Um quintal público construído com a participação ativa da comunidade, onde todos são bem-vindos para brincar e conviver, especialmente os bebês: assim é o Quintal das Infâncias, no bairro Jardim Felicidade, em Belo Horizonte (MG), inaugurado em dezembro de 2024. O espaço faz parte do Caminhos das Infâncias, projeto que fortalece os vínculos comunitários a partir da relação entre a primeiríssima infância (crianças de 0 a 3 anos) e seus cuidadores.
Dona Maria, que mora em frente ao quintal e sempre cuidou e plantou nesse espaço, também esteve envolvida na construção, compartilhando boas ideias e deixando a porta de casa aberta para toda a estrutura necessária da obra. Assim como Diney, San, Seu Paulo e Oseias, moradores das proximidades que colocaram a mão na massa para construir brinquedos naturalizados, contribuir com ideias e plantar árvores. O embelezamento dos muros do bairro contou com grafites e pinturas das artistas Zi Reis, Sol Kuaray, DG e Menino Kito. E a participação foi ainda maior: crianças, famílias e dezenas de outros moradores contribuíram desde as etapas iniciais até a materialização do espaço.

Foto: Amanda Andrade
Essa intensa mobilização comunitária reflete a essência do Caminhos das Infâncias. A construção do quintal é uma das séries de ações do projeto que incentiva a ocupação de espaços públicos por meio do brincar, promovendo interações com a natureza e a cultura local.
Realizado pelo Coletivo Taboa e Carretel Cultural, com produção da Rabiola Instituto Cultural, parceria da Fundação Van Leer e apoio da Prefeitura de Belo Horizonte, o projeto começou em maio de 2024 e segue até junho de 2025 na capital mineira. Paralelamente, o Coletivo Taboa e a Carretel Cultural desenvolvem a iniciativa também em Sobral (CE), em parceria com organizações locais, até agosto de 2025.
Construindo laços na comunidade
A implementação do Caminhos das Infâncias na capital mineira começou com uma aproximação dos coletivos realizadores com instituições comunitárias, pontos de cultura e equipamentos públicos voltados às infâncias. Nesse contexto, o centro de cultura, educação e cidadania Rabiola se tornou um importante elo entre o projeto e seu público: as crianças pequenas e as pessoas que cuidam delas.

Bebês exploraram a natureza e a cultura nos encontros para brincar. Foto: Julia Berro
A Rabiola tem uma história de relação muito próxima à comunidade, o que facilitou a conexão com equipamentos importantes do bairro, como a creche da Associação Comunitária do Bairro da Felicidade (ABAFE), a creche do Jardim Felicidade (Obras Educativas Padre Giussani), a Escola Municipal Jardim Felicidade, a Associação Coletiva e a Unidade de Prevenção à Criminalidade.
Em parceria com os coletivos envolvidos no projeto, foi feito um mapeamento do bairro, destacando os caminhos onde há crianças que brincam e caminham todos os dias. “Começamos a tecer as ações considerando o fortalecimento de uma rede de proteção à primeiríssima infância, pessoas cuidadoras, pessoas grávidas, puérperas, mulheres e todas aquelas que chegassem”, conta Julia Berro, do Coletivo Taboa.
O projeto seguiu com a promoção de encontros para promover o brincar, engajando cuidadores e crianças. Esses encontros aconteceram nos espaços mapeados, como as creches, a escola e a sede da Rabiola. Outra iniciativa foi a criação de um grupo de mulheres cuidadoras, em que elas discutiram o cuidado, seus desejos e saudades, por meio de atividades de autocuidado como escalda-pés, massagens coletivas, conversas, dança livre e dinâmicas sobre sonhos e memórias.

Foto: Julia Berro
Tanto os encontros de brincar quanto o grupo de mulheres foram conduzidos por quintaleiros – educadores responsáveis por preparar os espaços, mediar as relações, escutar as necessidades de cada pessoa e estimular a interação entre cuidadores e crianças.
Segundo Roque Antônio Soares Júnior, o Roquinho, fundador e gestor da Carretel Cultural, as crianças são a base da construção do sentido comunitário. Conforme explica, são elas que guiam o Caminhos das Infâncias, pois são as detentoras de um conjunto de experiências que levam um determinado aglomerado de pessoas a alcançarem um estado de comunidade. “O brincar é a arquitetura original do sentido comunitário”, destaca.
O Quintal das Infâncias
A criação do Quintal das Infâncias foi um marco para o projeto. O Quintal é um espaço naturalizado, público e permanente, pensado para acolher crianças de 0 a 3 anos e todas as pessoas que acompanham, cuidam e convivem com elas. Localizado em um ponto estratégico de passagem do Jardim Felicidade, fica próximo à sede da Rabiola, em uma escadaria que conecta o bairro a comércios, transportes e grandes avenidas. Sua construção, ao longo de um mês, envolveu a remoção de entulhos, o plantio de árvores nativas e a instalação de brinquedos naturalizados. Todo o processo contou com a participação ativa dos moradores e, claro, das crianças.

Com brinquedos naturalizados, árvores e áreas de descanso, o Quintal das Infâncias é um espaço comunitário que acolhe pessoas de todas as idades. Legenda: Foto: Amanda Andrade
Além do Quintal, também houve intervenções artísticas e foram plantadas cerca de 80 árvores da mata atlântica nos caminhos do brincar mapeados ao longo do bairro, com o intuito de ampliar o sombreamento, a biodiversidade e oferta de brinquedos orgânicos para os pequenos, como gravetos, sementes, frutos e folhas.
“Tem um mural grandioso e impactante em uma rua muito frequentada por crianças e cuidadores. Dona Cleusa, moradora dali, generosamente cedeu o muro e a estrutura de sua casa. Ela também cuida da horta urbana em frente à sua casa e é uma artista e artesã. O Jardim Felicidade já era e segue sendo um território de moradoras e moradores, lideranças e pontos de cultura que realizam o manejo de hortas urbanas bem como a articulação de projetos que contemplam ações de verdejamento da comunidade”, conta Julia, destacando que já havia nas pessoas do bairro uma forte conexão com a natureza.

Pelas ruas do bairro, os caminhos das infâncias receberam intervenções artísticas tendo como princípio as culturas das infâncias, mulheres, pessoas cuidadoras, bebês e o Jardim Felicidade. Fotos: Amanda Andrade
A Subsecretaria de Planejamento Urbano de Belo Horizonte (Suplan) intermediou o contato com a Coordenadoria de Ações Regionais da zona norte e a Fundação Municipal de Parques. A fundação doou as mudas de árvores, enquanto a coordenadoria auxiliou na coleta de podas utilizadas na implementação do Quintal e em outras intervenções no bairro. Agora, a regional é responsável pela manutenção dessas áreas, explicam Cristina Sá e Luisa Lopes Greco, respectivamente, gerente de mobilização e educação urbana e gerente de desenho urbano da Suplan que estiveram envolvidas no projeto.
Garantindo caminhos futuros
Com o amadurecimento do projeto e seu enraizamento na comunidade, a preocupação agora é garantir que as iniciativas do Caminhos das Infâncias continuem vivas após sua conclusão. Para isso, uma produtora cultural trabalhou junto à Rabiola na estruturação de formas para manter e expandir as atividades voltadas à primeiríssima infância, assegurando que os caminhos trilhados sigam conduzindo a territórios de afeto, brincadeira e pertencimento.

Foto: Julia Berro
Para Roquinho, o grande legado que o Caminhos das Infâncias deixa em Belo Horizonte é uma sensibilização profunda. “Trazer a primeiríssima infância para o centro é determinante para pensar a comunidade”, diz.
A Suplan destaca que a colaboração de vários atores e da própria comunidade tornaram as ações muito mais aderentes à realidade e às necessidades do bairro, o que aumenta e fortalece a apropriação dos espaços pelas pessoas.
O objetivo, agora, é que os moradores continuem se apropriando dos espaços, fortalecendo as ações e consolidando o Jardim Felicidade como um território verdadeiramente acolhedor para a primeira infância.