O Plano Diretor é o instrumento que ordena as funções sociais e a propriedade urbana das cidades com mais de 20 mil habitantes. Os efeitos desta lei municipal prevista no Estatuto da Cidade afetam não só o ambiente urbano, mas também as escolhas cotidianas das pessoas que vivem nele, como o modo de deslocamento e o acesso aos equipamentos e espaços públicos.
Para garantir políticas públicas urbanísticas para a primeira infância, cidades da Rede Urban95 estão incluindo a perspectiva de crianças, bebês e cuidadores no Plano Diretor. Oportunizando a revisão do documento, que acontece a cada dez anos, gestões municipais desenvolvem diversas estratégias intersetoriais para ouvir estes públicos e redigir um plano participativo e inclusivo.
Jundiaí (SP) foi a primeira cidade Urban95 a fazer esta inclusão. Em 2018, quando teve início a revisão do Plano Diretor, a cidade já tinha um robusto histórico de políticas públicas voltadas para a primeira infância em áreas como saúde e educação, e também uma Política Municipal da Criança, criada em 2017 com o objetivo de melhorar a qualidade urbanística dos espaços públicos, criar rotas mais seguras e proporcionar mais contato com a natureza. O que o Plano Diretor fez foi reconhecer o papel do espaço urbano na formação e na proteção da criança, como explica Sylvia Barbosa Angelini, diretora de urbanismo da cidade:
“A criança que é atendida pela educação, saúde e assistência se desloca, brinca, vive na cidade. Este espaço urbano que ela percorre nunca é neutro: a cidade ajuda ou inibe o desenvolvimento pelo desta criança. Por isso é tão importante aproveitar as oportunidades para fazer do espaço urbano uma fonte de estímulo e aprendizagem. O Plano Diretor foi o primeiro documento a dizer que a criança é prioridade também no desenho da cidade.”
O capítulo X do Plano Diretor de Jundiaí, intitulado Da Política da Criança na Cidade, prevê a ampliação da oferta de praças, parques e espaços públicos mais lúdicos; incentiva a ocupação da cidade por crianças e também prevê a criação de instâncias de escuta permanente para crianças.
Muitas das diretrizes do Plano já se convertem em políticas: foi criado o programa Entre a Casa e a Escola, para qualificação dos caminhos das crianças; instituído Comitê das Crianças, com reuniões periódicas entre 24 crianças para a inclusão da perspectiva das infâncias no planejamento urbano; e também o projeto Ruas de Brincar, que transforma temporariamente zonas urbanas em espaços para circulação livre de crianças.
Canoas (RS) aproveita escutas do PMPI na revisão do Plano Diretor
Aprovada em julho de 2022, a Lei 6559 acrescenta a Política de Primeira Infância dentro do Plano Diretor de Canoas (RS). A ação de reconhecer a importância desta primeira fase de vida no documento de planejamento urbano está ligada à inclusão da cidade dentro da Rede Urban95 e também à construção do Plano Municipal pela Primeira Infância (PMPI), com consultoria do CECIP.
Em fase de elaboração, o PMPI está sendo conduzido pelo Comitê Intersetorial Municipal da Primeira Infância, composto pelas secretarias de Educação, Cultura, Meio Ambiente, Mobilidade e Projetos. A escuta das crianças da rede municipal de ensino da cidade, em eventos chamados Plenarinhas, ajudou a desenhar tanto o PMPI quanto o Plano Diretor.
“Se uma cidade é acessível para a primeira infância, ela é acessível para todos, por isso, orientamos nosso planejamento urbano a partir da perspectiva de crianças de 0 a 6 anos, cuidadores e puérperas”, explica Jerusa Peixoto de Matos, arquiteta e urbanista na Secretaria de Projetos Estratégicos. “Para incluir a perspectiva das crianças no Plano Diretor, mapeamos todos os serviços de educação, assistência, saúde, lazer, recreação e cultura, e também os lugares de domicílio destas crianças, para entender seus deslocamentos e como estes trajetos podem ser melhorados.”
O capítulo IX do Plano Diretor de Canoas consiste em uma breve introdução ao PMPI e mais duas seções: em Qualificação urbanística, o Plano Diretor prevê a requalificação dos trajetos que as crianças percorrem para acessar serviços mapeados, em ações como ampliação de calçadas, criação de ciclovias e redução de espaço viário.
Já na seção sobre equipamentos comunitários, o Plano Diretor prevê que todo equipamento público frequentado pela primeira infância precisa oportunizar condições para o desenvolvimento pleno das crianças, garantindo acessibilidade, segurança, conforto térmico, conforto lumínico, conforto visual, ergonomia espaço para aleitamento materno e ludicidade.
Em Sobral (CE), revisão do Plano Diretor conta com a participação das crianças.
Quando a gestão de Sobral (CE) começou a revisão do Plano Diretor em 2019, era imprescindível garantir espaços de escuta presenciais para crianças e comunidade. “Sobral é uma cidade do interior, então esta escuta presencial, com contato físico e olho no olho, é sempre muito importante”, explica Alana Figueirêdo Pontes, coordenadora de Planejamento Urbano da cidade.
A revisão ficou em pausa durante a pandemia, mas, em 2021, a gestão pôde retomar o processo, realizando uma série de audiências em diversos bairros da cidade. “Estas audiências, que nós chamamos de audiência territoriais, aconteceram nas escolas, porque estes equipamentos são referência para toda a população da cidade.”
A escuta das crianças, que contou com apoio metodológico do CECIP, também se deu nas escolas. “Capacitamos educadores e, com a ajuda deles, levamos atividades lúdicas para apresentar o Plano Diretor, dizendo que queríamos o apoio das crianças para reimaginar Sobral. Na escuta com a primeira infância, pedimos que elas desenhassem seus desejos: elas relataram os meios de transporte que usavam para ir até a escola, padarias e árvores que queriam em seus bairros, e o desejo por calçadas melhores para caminhar”.
Estes insumos foram incorporados em diretrizes, objetivos e ações do Plano Diretor, apresentando em uma grande audiência pública no início de 2022. O documento está agora em fase de revisão da minuta, e deve ser sancionado até o final do ano.
Mas o trabalho não irá parar por aí: Sobral planeja formar um Comitê de Crianças para acompanhar a implementação das ações previstas no Plano Diretor. “Crianças de diferentes escolas irão representar seus territórios e, de maneira bastante lúdica, se reunirão para monitorar as ações propostas no Plano e sugerir ações para a primeira infância na cidade”, conclui Alana.