As cidades da Rede Brasileira Urban95 discutiram o tema Primeira infância e Natureza em seu primeiro webinar do ano, que reuniu mais de 70 participantes nessa terça-feira (19/01). O encontro trouxe os desafios, oportunidades e exemplos práticos de acesso à natureza em espaços urbanos, com destaque para a promoção de projetos com foco na primeira infância.
Os convidados Lais Fleury, Coordenadora do programa Criança e Natureza do Instituto Alana, e Guilherme Blauth, Consultor de brincadeiras e espaços naturais, trouxeram algumas experiências de parques naturalizados, proposta que prioriza materiais naturais, estruturas móveis e a interação com a biodiversidade local na instalação de áreas de lazer e recreação.
Cidades são inspiração por aí
A cidade de Jundiaí, integrante da Rede Urban95, colocou recentemente em funcionamento o parque Mundo da Criança, com um conceito inédito de integração entre brincadeiras, aprendizado e o contato com a natureza. Com acesso gratuito, a estrutura é um exemplo de como reunir experiências sensoriais e a promoção do conhecimento dos pequenos em um mesmo espaço, além de perpassar a sensibilização ambiental.
São 120 mil metros quadrados de gramado, 12 mil mudas de plantas nativas e mais 1,5 mil mudas de plantas frutíferas e exóticas plantadas no interior de São Paulo, um complexo que inclui 14 quadras, teatro ao ar livre, pista de skate, parkour e ciclovia.
A Coordenadora da Rede Nossa São Paulo, Carolina Guimarães trouxe exemplos internacionais de cidades que estão incluindo espaços seguros, acessíveis e naturais no planejamento urbano, como Nova Iorque e Santiago.
A capital chilena desenvolveu as chamadas “Praças de Bolso”, uma série de terrenos e espaços públicos desocupados que foram transformados em pequenas áreas de uso comunitário e parques para as crianças pequenas. Já na cidade estadunidense, os “Pocket Parks”, são literalmente parques de bolso, ou “pequenos espaços de respiro, comuns e acessíveis para as comunidades locais”, segundo Carol.
Municípios: uma lupa sobre a primeira infância
Reunindo cidades parceiras da Rede Brasileira Urban95 e especialistas no tema da primeira infância, foi destacada por todos os oradores a importância de se articular trocas entre técnicos municipais, aqueles que podem fazer a diferença na realidade da população, especialmente as crianças. Mais do que nunca, e em função do isolamento social, é fundamental entender as especificidades e desafios que cada comunidade está enfrentando para o acesso das crianças a um desenvolvimento pleno.
Para discutir o impacto da pandemia sobre o contato das crianças com a natureza, a Coordenadora do programa Criança e Natureza do Instituto Alana trouxe o conceito de transtorno do déficit de natureza, termo não médico pra descrever o fenômeno que tem impactado as crianças por estarem sendo privadas de brincar na natureza. Com consequências para a saúde em diversos aspectos, o isolamento tem reflexo no desenvolvimento do peso, sono, menos oportunidade de desenvolvimento motor e psicossocial.
“Quanto menos acesso à cidade, mais são empurradas para as telas, o que justifica o dado de que, durante a pandemia, 1 em cada 3 crianças está com sobrepeso no Brasil”, alerta Laís. Ela explica que o contato com a natureza contribui para o desenvolvimento integral da criança (o que é desenvolvimento integral da criança) em função da infinidade de opções que oferece para a experiência do corpo, o principal canal da linguagem de conhecimento humano.
Com projetos desde 1994, o Instituto Alana tem a missão de honrar as crianças e proporcionar boas condições para esse momento tão fundamental do desenvolvimento humano. Já o programa Criança e Natureza, surgiu pela necessidade de encontrar possibilidades alternativas ao imposto pela urbanização vertical e acelerada das cidades brasileiras, favorecendo o acesso de as crianças à natureza.
Com a Rede Urban95, compartilha a agenda por espaços públicos com mais natureza, acessíveis e favoráveis à presença das crianças, e que sejam pilares do planejamento urbano dos municípios brasileiros.
Retomando o tema dos impactos da pandemia, Laís Fleury destacou o debate sobre a volta das escolas como um desafio e uma oportunidade para a agenda de integração entre natureza e educação.
“As escolas começam a ver a cidade com parte do espaço pedagógico disponível e, para tal, é grande a importância do diálogo intersector e a participação das crianças. Um bom exemplo é a possibilidade de salas de aula temporárias, montadas em espaços ao ar livre e que permitam medidas de proteção”, completou Laís.
Dentre todos os desafios encontrados pelas cidades brasileiras, é unânime o entendimento sobre a importância de se ampliar os canais de escuta das crianças, com exercícios de participação e controle social, a promoção de espaços mais lúdico, a priorização de elementos naturais, livres de publicidade infantil e sua distribuição igualitária na sociedade.
Com formação e experiências múltiplas, Guilherme Blath tem focado seus trabalhos na intersecção entre arte, natureza e infância, ponto de encontro ideal para os parques naturalizados.
“Porque todos os parquinhos são iguais? Com aquele fundo de areia e pouca natureza, com as mesmas cores e cada vez mais materiais plásticos e emborrachados.” Com essa provocação Guilherme iniciou sua participação no 6º webinar temático da Rede Urban95.
Ele propõe que as estruturas fixas usualmente ofertadas para as crianças não oferecem muita diversidade de experiências, são espaços onde as crianças já sabem o que fazer. São ambientes artificiais para as crianças, que permitem experiências iguais
Os parques naturalizados, por outro lado, oferecem contato com a biodiversidade local, incentivam a criatividade e o potente fluxo de desenvolvimento das crianças, quando estão em ambientes propícios. Suas estruturas móveis permitam interação e agência das crianças, tem baixo custo de instalação e utilizam materiais mais sustentáveis, como resíduos da poda urbana, bambu e serragem
Ao contrário do playground convencional, o parque naturalizado é pensado para ser impermanente e necessita de uma renovação constante, o que pode ser um desafio para a gestão pública. A ideia é que a comunidade participe de seu cuidado e manutenção, uma gestão compartilhada que também incentive o engajamento local.
Na rodada final de debate, a experiência de Fortaleza na gestão coletiva de espaços públicos foi compartilhada com o grupo, com reflexões interessantes para cidades que estão buscando repensar o planejamento de seus territórios a partir de um olhar sobre a primeira infância.
Se como citou a Coordenadora carol Guimarães, “os espaços urbanos são laboratórios vivos da realidade”, é sobre suas experiências que devemos incidir para promover o bem estar e a saúde de toda a sociedade.
A Rede Urban95 é uma iniciativa da Fundação Bernard van Leer e do Instituto Cidades Sustentáveis, reunindo 14 cidades com o objetivo comum de desenvolver e fortalecer programas e políticas para crianças de 0 a 6 anos de idade. Recentemente, integraram a Rede as seguintes cidades: Aracaju (SE), Brasiléia (AC), Campinas (SP), Caruaru (PE), Crato (CE), Fortaleza (CE), Ilhéus (BA), Jundiaí (SP), Niterói (RJ), Pelotas (RS) e Ubiratã (PR).
A iniciativa visa estimular os municípios a incorporar, no planejamento e na gestão, o foco no desenvolvimento da primeira infância a partir de ações e políticas públicas efetivas neste campo. Esse workshop foi o sexto encontro, de uma série de capacitações do programa.