito que dialoga com o trabalho deles.Mas o mais legal foi a devolutiva das crianças que sentem que aquele papel entregue na consulta é para elas. Elas querem segurar a receita, saem orgulhosas”, comemora Gerusa Moura.