A cultura é essencial para o desenvolvimento integral da criança. O acesso a diversas manifestações culturais e expressões estéticas auxilia na aprendizagem e também media as relações da criança, produtora ela mesma de cultura, com os outros e com o mundo ao seu redor.
“O gosto pela cultura não é natural, é algo que precisa ser desenvolvido e, como a própria origem da palavra diz, cultivado. A cultura é uma potente ferramenta de transformação humana, e nos torna mais humanos. E se cultivamos a cultura desde a primeira infância, até mesmo durante a gestação, ela se tornará um hábito para toda a vida”, explica Marcelo Peroni, Secretário de Cultura de Jundiaí (SP).
Embora previsto em marcos legais importantes como o artigo 227 da Constituição, o Plano Nacional Primeira Infância, e o Plano Nacional de Cultura, o acesso à cultura como um direito para crianças e cuidadores ainda é um desafio. Cidades da Rede Urban95 buscam mudar este quadro garantindo esses direitos em suas políticas públicas. Uma das estratégias é a construção de Planos Municipais pela Primeira Infância (PMPI) que colocam as ações culturais como metas, incluindo-as em orçamentos e reforçando a transversalidade do tema em todas as áreas de atuação.
A seguir, reunimos algumas experiências empreendidas pelas cidades da Rede que podem inspirar gestores e equipes técnicas a pensar políticas que unem cultura e primeira infância em seus territórios.
Crato (CE) e a valorização da cultura regional na primeira infância: A cidade do interior do Ceará é conhecida como a Capital da Cultura do Cariri, por suas ricas manifestações culturais como a literatura de cordel. Para Pedro Lucas Jovino, mobilizador de jovens na Secretaria de Assistência, este apreço pela cultura está presente desde a primeira infância:
“As nossas crianças entram no circuito cultural muito cedo: o primeiro contato se dá no berço, com cantigas populares que pais, avós e mães aprenderam de seus antepassados. A cultura está presente nas comidas, como o caldo de cana e a rapadura, que fazem parte do universo da criança. Temos o hábito de chamar a criança para participar de manifestações culturais desde cedo, como bandas populares e festas de reisados.”
Para transformar essa vocação em uma política pública, a gestão municipal incluiu no seu Plano Municipal pela Primeira Infância (PMPI) a cultura como área prioritária. “É um trabalho de mudança de cultura e de comportamento, para sensibilizar setores diferentes da sociedade, do legislativo, e tratar a questão da cultura como fundamental para o desenvolvimento infantil”, complementa Pedro.
Embora este vocação esteja presente no cotidiano da população, ainda é um desafio sensibilizar gestores e equipes técnicas das diversas secretarias sobre a importância da cultura no desenvolvimento infantil. “É um trabalho de comportamento”, Pedro adiciona. Por isso, a cultura foi considerada uma área prioritária dentro do Plano Municipal pela Primeira Infância (PMPI): dentro do eixo de educação, é meta produzir materiais didáticos que valorizem expressões de cultura local; no eixo de cultura, é meta do município mapear 100% das manifestações culturais locais para entender como aproximá-las das atividades para a primeira infância; também está nas metas a produção de um cartilha da memória cultura das brincadeiras de Crato.
Linha orçamentária própria para ações de cultura e primeira infância em Jundiaí (SP): A primeira infância é prioridade no orçamento público da cidade. O fomento à cultura concentra boa parte do seus recursos em projetos e ações para a primeira infância. “As atividades formativas, por exemplo, antes eram pensadas para públicos alvos mais generalizados. Hoje, há ações desenvolvidas especificamente para crianças”, detalha Marcelo Peroni.
O secretário complementa que atrelar as ações culturais a um orçamento próprio garante uma obrigatoriedade de desenvolver projetos culturais para a primeira infância. Exemplos dessas atividades culturais incluem apresentações teatrais e musicais e oficinas de artes, muitas das quais acontecem na Fábrica das Infâncias Japy, espaço cultural voltado para crianças.
O município ainda conta com um Observatório da Primeira Infância, que monitora as ações de cultura e de outras áreas voltadas para esta faixa etária.
O espaço público de Uruçuca (BA) como centro de atividades culturais: O desenvolvimento de ações para a primeira infância no município é executado pela Diretoria de Cultura. Isso significa que todos os projetos voltados para bebês e crianças pequenas são atravessados pela perspectiva da cultura e sua importância na formação da criança.
Uma das ações mais emblemáticas da pasta são as Ruas Brincantes, um evento que ocupa espaços públicos com ações culturais. “Nesta iniciativa, a criança tem à sua disposição um espaço público adequado para o brincar, onde ela é a protagonista. Ali ela tem acesso a oficinas, brincadeiras, pintura e a arte. Sempre levamos um elemento da cultura local. Na última edição, o evento contou com capoeira e artes circenses”, detalha Livia Barbosa, diretora de cultura da cidade.
Laboratórios de formação em cultura em Recife (PE): O Plano Municipal pela Primeira Infância (PMPI) da cidade tem o Direito à Educação e Cultura como um dos seus cinco eixos estratégicos. A valorização das manifestações de cultura local estão inseridas em todas as ações previstas pelo PMPI, como “Promover e apoiar eventos, bem como artistas locais cujos trabalhos resgatem as memórias das diferentes etnias e culturas, ampliando o repertório cultural desde a primeira infância.”
Os Laboratórios de Formação de Primeira Infância seguem esta vocação, explica Luciana Lima, secretária executiva da Primeira Infância na Secretaria de Educação: “Os nossos laboratórios, que formam profissionais cuidadores da primeira infância, têm atividades formativas em teatro, musicalização e cordel, entendendo estas ferramentas como essenciais nas práticas com a primeira infância. O próprio espaço dos laboratórios tem na sua configuração e mobiliário elementos da cultura popular, resgatando as expressões artísticas pernambucanas”.
Mogi das Cruzes (SP) e a descentralização do acesso à cultura: Em agosto de 2022, aconteceu o Primeiro Festival de Arte da Primeira Infância em Mogi das Cruzes (SP). O evento ocupou centros educacionais e culturais espalhados por toda cidade, e é um exemplo de como a gestão cultural deseja descentralizar as ações para a primeira infância.
“Trabalhamos com dois grandes eixos: descentralização, identidade e memória. Todas as ações da nossa Secretaria de Cultura visam à circulação e à difusão da arte em todos os territórios de Mogi, mas também à identificação da primeira infância com a cultura, com a identidade e o patrimônio”, explica Kelen Chacon, secretária de cultura. “Por isso, utilizamos todos os equipamentos de educação, as praças públicas, os parques, os espaços de esporte e lazer, para desenvolver atividades descentralizadas.”