Quando Paula Schild Mascarenhas foi eleita prefeita de Pelotas (RS), em 2016, a cidade enfrentava uma taxa alarmante de homicídios: 30 assassinatos para cada 100 mil habitantes. Prevenir a violência, especialmente contra crianças, rapidamente se tornou sua maior prioridade. Em 2017, ela criou o Pacto Pelotas pela Paz, uma iniciativa que aborda as causas estruturais da violência por meio de políticas sociais voltadas para o apoio a crianças e famílias. O programa inclui a ampliação do acesso à educação infantil de qualidade, a construção de playgrounds naturalizados, a oferta de capacitação para professores e o financiamento de visitas domiciliares a famílias com crianças pequenas. A iniciativa tem obtido resultados impressionantes: nos quatro anos seguintes, Pelotas registrou uma redução de 9% nos homicídios, tendência positiva que persiste até hoje. Paula afirma que a participação na Urban95 Academy, em 2023, foi fundamental para ajudar a cidade a implementar essas ações.
Em entrevista concedida à jornalista Anya Groner, no último mês de sua gestão, em dezembro de 2024, Paula falou sobre como essas iniciativas transformaram a cidade. A matéria foi originalmente publicada em inglês no site da Urban95 Academy.

Pelotas constrói um futuro mais seguro e acolhedor para suas crianças por meio de políticas sociais transformadoras. Foto: Michel Corvello/Prefeitura de Pelotas
Anya Groner: A educação, especialmente a educação infantil, tornou-se um foco central do Pacto Pelotas pela Paz. Você pode nos contar como o apoio ao desenvolvimento infantil pode reduzir a violência nas cidades? Quais medidas sua gestão tomou para fortalecer o desenvolvimento infantil?
PSM: O desenvolvimento infantil está intimamente ligado à prevenção da violência. No Pacto Pelotas pela Paz, a prevenção social é tão importante quanto o policiamento. Entendemos a relevância de ações que abordam as causas estruturais da violência a longo prazo. Estudos mostram que crianças que recebem educação adequada, juntamente com apoio emocional e social nos primeiros anos de vida, têm menos chances de apresentar comportamentos violentos no futuro. A infância é um período crucial para desenvolver habilidades sociais, empatia e controle emocional, elementos essenciais para a convivência pacífica.
AG: Para promover o Pacto Pelotas pela Paz, vocês organizaram vários encontros públicos, como passeios de bicicleta, caminhadas e piqueniques. Por que era tão importante que as autoridades municipais ocupassem as ruas ao lado dos cidadãos?
PSM: O engajamento da comunidade é uma estratégia essencial para construir uma cultura de paz. Ele transforma a responsabilidade pela segurança em um esforço coletivo, que não depende apenas das autoridades públicas. Um “pacto” exige a participação de todos. Realizamos reuniões com vários grupos sociais, caminhadas com escolas e eventos temáticos para gerar engajamento na implementação do programa e garantir sua continuidade. A colaboração entre grupos comunitários (escolas, ONGs, igrejas, associações e empresas) cria redes de apoio que previnem situações de risco e promovem intervenções eficazes.
“O engajamento da comunidade é uma estratégia essencial para construir uma cultura de paz. Ele transforma a responsabilidade pela segurança em um esforço coletivo.”
AG: Por que você se interessou inicialmente em criar cidades amigáveis para as crianças? Por que escolheu focar no desenvolvimento infantil?
PSM: A implementação do Pacto pela Paz me fez perceber a importância das políticas públicas sociais. O Programa de Proteção à Infância foi um bom começo, mas minha experiência com a Fundação Van Leer realmente abriu meus olhos. Ficou claro que a primeira infância deveria ser a principal prioridade em nível municipal. Com essa nova perspectiva, criamos um novo foco na gestão da cidade, tornando Pelotas uma cidade amigável para as crianças.
AG: Como a formação na Urban95 Academy influenciou sua abordagem em relação a políticas e infraestrutura?
PSM: Quando participei da Urban95 Academy, já estávamos trabalhando no programa Cidade das Crianças. Levei comigo colegas envolvidos no projeto. Compartilhar ideias [com prefeitos e gestores de outras cidades] foi inspirador. Isso nos deu o impulso necessário para continuar avançando, especialmente com o projeto piloto de um plano de bairro amigável para crianças, na Vila Farroupilha. Estamos renovando a infraestrutura do bairro e dando voz às crianças e suas famílias sobre como os espaços devem ser projetados.

“O desenvolvimento infantil está intimamente ligado à prevenção da violência. No Pacto Pelotas pela Paz, a prevenção social é tão importante quanto o policiamento”, destaca Paula. Foto: Marlon Diego/Prefeitura do Recife
AG: Você pode nos atualizar sobre o andamento desse programa?
PSM: A Vila Farroupilha foi o local do primeiro Plano de Bairro Amigo da Criança do município. O treinamento na Urban95 Academy foi essencial para seu lançamento. Envolvemos a comunidade por meio de oficinas e um evento de rua onde as crianças tiveram espaço para expressar seus desejos sobre o lugar onde vivem. Realizamos uma avaliação das necessidades da primeira infância, focando nas percepções das crianças, para identificar os principais desafios da área. Em seguida, conectamos esses desafios às competências de todas as secretarias municipais. Nossa abordagem intersetorial aborda as diversas dimensões do desenvolvimento infantil, incluindo saúde, educação, lazer e urbanismo.
Em maio de 2024, nosso estado, o Rio Grande do Sul, enfrentou enchentes severas que causaram grandes danos à população e à infraestrutura de várias cidades, incluindo Pelotas. Foi um grande desafio. Estamos finalmente retomando o desenvolvimento do plano de ação, com foco em medidas concretas para melhorar a qualidade de vida das crianças e suas famílias, dando atenção especial ao que as crianças nos disseram. O plano inclui a construção de playgrounds e a criação de outros espaços para socialização infantil.
Acreditamos que o projeto piloto na Vila Farroupilha melhorará a vida das crianças e de suas famílias e construirá uma cidade mais justa e inclusiva, onde as vozes das crianças são ouvidas. A longo prazo, esperamos expandir esse programa para toda a cidade, tornando Pelotas um modelo de políticas para a primeira infância.
“O Programa de Proteção à Infância foi um bom começo, mas minha experiência com a Fundação Van Leer realmente abriu meus olhos. Ficou claro que a primeira infância deveria ser a principal prioridade em nível municipal.”
AG: Em uma entrevista anterior, você disse: “Para transformar cidades, precisamos transformar pessoas. Para mudar pessoas, precisamos começar pela primeira infância.” Você está no governo de Pelotas há mais de doze anos, como vice-prefeita e agora como prefeita. Como essa filosofia se traduziu na prática?
PSM: Tem sido um longo processo de aprendizado e amadurecimento. A cidade deve servir às pessoas, seus maiores protagonistas. A infância, especialmente a primeira infância, merece prioridade. É nesse período que podemos transformar indivíduos, mudar destinos e preparar nossos moradores mais jovens para alcançar seu pleno potencial.

“Realizamos uma avaliação das necessidades da primeira infância, focando nas percepções das crianças, para identificar os principais desafios da área. Acreditamos que o projeto piloto na Vila Farroupilha melhorará a vida das crianças e de suas famílias e construirá uma cidade mais justa e inclusiva, onde as vozes das crianças são ouvidas.” Foto: Michel Corvello/Prefeitura de Pelotas
AG: Qual política ou mudança você considera sua maior conquista? Como você enxerga o avanço das políticas e infraestruturas amigáveis para crianças em Pelotas na próxima década?
PSM: O Pacto Pelotas pela Paz envolve todas as secretarias e destaca a importância de políticas públicas voltadas para a primeira infância. Ele melhora vidas de forma mensurável. Nossa política é abrangente, incluindo desde o fortalecimento dos laços entre pais e filhos até a reintegração de ex-detentos à sociedade, transformando as vidas de suas famílias. Reduzimos a violência e os homicídios.
O Plano Municipal pela Primeira Infância em Pelotas representa um marco histórico, com um horizonte de dez anos. Ao investir no desenvolvimento integral das crianças, o plano garante um futuro promissor para todos os pelotenses. Promovendo saúde, educação, proteção social, desenvolvimento integral e o brincar livre, podemos construir uma sociedade mais justa, equitativa e próspera.
“Ao investir no desenvolvimento integral das crianças, o PMPI garante um futuro promissor para todos os pelotenses. Promovendo saúde, educação, proteção social, desenvolvimento integral e o brincar livre, podemos construir uma sociedade mais justa, equitativa e próspera.”
AG: Em 2022, o Brasil lançou a Agenda Cidade, um programa do UNICEF para reduzir a violência contra crianças em cidades de todo o país. Como é ver esse foco acontecendo em escala nacional?
PSM: É muito gratificante ver uma iniciativa que enfatiza dar voz às crianças. Imaginamos cidades lúdicas, pedagógicas, acessíveis e inclusivas, que contribuem para a formação da personalidade das crianças para o futuro.
A Agenda Cidade do UNICEF é excelente. Ficamos esperançosos sabendo que essas políticas terão ainda mais sucesso à medida que forem desenvolvidas em nível municipal.