Quantas crianças têm acesso a creches no seu município? Qual é a cobertura vacinal na primeira infância? E os espaços públicos, são utilizados por todas as crianças da cidade? Buscar respostas para essas e outras perguntas é uma forma de usar a gestão de dados a favor da primeira infância.
A tomada de decisão com base em dados já é uma estratégia utilizada na gestão pública para qualificar ações, programas e serviços. Na prática, isso significa coletar, produzir e analisar informações locais sobre as realidades do município. Um dos objetivos desse processo é não deixar ninguém para trás, especialmente as crianças e famílias vulneráveis ou invisibilizadas, como as negras, indígenas, quilombolas, por exemplo.
Para entender como incluir a gestão de dados a favor da primeira infância nos municípios, conversamos com Márcia Thomazinho, que é consultora do CECIP Centro de Criação de Imagem Popular, e tem 20 anos de experiência em políticas públicas para a infância e adolescência. A especialista também apoia cidades Urban95 na construção do Plano Municipal pela Primeira Infância. Confira a entrevista completa:
1) Qual é a importância de fazer a gestão de dados para políticas públicas focadas na primeira infância?
Usar essa estratégia é essencial para que a gestão municipal e a sociedade planejem e construam programas, serviços e ações efetivos para a primeira infância. Para o pesquisador Paulo de Martino Jannuzzi, os indicadores permitem traduzir conceitos, demandas e dimensões sociais. Eles são uma representação numérica da realidade e podem apresentar a tendência dos dados, como, por exemplo, a evolução da taxa de mortalidade infantil. Com base na análise dessas informações, identificamos os desafios que o município precisa analisar para planejar estratégias e ações.
Vale destacar que, quando falamos em primeira infância, pensamos em Saúde, Assistência e Educação, mas é preciso ir além. A construção de uma cidade para crianças pequenas e suas famílias deve envolver todas as áreas do município, entre elas cultura, mobilidade, meio ambiente, urbanismo e outras.
Essa articulação intersetorial é importante para a formulação de políticas e elaboração do Plano Municipal pela Primeira Infância (PMPI). Além de ser o cumprimento de um preceito constitucional, o PMPI é também uma oportunidade de aprimorar o desenvolvimento local e transformar a vida das crianças e da população do município.
2) A Rede Urban95 apoia os municípios parceiros na constituição do PMPI, e uma das primeiras etapas desse processo é a construção de um diagnóstico. Você pode falar um pouco sobre esse processo?
As primeiras etapas são a decisão do prefeito, a constituição do Comitê com sociedade civil e poder público e o alinhamento do conceito integral de criança. É importante que todos os envolvidos neste processo entendam o que são as infâncias, suas necessidades e oportunidades.
O diagnóstico é um processo relevante para a implementação das políticas públicas e é por meio dele que identificamos os desafios, bem como suas causas e consequências. É uma fotografia da realidade que precisa ser transformada. Por isso, é necessário avaliar periodicamente essa fotografia e identificar se o caminho escolhido para transformar a realidade está correto.
3) Quais são as etapas para a elaboração dessa fotografia do município?
A primeira etapa é definir quais são os dados e as informações que precisam ser levantadas. Quais são as fontes disponíveis para essa coleta? São fontes confiáveis? Em seguida, é feito o levantamento dos dados. Para isso, é fundamental definir uma linha de base e coletar informações de anos anteriores para analisar a tendência de cada dado.
Com os dados em mãos, é o momento de analisar essas informações e identificar quais desafios o município precisa enfrentar, suas causas e consequências, para definir as estratégias necessárias para a mudança. Também é importante avaliar o que o município já faz, e dentro disso o que está funcionando e o que pode ser aprimorado.
Outra etapa que não pode ser negligenciada é o desenvolvimento de um olhar atento a todas as crianças do território municipal, sensível às suas diferentes infâncias, aos problemas, aos valores e às possibilidades dos contextos em que vivem. Não podemos deixar ninguém para trás. Para isso, é essencial reconhecer e identificar as crianças invisíveis.
O Guia para Elaboração do Plano Municipal pela Primeira Infância também traz a importância da escuta das crianças na formulação das políticas e das ações que lhe dizem respeito. É preciso promover a inclusão social da criança como cidadã, conforme a especificidade de sua idade, e com apoio de profissionais qualificados em processos de escuta adequados às diferentes formas de expressão infantil.
4) Quais são as principais orientações para a escolha dos indicadores e temas a serem trabalhados no diagnóstico da primeira infância no município?
Na iniciativa Urban95, trazemos diversos indicadores e temas para serem trabalhados pelos municípios. Focamos em fontes confiáveis, na evolução de indicadores e buscamos dados e informações com base no Plano Nacional pela Primeira Infância, Guia para elaboração do PMPI e no Guia Urban 95.
Também entendemos que cada município tem uma peculiaridade e é importante respeitar essa diversidade. Por isso, ainda podemos incluir indicadores para que o diagnóstico expresse a essência de cada município. Por exemplo, características específicas de população, doenças mais ampliadas em uma determinada região, entre outras.
Vale ressaltar que o diagnóstico também nos ajuda a ter uma fotografia do município, que podemos ver de tempos em tempos. Então, quando um município já tem PMPI e elaborou o diagnóstico situacional, é importante rever essa fotografia constantemente. Inclusive, o monitoramento e a avaliação são fundamentais para saber se o caminho escolhido está transformando a realidade da forma esperada. Se a resposta for negativa, é hora de recalcular a rota.
Uma dica importante é, ao olhar novamente essa fotografia, ficar atento a aspectos que não foram previstos anteriormente, e precisam ser visualizados agora. Por exemplo, a pandemia de Covid-19.
Na prática: ações de gestão de dados a favor da primeira infância
- Projeto Ligue os Pontos (São Paulo): O acesso à alimentação saudável e o desenvolvimento sustentável do território rural é fundamental para a qualidade de vida de bebês, crianças pequenas e suas famílias. É nesse sentido que vai a iniciativa Ligue os Pontos, que conecta os produtores locais com mercados e consumidores e estimula o desenvolvimento dos agricultores com uma série de ações. Desenvolvido pela Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento com outras secretarias e órgãos da Prefeitura de São Paulo, o projeto usa a tecnologia para mapear, integrar e incentivar iniciativas e informações de agricultura local na cidade.
- Elaboração do Plano Municipal pela Primeira Infância de Nova Iguaçu (RJ): A ampla participação social, inclusive de crianças, é um dos pontos fortes da criação do Plano Municipal pela Primeira Infância de Nova Iguaçu, município do Rio de Janeiro. Referência no Brasil, o processo contribuiu para a formação dos profissionais envolvidos e considerou a visão da população infantil local. Isso aconteceu, principalmente, durante a etapa do diagnóstico situacional de Nova Iguaçu.
- Mapeamento de dados para definir programa de visitas domiciliares em Istambul: Com investimento da Urban95, a cidade de Istambul, na Turquia, criou uma série de mapas para identificar necessidades e oportunidades para a primeira infância em quatro distritos do município. O objetivo foi aprimorar os serviços de visitas domiciliares e definir a alocação de recursos, visualizando onde e como estavam as crianças em maior situação de vulnerabilidade. Os mapas também serviram para planejar melhorias no design e no uso de parques e espaços públicos para crianças pequenas e famílias.
Conheça mais três experiências apresentadas no Webinar Gestão de Dados à favor da Primeira Infância, realizado em outubro de 2021. Assista ao vídeo completo!