As 14 cidades da Rede Brasileira Urban95 participaram do workshop sobre políticas públicas e utilização de serviços, que apresentou exemplos práticos de municípios que desenvolvem projetos para a primeira infância, na terça-feira (06/10).
“A partir das várias esferas de cuidado com os pais, famílias e crianças, como criar círculos virtuosos na cidade?”, questiona Carol Guimarães, coordenadora da Rede Urban95 na abertura do encontro. “Vamos pensar em como criar um caminho acessível para os serviços, para que seja um facilitador e não um inibidor”.
Ely Harasawa, ex-secretária Nacional de Atenção a Primeira Infância no Ministério da Cidadania, falou sobre a articulação entre entes federativos e a experiência do Criança Feliz.
Contextualizando o desenvolvimento de programas de combate à pobreza e diminuição das desigualdades sociais do Governo Federal, como o Bolsa Família, ela falou sobre o impacto da implementação da Lei 13.257, o Marco Legal da Primeira Infância, criada em março de 2016, que culminou no decreto do Programa Criança Feliz, em outubro do mesmo ano.
O objetivo era acompanhar e orientar as famílias com crianças de zero a seis anos inscritas no Cadastro Único, oferecendo instrumentos para que os pais estimulem o envolvimento integral dos filhos. O público-alvo da iniciativa são mulheres grávidas e crianças de até 3 ano, além de crianças de até 6 anos que recebem o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e estão afastadas do convívio familiar devido a medidas de proteção.
O modelo de governança exige a união entre estados e municípios, por meio do Comitê Gestor (interministerial), do Comitê Estadual (GTE) e do Comitê Municipal (GTM). “Essa articulação é fundamental para toda e qualquer política federal, mas só acontece se houver mobilização entre os entes federados”, afirma Ely.
Duas estratégias são usadas no programa: as visitas domiciliares e a integração das políticas municipais nos territórios, que acontecem por meio do CRAS (Centro de Referência de Assistência Social), que estão em todos os municípios.
As visitas possuem uma tecnologia de intervenção que é baseada nos cuidados do desenvolvimento da criança, uma metodologia desenvolvida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Unicef, os planos de intervenção são individualizados para cada família e o Estado tem um papel proativo dentro da casa das famílias mais vulneráveis.
“É importante que as políticas estejam integradas também, por isso foi criado um Comitê Interministerial, composto pelas áreas da Saúde, Direitos Humanos, Cultura, Educação e Assistência Social, para que pudéssemos, também em nível federal, pensar em novas ações de interação dessas pastas”, explica.
Além disso, o Comitê também fornece conteúdo de educação para as equipes que estão atuando nos territórios. No geral, dos 5.570 municípios brasileiros, 4.153 são elegíveis e 2.934 aderiram voluntariamente ao programa Criança Feliz. Com isso, 870.821 crianças e 194.174 gestantes foram beneficiadas, totalizando 1.064.995 pessoas alcançadas pelas ações, segundo o Prontuário Eletrônico do SUAS, até setembro deste ano. Atualmente, são 25.650 profissionais atuando nos territórios.
Segundo Ely, os maiores desafios para a implementação do programa também são os caminhos para garantir a sua sustentabilidade: política baseada em evidências científicas; flexibilidade nos modelos para contextos diversos; embasamento legal (leis, decretos, portarias e resoluções); orçamento (PPA); sistema de informação e monitoramento; recursos humanos qualificados (Programa de Educação permanente); e avaliação, entre outros, devem ser considerados.
Trazendo a experiência com o Urban95 para a implementação da política para a primeira infância no território, Jorge Vieira, secretário de Planejamento e Gestão da Prefeitura de Recife, contou sobre como o secretariado foi impulsionado a criar e desenvolver ações voltadas para a primeira infância, a partir de formações e assessoria técnica. “A nossa abordagem ficou mais integrada”, afirma ele.
O Marco Legal da Primeira Infância foi aprovado na cidade no início de 2018, com 14 princípios norteadores, 15 diretrizes, 53 competências e 70 ações. Um ano depois, foi criada a Secretaria Executiva para a Primeira Infância. “Isso fez a diferença porque havia uma pessoa olhando exclusivamente para todas as iniciativas para esse público”, conta Vieira.
Em 2020, iniciou-se o processo para a criação do Plano Municipal da Primeira Infância. “Temos o desafio de dar escala aos serviços, executar as estratégias do Plano Municipal e garantir a sustentabilidade política e a governança, para que os projetos saiam do papel e as ações sejam executadas, além de melhorar a gestão dos indicadores”.
Com o apoio da Urban95, foi feita uma pesquisa e criaram-se indicadores para geração de um Painel de Monitoramento para a primeira infância de Recife. Também elaborou-se a concepção de duas intervenções urbanas, com protótipos nas comunidades de Iputinga e Alto Santa Terezinha, além de campanhas de comunicação com foco na mudança de comportamento para o desenvolvimento da primeira infância e do espaço público.
Todo o processo envolve o diagnóstico e a observação do território, a escuta e a pesquisa com as crianças e o desenvolvimento de um mapa situacional. “Mães e crianças participaram do processo e isso pode até gerar uma impaciência por parte dos agentes públicos, mas ao final deixou a intervenção mais robusta”, conta o secretário sobre a ação que envolveu 15 reuniões, mais de 300 famílias e 500 crianças nos projetos da Praça Arari Ferreira Fonseca e na Praça Zé Gotinha, Caminhos da Iputinga, Praça e entorno do Compaz.
Ainda há duas ações previstas para acontecer em dois projetos: o Mais Vidas Nos Morros, de intervenções urbanas, e o Programa Mãe Coruja, para melhorar o índice de utilização dos seus serviços.
“Acreditem no potencial do engajamento do cidadão, envolvam todas as secretarias, sem exceção, e não foquem apenas em medidas a curto prazo. Construam as bases para o futuro”, sugere Vieira.
Karina Tollara D’Alkimin, Assessora Especial da Prefeitura de São Paulo, falou sobre a entrega dos serviços no território após a aprovação do PMPI de São Paulo, em 2018, e quais foram seus avanços e desafios.
“As diretrizes de intersetorialidade e de priorização das crianças em situação de vulnerabilidade guiaram tanto a elaboração quanto a implementação do plano”, conta Karina. A partir daí, criaram um plano de ação, priorizaram dez distritos e garantiram a inclusão da primeira infância no programa de metas da prefeitura de São Paulo.
As metas associadas ao programa foram atender, conforme padrão, 80% do total das crianças de 0 a 6 anos em situação de vulnerabilidade, reduzir a taxa de mortalidade infantil e ampliar as vagas em creche.
Foram priorizadas ações de fortalecimento da atuação intersetorial articulada com o objetivo de promover o acesso aos serviços e o atendimento integral e integrado das gestantes, crianças na primeira infância e suas famílias e a instituição de uma cultura institucional voltada à primeira infância e de uma rede de proteção.
A estrutura de governança também foi organizada com a criação de um comitê gestor intersetorial, comissão técnica e a articulação de 32 comitês gestores regionais. Além disso, foi criado um sistema integrado da primeira infância, entre outras iniciativas para promover o tema.
Solange Leal Vitorino, supervisora técnica de Assistência Social de Guaianases – um dos 96 distritos de São Paulo – e representante no Comitê Gestor Regional da Primeira Infância, contou como o papel dos comitês regionais foi importante na melhoria da qualidade de vida das crianças no território.
Guaianases é uma região com quase 300 mil habitantes e muitas ações voltadas para a infância já estavam em andamento, segundo ela. Mas a criação do comitê proporcionou um olhar qualificado para o assunto. “Percebemos que tínhamos muitas ações individualizadas e entendemos que, apesar disso, as mães e as crianças atendidas eram as mesmas. Então, começamos a compactuar um fluxo, para que esse público fosse melhor atendido”, explica.
Alexandra Valéria Maria Brentani, docente do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, abordou a oferta de serviços para a Primeira Infância em Boa Vista, capital de Roraima.
Na cidade, o programa de visitas domiciliar, baseado em evidências e inspirado numa experiência da Jamaica desde a década de 1970, possibilita um resultado de atendimento a famílias em situação de vulnerabilidade a longo e médio prazo, segundo Alexandra. Com foco no estímulo das crianças, algumas questões levantadas levaram à abordagem que enfatiza os módulos pré-natal, neonatal e o desenvolvimento infantil de 1 a 36 meses.
Com livros e brincadeiras, as visitas da iniciativa jamaicana começaram por áreas mais vulneráveis, assim como ocorreu em São Paulo. Há um esforço para encontrar mecanismos que impulsionam a fidelização das famílias e, para isso, é necessário garantir a qualidade da visita.
“Até agora, vimos que a adesão da família é essencial para que o impacto aconteça. Para isso, precisamos ter uma participação de pelo menos 75% das visitas por um período de 8 meses”, explica Alexandra. É exigido, então, profissionais adequados e disponíveis para a correta implementação do programa.
Alexandra reforça que, apesar de ter um modelo de atuação, o monitoramento é fundamental na hora de implementar em larga escala, para garantir a qualidade e atingir as famílias que precisam.
O compromisso do prefeito, o marco legal da primeira infância, o envolvimento da sociedade civil, o engajamento de equipes técnicas e parcerias institucionais como a realizada com a Urban95 são imprescindíveis para a implementação das iniciativas, segundo apontamentos feitos durante a apresentação de cada participante.
A Rede Urban95 é uma iniciativa da Fundação Bernard van Leer e do Instituto Cidades Sustentáveis, reunindo 14 cidades com o objetivo comum de desenvolver e fortalecer programas e políticas para crianças de 0 a 6 anos de idade. Recentemente, integraram a Rede as seguintes cidades: Aracaju (SE), Brasiléia (AC), Campinas (SP), Caruaru (PE), Crato (CE), Fortaleza (CE), Ilhéus (BA), Jundiaí (SP), Niterói (RJ), Pelotas (RS) e Ubiratã (PR).
A iniciativa visa estimular os municípios a incorporar, no planejamento e na gestão, o foco no desenvolvimento da primeira infância a partir de ações e políticas públicas efetivas neste campo. Esse workshop foi o segundo de uma série de capacitações do programa.