Cidades da Rede Urban95 têm adotado a estratégia de urbanismo tático para criar soluções rápidas e criativas para o espaço público. Se bem aceitas pela comunidade e bem sucedidas em aumentar a segurança viária e oportunizar espaços para fruição e lazer, estas intervenções pavimentam caminho para políticas públicas que garantem o direito à cidade, à mobilidade ativa e ao brincar.
Para auxiliar municípios com desejo de implementar intervenções urbanas temporárias, criamos um passo a passo junto com a arquiteta e urbanista Hannah Mendes. Ela foi uma das participantes do webinar Intervenções Urbanas: Soluções Inovadoras para a primeira infância, que aconteceu no dia 1 de julho e reuniu representantes das 24 cidades da Rede Urban95.
Hannah, gerente de projetos do Laboratório de Inovação de Fortaleza, trabalha há quatros anos na prefeitura de Fortaleza (CE), capital que utiliza intervenções urbanas temporárias para testar futuras transformações no espaço público. Fazendo parcerias com organizações como a WRI Brasil, a Global Designing Cities Initiative (GDCI) e a Urban95, a cidade implementou intervenções como projeto Cidade da Gente, para instituir zonas de trânsito calmo no bairro Cidade 2000 e no entorno do Centro Cultural Dragão do Mar, e também a iniciativa Caminhos da Escola, que requalificou trajetos usados por crianças nas periferias da cidade.
Passo 1: Tomada de decisão com base em dados para selecionar o melhor espaço para a intervenção
Quando a equipe da gestão municipal se propõe a selecionar um território para implementação de uma intervenção urbana, o ideal é que esta escolha esteja amparada numa sólida base de dados, que consiga identificar territórios prioritários.
“Para implementar o projeto de segurança viária em Fortaleza, a gestão fez um esforço grande para aprimorar a coleta de dados de sinistros de trânsito. Identificamos que o centro era o lugar com mais sinistros (acidentes com vítimas feridas e fatais) e isto nos impulsionou a instituir uma zona de 30 quilômetros por hora. Os dados guiaram e facilitaram a implementação do projeto”, relata Hannah.
Se for desafiador para a cidade começar a trabalhar em uma área crítica, e existe um recurso municipal ou estadual para esta intervenção, Hannah recomenda a seleção de áreas que já tenham algum tipo de engajamento comunitário. Outra opção é trabalhar em áreas com características similares a outras que já receberam uma intervenção urbana de sucesso, porque as boas práticas e as lições aprendidas em contextos similares facilitam o início da concepção de uma intervenção.
Passo 2: Espaço selecionado! Como começar as articulações intersetoriais?
A maioria dos projetos de urbanismo tático interfere diretamente no leito carroçável e em calçadas. Por isso, o aliado mais importante é a autarquia ou secretaria responsável pelo trânsito da cidade. São estes profissionais que estarão em campo durante a implementação da intervenção temporária e que irão orientar a população durante seu funcionamento.
Nos projetos de Fortaleza (CE), esses servidores passaram por capacitação técnica de urbanismo tático, e estiveram envolvidos no projeto desde sua concepção. “Estas oficinas aconteceram de forma lúdica e criativa, com apoio de parceiros que já trabalhavam a questão de ruas amigáveis para crianças e pedestres. É importante sempre trazer boas práticas de intervenção urbana, principalmente se elas já aconteceram em territórios similares. Se aconteceram na mesma cidade, melhor ainda, porque é possível fazer conexões entre as pessoas”, detalha Hannah.
A depender do tipo de intervenção urbana, é importante envolver outras secretarias da cidade, como a de planejamento urbano e a de cultura. Esta última pode ajudar a desenvolver atividades culturais que ativem o espaço durante a intervenção.
Ter parceiros técnicos que apoiem na formulação destas intervenções é importante. Estes parceiros podem ser organizações de terceiro setor ou escritórios de arquitetura e paisagismo. Hannah usa a expressão campeões locais para designar parceiros que já implementaram projeto de urbanismo tático que deram muito certo na cidade.
A arquiteta propõe que, depois de acionar parceiros separadamente, que sejam feitas reuniões de integração, principalmente semanas antes da implementação da intervenção. “Assim, parceiros tiram dúvidas, se conhecem e articulam a melhor forma de conduzir a ação.”
Passo 3: Falando com a comunidade
Paralelamente à articulação intersetorial, a escuta da comunidade deve estruturar o projeto de intervenção urbana. Para envolvê-la ativamente em todas as etapas (concepção, planejamento e ativação), a sugestão é trabalhar momentos de escutas específicas para públicos diferentes.
No projeto Caminhos da Escola, a prefeitura trabalhou com a comunidade escolar, como relembra Hannah: “Escolas têm um papel social importante, principalmente em territórios vulneráveis. Nos aproximamos primeiro dos diretores e coordenadores, e eles ajudaram a articular o contato com pais e em sequência com as crianças. A escola funcionou também como um lugar de salvaguarda durante a execução da intervenção, onde podíamos descansar e discutir os próximos passos da ação.”
Quando as intervenções diminuem o espaço para carros ou alteram as calçadas, comerciantes costumam expressar preocupação sobre como estas mudanças vão afetar seus negócios: “Na intervenção permanente da Av. Desembargador Moreira, levamos para os comerciantes exemplos de intervenções similares e como elas melhoraram o fluxo de circulação de pessoas. Também colocamos este público em contato com um comerciante de outra intervenção, que ajudou a esclarecer dúvidas.”
Hannah sugere que, para além de audiências grandes, a escuta seja feita também em grupos menores, ativando cada equipamento e cada público do território. Isto dá mais trabalho e envolve mais articulação, mas também garante que todas as pessoas da comunidade sejam contempladas.
Passo 4: Participação infantil
No projeto Caminhos da Escola, crianças de diferentes faixas etárias que frequentavam as escolas próximas foram escutadas sobre o que elas queriam para o trajeto.
Com as crianças de 3 e 4 anos, a escuta aconteceu durante uma oficina de desenho. O processo foi validado por organizações parceiras com experiência em participação infantil.
Para crianças com 8 a 10 anos, a ideia foi fazer uma oficina de influencers urbanos. Como se gravassem um vídeo para um canal de rede digital, as crianças apresentaram seus bairros e como elas fariam para melhorar as áreas. Por fim, para as crianças mais velhas, a escuta foi territorial. Crianças saíram caminhando ao redor da escola em posse de uma moldura verde ou vermelha, usando-as para indicar o que gostavam ou não no caminho.
Passo 5: Desenhando intervenções urbanas criativas
Na hora de desenhar as intervenções urbanas, Hannah volta a mencionar os campeões locais: escritórios de arquitetura, organizações e coletivos parceiros podem ajudar a desenhar soluções inventivas, de baixo custo e que atendam às expectativas da comunidade, crianças e gestão.
“Normalmente os contratos da prefeitura que preveem brinquedos ou intervenções não têm nada diferente. Quando um parceiro chega junto, ele pode trazer propostas inovadoras e que lentamente podem ser incorporadas dentro da própria política do município”, adiciona Hannah.
Uma outra forma para descobrir soluções para o espaço urbano é planejar concursos locais. A chamada pública ajuda a mapear potenciais parceiros e a conhecer ideias inventivas para o espaço urbano.
Passo 6: Ativando espaços públicos e medindo o sucesso da intervenção urbana
Embora qualquer transformação no espaço público chame a atenção, Hannah recomenda fortemente que, durante a intervenção temporária, o espaço seja ativado com uma programação especial, que convide crianças e comunidade a fruir do lugar da intervenção. A articulação local construída no começo do processo pode ser muito útil. Centros culturais próximos podem realizar oficinas que geralmente ocorrem a portas fechadas nestes lugares; peças teatrais, apresentações musicais e exposições itinerantes podem atrair o público.
Antes, durante e depois da intervenção temporária, é importante medir quantitativa e qualitativamente como este espaço está sendo utilizado. “Toda a gestão já tem a prática de contar pedestres, veículos, e outras formas de monitoramento qualitativo. O que ela pode fazer é criar novas perguntas: Neste micro parque, que tipo de atividade está acontecendo que não ocorria antes? Quantas pessoas estão utilizando este espaço público ou faixa de pedestres nova? Qual a velocidade do carro após a intervenção? ”, Hannah sugere. “É importante dizer que crianças utilizando o espaço é uma métrica valiosa para determinar o sucesso da intervenção.”
Passo 7: Minha intervenção urbanística foi um sucesso! Como transformá-la em política pública?
Com os indicadores medidos e registros feitos em vídeo e fotos, é hora de ativar os contatos construídos durante a articulação para tornar esta intervenção um projeto permanente. Este é um processo mais demorado e que demanda paciência e vontade política. “É mais fácil convencer a gestão ou um financiador da importância desta intervenção se ela estiver perto desde o começo do processo, e se tudo estiver documentado.”
Outra forma de garantir a transformação permanente é tecer parcerias com outros projetos –- da própria gestão ou editais nacionais e internacionais – que tenham fundos e ajudem a viabilizar este processo. “No Caminhos da Escola, fizemos parceria com um projeto da prefeitura chamado Meu Bairro Empreendedor, que estava trabalhando na mesma área que nós. Conseguimos então utilizar a verba para garantir a intervenção”, finaliza Hannah.