Como pequenas intervenções podem transformar as cidades em benefício das crianças e impactar no desenvolvimento infantil

Muitas são as razões pelas quais a primeira infância deve ser priorizada no planejamento urbano e na criação de programas e serviços nas cidades. Com o objetivo de assegurar um apoio maior no desenvolvimento das crianças brasileiras, pequenas intervenções são organizadas e ampliam os olhares e os cuidados às crianças pequenas e suas famílias. Diversos setores, instrumentos e espaços institucionais estão envolvidos para dar vida aos conceitos oferecidos às cidades realizados pela Rede Urban95 Brasil. 

O que muda as cidades e o que transforma a realidade das pessoas são as pequenas ações. A sociedade está sempre à espera de grandes iniciativas ou grandes soluções para os problemas enfrentados que, realmente, são efetivos quando pensamos em políticas públicas. Mas as pequenas ações também têm grande relevância porque colaboram com todos aqueles que participam das iniciativas ou do problema, no sentido de solucionar, entender, enxergar e resolver por um outro ponto de vista. E alguns exemplos que a Urban revela mostram a eficácia desse tipo de intervenção na transformação da sociedade como um todo.

Dois bons exemplos de pequenas iniciativas aconteceram na Escola Municipal Profª Florisa Faustino Pinto, localizada em Mogi das Cruzes (SP). O primeiro se deu quando os alunos estavam estudando as questões históricas do bairro em que a unidade de educação está localizada e perceberam que não havia uma biografia da patrona registrada em sites de busca. O único recurso de pesquisa era uma moldura que ficava na entrada do prédio, porém, além de ter uma letra muito pequena e ilegível, ficava muito alta e eles não enxergavam para fazer a leitura de forma independente.

Após essa constatação, a escola decidiu trabalhar na produção da biografia com uma fonte mais adequada no quesito pedagógico e na altura da localização para facilitar o acesso para os menores. “Partindo dessa iniciativa, as crianças começaram a levantar outros aspectos que as incomodavam na rotina escolar, mostrando dificuldade de acesso a outras coisas devido à altura, e isso fez com que nosso olhar mudasse bastante, passando a enxergar certas situações na escola por outro ângulo”, comenta Monica Raquel de Souza Matheus Felismino, diretora da escola municipal localizada no Jardim Santos Dumont II, em Mogi das Cruzes.

Outro problema resolvido na escola foi em relação aos banheiros, que sempre geravam reclamações dos pequenos por conta de desperdício de água devido às torneiras ficarem abertas, e com os meninos entrando no banheiro das meninas. Como as indagações eram muitas, a organização da escola pensou em uma nova forma de comunicar isso a eles ao invés de uma chamada de atenção mais comum e realizou uma espécie de assembleia para entender o que estava acontecendo.

Com isso, a direção descobriu que as crianças não deixavam a torneira aberta por descaso com o desperdício de água, mas sim porque achavam o banheiro escuro, sentiam medo e, quando começavam a lavar a mão, abandonavam a torneira aberta e saíam correndo. Nesse bate-papo, também foi descoberto que os meninos entravam no banheiro errado porque, por estarem no primeiro ano na escola, esqueciam onde eram os banheiros que foram mostrados pelas professoras, e as placas eram feitas apenas com letras, sem desenhos, além de ficarem a 1,60m do chão, dificultando a visualização.

“Quando questionamos como poderíamos resolver essa questão, as próprias crianças verbalizaram suas ideias, solicitando que as portas dos banheiros fossem coloridas para que ficassem mais divertidas e o medo que sentiam fosse espantado e decidiram que a placa de sinalização deveria ficar mais embaixo, entrando em uma discussão para entender qual seria a altura ideal. Então, em conjunto, resolveram que deveriam ter letras e desenhos para quem ainda não soubesse ler e, ainda nessa conversa, os maiores entraram em um consenso para buscar a menor criança da escola e medi-la na porta, pois estando confortável para ela, estaria para todas”, conta Monica. “A ação foi bastante interessante e efetiva porque resolvemos o problema emocional do medo, do desperdício de água e da falta de identificação. Além disso, eles carregam a satisfação de terem suas ideias aceitas e implementadas”, finaliza a diretora.

Outro projeto bastante relevante é o realizado pela Secretaria de Educação em Campinas (SP). Foram disponibilizadas a todas as escolas da rede municipal da cidade mais de 100 poltronas de amamentação. Por meio de uma construção intersetorial e uma construção transversal que conecta a Secretaria de educação da cidade em parceria com as outras secretarias, o projeto pôde ser viabilizado de forma efetiva.

Antigamente, a cultura da comunidade em torno das creches municipais era de desmame prematuro de crianças pequenas para que pudessem frequentá-las. Hoje, médicos nos postos e centros de saúde sabem que foi criada essa estrutura nas creches, que permite que a mãe possa amamentar o seu bebê, o que resultou em uma grande diminuição do pedido de receitas de fórmulas para alimentação. Por esse motivo, esse projeto tem um simbolismo muito importante no que diz respeito à saúde e qualidade de vida dessas crianças.

Cadeira de amamentação instalada em creche municipal de Campinas. Crédito: Prefeitura de Campinas

“Outro ponto importante que percebemos é que, com essa iniciativa, trazemos a família para dentro da escola, mostramos a importância dessa amamentação para a vida saudável da criança e, ao mesmo tempo, acolhemos a mãe que faz parte desse desenvolvimento. Temos a relação de cuidar da criança, família, estado e sociedade”, explica Thiago Ferrari, coordenador da Primeira Infância de Campinas. “Internalizar a mãe na creche, por mais que tenha mães que não estejam amamentando, tem uma potência, um valor simbólico muito forte. É da família dentro da escola”, ressalta.

O projeto com as creches municipais de Campinas cria uma estrutura para receber essa mãe e seu bebê que ainda deve ser amamentado. E não é uma tarefa fácil, pois não se trata apenas de criar um espaço com acolhimento que tenha uma poltrona, é preciso ter uma estrutura para armazenar o leite e, além disso, o que é mais trabalhoso, conscientizar e treinar os profissionais para alimentarem essas crianças com o leite no copinho para que não haja o desmame, porque se colocar na mamadeira, isso vai acontecer.

Portanto, “é desenvolvido todo um trabalho de formação e envolvimento interno, que coloca a criança como prioridade, mostrando que dá para construir políticas públicas potentes intersetoriais e que refletem não só na qualidade de vida de uma criança, mas nas relações de toda uma comunidade, de toda uma estrutura setorial da prefeitura”, reforça Thiago.