Historicamente, homens frequentam pouco os equipamentos de atenção primária de saúde, que são porta de entrada e eixo integrador dos serviços para a primeira infância e seus cuidadores. Por fatores sociais e culturais, muitos homens ainda têm dificuldade em mostrar vulnerabilidade, procurar ajuda médica ou exercer o papel de cuidador. Na outra ponta, os serviços enfrentam o desafio de se comunicar com este público reticente e criar conteúdos de comunicação atrativos sobre saúde preventiva e valorização da paternidade.
Boa Vista (RR) apostou na capacitação sobre masculinidades e paternidades dos profissionais de saúde para diminuir a distância entre serviços e o público masculino. Luciano Ramos, especialista na temática de paternidades do Instituto Promundo, foi convidado em novembro de 2022 para ministrar a formação e trazer estratégias propostas em políticas públicas já consolidadas, como a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH) e o Pré-natal do Parceiro.
“Segundo a pesquisa Situação da Paternidade no Brasil, 80% dos homens têm o desejo de serem pais presentes, e estão decididos a fazer tudo o que for importante para a criança. Se existe essa predisposição e existem políticas públicas para favorecer esta participação, quem está operando os equipamentos de saúde precisa criar um meio de campo possível”, comenta Luciano.
Confira dicas compartilhadas pelo especialista para aumentar a participação masculina nos equipamentos de saúde, e sua presença nos cuidados com a primeira infância.
1) Busca ativa para engajar os homens no território
Campos de futebol, igrejas e comércio local. Para Luciano, os agentes comunitários de saúde devem realizar uma busca ativa nestes e em outros espaços ao redor dos equipamentos de saúde para apresentar os serviços disponíveis para o público masculino. Outra estratégia recomendada é mapear as lideranças comunitárias locais. Presidentes de associações de moradores, líderes de comunidades religiosas ou comerciantes podem ser aliados na hora de divulgar uma campanha de saúde preventiva, por exemplo.
2) Comunicação condizente com a realidade local
Para engajar o homem do território a participar de atividades nos equipamentos de saúde, é preciso dialogar com ele e oferecer atividades que se encaixem em suas jornadas diárias. “Não adianta fazer formações extensas sobre paternidades no meio do dia. O trabalhador não consegue acessá-las, e isso pode fazer com que ele se afaste deste equipamento de saúde de modo permanente”, adiciona Luciano. Como exemplo de formação, Luciano traz uma atividade realizada no Promundo em uma comunidade do Rio de Janeiro: a estratégia foi criar rodas de masculinidades antes das partidas de futebol. As conversas tinham como ponto de partida o próprio esporte, e duravam apenas 20 minutos.
Campanhas como a do Novembro Azul, que conscientiza sobre o câncer da próstata, são importantes, mas o especialista recomenda também uma comunicação contínua com este público, explorando outras temáticas, como saúde mental e o tema de paternidades ativas.
3) Atendimentos em horários flexíveis
Segundo a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH), uma das questões apontadas pelos homens para a pouca frequência em serviços de saúde está ligada ao horário de atendimento, que coincide com a carga horária de trabalho. Está prevista em lei a possibilidade de que unidades de saúde ofereçam horários estendidos para a realização de atendimentos, não só os de saúde do homem, mas também os exames de pré-natal.
“Existem municípios do Amapá, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Boa Vista, por exemplo, que estão atendendo homens depois das 22h. Este gesto significa muito para o homem, que se sair do trabalho e encontrar o posto fechado, dificilmente vai retornar”, adiciona Luciano.
4) Acolher o pai durante o pré-natal
A política pública Pré-natal do parceiro prevê a inclusão de homens em todas as ações voltadas para o planejamento reprodutivo e, ao mesmo tempo, incentiva os homens a acessar o sistema de saúde de forma preventiva e a cuidar mais da própria saúde. Mas para que a implementação desta política seja bem sucedida, é necessário que o equipamento acolha bem este pai e o convide a participar de todas as etapas. Gestos como colocar mais uma cadeira na hora do atendimento, ou perguntar ao pai como ele está se sentindo durante a gestação, fazem a diferença.
Na primeira consulta de pré-natal, caso o pai não esteja presente, o profissional de saúde precisa estender este convite a este homem pai – salvo em casos de relações violentas. Quando presente, este pai precisa ser orientado a fazer os exames necessários, tanto os de rotina, como diabetes, de sangue, colesterol, como também de HIV e outras doenças. O profissional precisa também verificar o cartão de vacina do homem pai para acompanhar a cobertura vacinal. Por fim, é recomendado inclui-lo em grupos de paternidades ofertados pela Unidade de Saúde.
“Se este homem participa ativamente do pré-natal, ele começa a se relacionar fortemente com a criança. Se pararmos para pensar que no Brasil há um grande número de crianças que são registradas sem pai, trabalhar preventivamente com estes homens, já no pré-natal, garante o vínculo com a criança e diminui as chances de abandono.”
5) Momentos formativos sobre masculinidades e paternidades para profissionais de saúde
Formações sobre as temáticas de paternidades e masculinidades ajudam a desconstruir mitos com relação à masculinidade hegemônica e preparam os profissionais de saúde para buscar os homens do território, receber bem os pais durante exames como o pré-natal e também a desenvolver campanhas de comunicação que atinjam este público. Luciano recomenda que estas formações sejam feitas para toda a equipe, desde os gestores até o profissional que está na ponta, como o agente comunitário de saúde.
O Instituto Promundo disponibiliza materiais sobre paternidades para apoiar o preparo de momentos formativos. A Urban95 também preparou uma lista de políticas, cursos e conteúdos para inspirar ações de paternidade ativa nas cidades.