Crise da pandemia causa “feminização da fome”

27/06/2022 Imprensa Ecoa Uol

Dentre todos os indicadores alarmantes que o Brasil vem acumulando nos últimos tempos, nenhum é tão devastador quanto a manchete estampada nas notícias das últimas semanas: 33,1 milhões de brasileiros passam fome no Brasil, mais de 15% da população nacional. O contexto se torna ainda mais grave quando olhamos um pouco para trás e nos deparamos com a evolução galopante da tragédia: esse número praticamente dobrou em menos de dois anos.

As conclusões fazem parte do 2º Inquérito Nacional Sobre Segurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, divulgado pela Rede Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional). Mergulhando um pouco mais a fundo na questão, os pesquisadores alertam para um fenômeno que tem sido cada vez mais presente nas manchetes dos jornais: o da insegurança alimentar, ou seja, quando não há acesso pleno a alimentos de qualidade e quantidade adequados. De acordo com a mesma pesquisa, 58,7% da população sofre de insegurança alimentar em algum grau, o que significa um aumento de 7,2% em relação a 2020.

Neste contexto dramático, merece atenção um outro número que impacta diretamente a vida das nossas crianças e que compromete a sustentabilidade das famílias brasileiras: a “feminização da fome”. Este foi um conceito batizado por economistas para entender o alto impacto da pobreza no público feminino. Segundo dados da FGV Social, 47% das mulheres não têm dinheiro para comprar comida para suas famílias. Entre os homens, o número cai para 26%.

A situação da fome se agravou na pandemia, já que as mulheres (principalmente as mães que tiveram que dar conta integralmente dos cuidados com os filhos) foram as mais atingidas pelo desemprego e pela crise econômica que está longe de acabar. O relatório divulgado pela Rede Penssan também confirma a feminização da fome e o impacto imediato no público infantil. O expressivo aumento da insegurança alimentar dos domicílios com crianças de idade até 10 anos, de 9,4% para 18,1% em um ano, demonstra o aumento da vulnerabilidade de suas famílias no período da pandemia.

“Diante da impossibilidade do ensino presencial, a alimentação dessas crianças foi duplamente prejudicada, pois elas não puderam contar com a alimentação escolar com regularidade, ao mesmo tempo em que ficaram expostas à escassez de alimentos em seus domicílios. Essa condição é mais grave ao considerar o impacto no desenvolvimento infantil, dada a impossibilidade de acesso remoto às aulas, o que contribui para a estagnação social das famílias em situação de maior vulnerabilidade”, destaca o texto do relatório.

Estamos vivendo um dos processos eleitorais mais tensos da nossa história e, às vésperas do início oficial da campanha, indicadores como estes demandam prioridade total e absoluta dos candidatos aos cargos executivos e legislativos. O impacto da fome e dos diferentes níveis de insegurança alimentar durante a gestação e os primeiros anos de vida dos cidadãos brasileiros é inquestionável. É alarmante por si só, mas declarações de espanto e de piedade não bastarão.

Para contermos um retrocesso de quase três décadas serão necessárias propostas concretas para a implementação de políticas públicas emergenciais e de longo prazo, extrapolando o tenebroso cenário atual. É importante agir rápida e efetivamente, mas sem deixar de pensar na sustentabilidade das ações ao longo do tempo. Que não sejam mais permitidos retornos como esse, para que possamos vislumbrar um futuro menos nebuloso para nossas crianças.