Aproximadamente 80% dos homens se tornarão pais biológicos ao longo da vida. Cinco milhões de estudantes brasileiras/os permanecem sem o nome do pai na certidão de nascimento e no documento de identidade. Apenas 41% dos homens estavam na sala de parto no momento do nascimento de seu filho.
Esses são alguns dados trazidos pelo relatório A Situação da Paternidade no Brasil (2019), realizado pelo Instituto Promundo, que buscou entender o panorama atual no Brasil e as políticas públicas e iniciativas da sociedade civil para mudar o quadro. O objetivo é garantir a presença dos homens no papel de cuidado na vida das crianças.
A conclusão é que, para incentivar mudanças culturais e de comportamento sobre paternidades ativas, é necessário um esforço intersetorial: políticas públicas duradouras que garantam a participação masculina em assuntos relacionados à primeira infância e um trabalho de mudança de comportamento que envolva ações formativas e de comunicação.
Algumas ações e políticas já estão em curso, e podem servir de inspiração para a implementação de propostas semelhantes nas cidades. Confira abaixo uma seleção delas:
Política Nacional de Atenção Integral da Saúde do Homem (PNAISH)
Operando no Sistema Único de Saúde (SUS), a política facilita e amplia o acesso da população masculina, na faixa etária de 20 a 59 anos, às ações e aos serviços de assistência integral à saúde. A política está estruturada em cinco eixos: acesso e acolhimento; saúde sexual e reprodutiva; paternidade e cuidado; agravos e condições públicas na saúde masculina e prevenção de violências e acidentes.
A paternidade é considerada a porta de entrada para que o homem acesse os serviços de saúde. Incentivando a participação masculina em discussões sobre direitos e planejamento reprodutivo, durante toda a gestação, parto e puerpério, é possível ampliar o acesso aos serviços básicos de saúde desta população, historicamente mais suscetível a doenças e hábitos perigosos, e também mais resistente a procurar à atenção básica. O Pré-Natal do Parceiro é uma das principais estratégias desenvolvidas pelo Programa.
Política que funciona dentro do âmbito do PNAISH, o Pré-natal do Parceiro prevê a inclusão de homens em todas as ações voltadas para o planejamento reprodutivo, e ao mesmo tempo, incentiva homens a acessar o sistema de saúde de forma preventiva e a cuidar mais da própria saúde. Para isso, o guia propõe um fluxograma de atendimento pela saúde, que incluiu o homem em todas as etapas dos direitos reprodutivos, abordando métodos contraceptivos, gestação, nascimento e jornada dos primeiros anos de vida da criança.
A comunicação tem papel fundamental no incentivo a este pré-natal. Unidades de saúde devem desenvolver campanhas, elaborar materiais educativos, seminários e capacitações voltadas à valorização da paternidade consciente e à organização dos serviços, a partir da sensibilização sobre o tema.
Licença-paternidade estendida
Garantida constitucionalmente, a licença-paternidade concede cinco dias de licença remunerada, a contar a partir do nascimento da criança. Com o Marco Legal da Primeira Infância (2016), houve a possibilidade de ampliação de 20 dias para servidores municipais e trabalhadores de empresas que participem do programa Empresa Cidadã, extensão que acontece mediante participação em um curso a distância sobre paternidades ativas. Vale ressaltar que alguns Estados ampliaram este tempo para até 30 dias, como é o caso do Rio Grande do Sul e do Ceará.
Campinas (SP), Mogi das Cruzes (SP) e São Paulo (SP) são cidades da Rede Urban95 que já ampliaram a licença. Para quem deseja implementar essa política para os servidores municipais, a equipe Urban95 preparou um passo a passo sobre licença-paternidade estendida.
Apesar dessas mudanças, estamos atrás de muitos países. Na Espanha, por exemplo, desde 2021 os homens e as mulheres recebem as mesmas 16 semanas de licença remunerada.
Existem atualmente dois projetos de lei que prevêem a extensão da licença-paternidade no Brasil: a Proposta de Emenda de Constituição (PEC) nº 355 propõe uma licença de 180 dias compartilhada entre progenitores ou adotantes alternativamente, reservando à mulher a fruição exclusiva dos primeiros 30 dias. Já o Projeto de Lei (PL) nº 151 propõe a alteração dos Arts. 392, 392-A e 473 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para estabelecer que “a empregada gestante tem direito à licença maternidade de 180 (cento e oitenta) dias, sem prejuízo do emprego e do salário, podendo compartilhar até 60 dias do período com seu cônjuge ou companheiro; e que em caso de filho portador de deficiência ou com necessidade especial terá direito a licença maternidade em dobro e poderá se compartilhada por até a metade com o cônjuge ou companheiro de forma alternada.”
A lei nº 11.108/2005 prevê que a gestante tenha direito a um acompanhante durante o trabalho de parto, o parto e pós-parto em redes públicas ou particulares de atendimento de saúde. Estimula-se que seja o pai e/ou companheiro a acompanhar, para fortalecer o vínculo com a criança neste momento tão importante.
Espaços de atendimento de saúde e seus atendentes precisam cumprir integralmente esta lei, garantindo um ambiente de acolhimento e segurança para a gestante e o acompanhamento que ela escolher.
O pressuposto da lei nº 13.058/2014 é garantir que os pais separados assumirão conjuntamente tarefas e responsabilidades de criação dos filhos. A lei estabelece que o tempo de convívio do pai e da mãe deve ser dividido de forma equilibrada, tendo em vista os interesses de filho(s) ou filha(s). Em caso de não acordo sobre a guarda, ambos poderão exercer o poder familiar, a menos que um deles abra mão desse direito.
O direito à paternidade é garantido constitucionalmente. O programa Pai Presente, coordenado pela Corregedoria Nacional de Justiça e apoiado pelas defensorias públicas dos Estados, estimula o reconhecimento de paternidade de pessoas sem esse registro. A declaração de paternidade pode ser feita espontaneamente pelo pai ou solicitada por mãe e filho. Em ambos os casos, é preciso comparecer ao cartório de registro civil mais próximo do domicílio para dar início ao processo.
Formações sobre paternidades ativas
Curso a distância “Promoção do envolvimento dos homens na paternidade e no cuidado”
Desenvolvido pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, em parceria com as organizações Instituto Promundo e Comunidade de Aprendizagens, o curso de 60 horas é voltado para gestores e profissionais de saúde. O objetivo é discutir questões relacionadas ao exercício da paternidade e do cuidado com o gênero, a sexualidade, a diversidade sexual, as masculinidades e a violência, como foco na área de saúde.
Curso a distância “Pai Presente”
Com 12 horas de duração, o curso online preenche o pré-requisito para a extensão da licença-paternidade de até 20 dias que pode ser concedida a servidores municipais. O curso forma pais ou futuros pais sobre como se envolver em todo o processo reprodutivo, pré-natal, parto, pós-parto e cuidados voltados à criança.
Curso à distância Paternidade Responsável.
Desenvolvido pela Prefeitura de São Paulo em parceria com a Fundação Bernard van Leer, o curso de 8 horas de duração é voltado para servidores municipais que queiram ampliar sua licença-paternidade, mas está aberto a qualquer cidadão que queira ampliar seus conhecimentos sobre paternidades e primeira infância.
Grupos e iniciativas da sociedade civil
Instituição com mais de 30 anos de atuação na defesa de paternidades ativas e nas temáticas de parentalidade, o Instituto Promundo conduz pesquisas sobre paternidades possíveis e trabalha junto a governos para desenvolver ações e programas que incentivem esta temática. Entre as iniciativas, está a produção do Primeiro Relatório sobre Paternidades Negras no Brasil, lançado em 2021. O instituto também lançou o Programa P, manual para profissionais do setor da saúde, da educação e trabalhadores comunitários com melhores práticas sobre a participação de homens no exercício da paternidade e do cuidado, sobre a saúde materno-infantil e sobre a inclusão da perspectiva de autocuidado masculino. .
Coletivo Pais Pretos Presentes
O grupo de apoio criado pelo educador Humberto Baltar para pais e mães negros incentiva trocas e acolhimento na experiência de criar crianças negras em um país histórica e estruturalmente racista como o Brasil. O grupo tem canais de adesão no Facebook, Instagram e Whatsapp.
A plataforma produz conteúdos sobre masculinidades, parentalidades e economias do cuidado para incentivar mudanças de comportamento sobre paternidades ativas, além de oferecer formações sobre o tema.
O projeto Homem Paterno é mantido pelo naturólogo Thiago Koch. Por meio de um blog, ele discute temas relacionados a masculinidades e paternidades, além de oferecer cursos sobre gestação e puerpério a partir de uma perspectiva masculina.
O produtor de conteúdos Thiago Queiroz utilizou múltiplas plataformas como podcasts, vídeos e textos para discutir de maneira lúdica e sensível temáticas relevantes às paternidades.